Bolsonaristas criam contas frias para receber doações
Foto: Reprodução
Grupos bolsonaristas mantêm pelo menos nove contas bancárias para financiar atos em 7 de setembro em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), autor de repetidas declarações de ameaças à realização das eleições de 2022 e de ataques aos outros Poderes.
Apoiadores do presidente dizem que as manifestações são democráticas e não visam a um golpe de Estado. Opositores de Bolsonaro afirmam o contrário, já que ao menos um dos movimentos que organizam as manifestações pede a destituição de ministros da Corte, já defendeu a violência contra autoridades públicas e promove a paralisação de caminhoneiros pelo país.
O UOL localizou as contas em pesquisa em grupos de militantes e em redes sociais. A maioria delas recebe recursos com chave Pix. Um grupo possui método de arrecadação por bitcoins, com campanha do sobrinho de Bolsonaro, como o UOL revelou na semana passada. Outro grupo, o Nas Ruas, possui financiamento por meio do Paypal, que permite obter dinheiro a partir do exterior.
Em 20 de agosto, foi bloqueada pelo Supremo uma outra conta, ligada ao Movimento Sete de Setembro e ao caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão. Na avaliação da PGR (Procuradoria-Geral da República), os militantes planejavam atos de violência, como invasão ao STF e ao Congresso. O grupo de Trovão divulgou mais contas para levantar dinheiro na semana passada.
O advogado dele, Levi Andrade, disse ao UOL que o protesto será pacífico, que a arrecadação é legal e que a abertura da nova conta foi feita por Luís Antônio Mozzin, empresário do cantor Sergio Reis, alvo de busca e apreensão pela polícia. O movimento perdeu cerca de R$ 50 mil com o confisco determinado pelo Supremo (veja mais abaixo).
Integrantes da Polícia Federal e da PGR informaram à reportagem que os órgãos acompanham o financiamento dos movimentos. Bancar a organização de manifestações é legal no regime democrático. No entanto, quando o objetivo é praticar algum crime, a organização logística disso é considerada ilícita.
Os valores arrecadados pelas nove contas não foram revelados pela maioria dos organizadores. As contas usadas para financiar o movimento servem para contratar ônibus, banheiros químicos comprar faixas, cartazes, instalar uma cozinha comunitária e pagar alimentação e energia. Até helicópteros estão sendo alugados.
O grupo de Zé Trovão disse que espera ter 500 mil pessoas em Brasília e 1 milhão em São Paulo. O Movimento Nas Ruas disse que prevê uma manifestação maior do que as que pediram o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2015 e 2016.
O Movimento Sete de Setembro quer o impeachment dos 11 ministros do STF e a adoção do voto impresso nas eleições. Na quarta-feira (1º), o caminhoneiro Zé Trovão agradeceu as doações recebidas. “Vocês não têm noção do quanto somos gratos por cada centavo que nos ajudam”, disse ele. “Meu agradecimento também para quem está doando valores maiores. Vocês são pessoas nota mil.”
Eu preciso pedir. Não parem de doar”. Zé Trovão, caminhoneiro e militante bolsonarista
O advogado dele, Levi Andrade, não soube dizer o valor arrecadado.
Na semana passada, a Polícia Federal apreendeu R$ 505 mil com um prefeito do PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito, no aeroporto de Congonhas. Gilmar João Alba, que administra a cidade de Cerro Grande do Sul (RS),disse à revista Veja que o dinheiro não era para financiar os atos de 7 de setembro. Os agentes ainda investigam a origem dos valores em espécie.
Segundo a PGR, o grupo de Zé Trovão planejava atos antidemocráticos baseando-se em reuniões e declarações públicas dele e de Sérgio Reis. O cantor disse que, se o Senado não abrir processo de cassação dos ministros do Supremo, haveria violência: “E se, em 30 dias… invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra”.
No domingo passado, nove dias depois do bloqueio judicial, o grupo ligado a Zé Trovão divulgou uma conta bancária para viabilizar uma caravana da Bahia. Na terça, abriu mais duas chaves Pix em conta do empresário de Sergio Reis. Isso foi feito depois de uma consulta jurídica com o advogado Levi Andrade, que representa o caminhoneiro.
Andrade disse ter informado a eles que a abertura da conta não foi proibida pelo STF. Ele recomendou que deveriam evitar recursos de partidos políticos e registrar todas as entradas e saídas com transparência.
Se o ministro [do STF] achar que tem que bloquear esse, bloqueia. Meia hora depois, tem outro, uma outra pessoa”
Levi Andrade, advogado de Zé Trovão
Ruralistas têm apoiado financeiramente o grupo. “Vários fazendeiros estão ajudando”, diz Andrade. O grupo pretende ficar acampado em Brasília depois do dia 7.
Trovão promete uma paralisação de caminhoneiros, negada por Wallace “Chorão” Landim, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava). Trovão disse ao UOL que 1,3 milhão de motoristas vão parar:
Estamos convocando a categoria dos caminhoneiros para ir para essa luta como brasileiro, pessoa de bem que está cansado das mazelas do STF”. Zé Trovão, caminhoneiro
O caminhoneiro disse à reportagem que não haverá bloqueios de rodovias. No entanto, ele afirmou acreditar que os motoristas que decidirem rodar não terão clientes para atender no período. “As transportadoras estão comprando a briga pelo Brasil”, justificou. Bolsonarista, Zé Trovão disse que o movimento não é em favor do presidente, mas não informou o nome de integrantes que não sejam apoiadores do governo.
O Ministério da Infraestrutura vê com ceticismo a possibilidade de uma greve de caminhoneiros. Segundo uma fonte da pasta ouvida pelo UOL, não há adesão ao movimento de Trovão. Para eles, as preocupações do Supremo não possuem lógica.
O presidente da Associação Nacional dos Transportes no Brasil, José Roberto Stringasci, é contra o movimento porque o entende apenas como apoio a Bolsonaro mesmo sem o presidente fazer política para baixar o preço dos combustíveis. No entanto, ele acredita que a paralisação vai acontecer mesmo contra a vontade dos motoristas que não quiserem aderir. “O povo é que vai fechar a rodovia”, contou ele ao UOL.
O caminhoneiro autônomo vai ser obrigado a parar.” José Roberto Stringasci, líder de caminhoneiros
Durante o evento, “centenas” de seguranças privados vão trabalhar, segundo Andrade. Haverá ainda policiais militares de folga participando do movimento ao lado do bolsonaristas no meio da multidão, destaca Andrade.
O Movimento Nas Ruas utiliza a ferramenta Paypal, inclusive, para organizar manifestações fora do país. Uma está marcada para acontecer na véspera do feriado, em Boston (EUA). Fundadora do grupo, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) destacou que haverá “brasileiros no exterior também em prol do presidente Bosonaro”.
O grupo não revela o valor já arrecadado. O porta-voz do Nas Ruas, Tomé Abduch, disse à reportagem que os eventos não são caros.
Nossas manifestações não custam muito caro. São valores muito pequenos, insignificantes”. Tomé Abduch, porta-voz do Nas Ruas
Se a pauta do movimento de Zé Trovão é retirar os ministros do Supremo, o Nas Ruas diz defender “a democracia, a Constituição, a liberdade e as instituições”. “Nossa Constituição é bem clara em relação aos Poderes serem harmônicos”, diz Abduch. Nas redes sociais, ele afirmou que os atos são “em apoio à gestão” de Bolsonaro
Abduch explicou ao UOL que o voto impresso não é a pauta principal do Nas Ruas e que o movimento será pacífico. Abduch diz que os só alguns radicalismos são punidos pelo Supremo. “Se existem agressões de alguns extremistas de direita, existem também de extremistas de esquerda. E nós não vemos, por parte do STF, a mesma tratativa em relação a isso.”
Desempregado, o marceneiro Danilo Aguiar, 30, mora em Duque de Caxias (RJ) e faz parte do grupo B-38, uma referência ao presidente Jair Bolsonaro. Ele mobilizou 15 pessoas na cidade para formar uma caravana a Brasília. Colocou sua conta corrente à disposição e eles passaram a fazer campanha em redes sociais e grupos fechados, recolhendo até alimentos.
Até quinta-feira, conseguiu R$ 400. “Ainda não é possível para a gente ir e conseguir se manter”, afirmou ao UOL. “Queremos acabar com essa falcatrua do Supremo Tribunal, que o nosso presidente pudesse governar. Esse tribunal não deixa ele governar.”
Em Lages (SC), um grupo de ativistas disse que precisava de recursos para alugar caminhões e banheiros químicos. “O carro de som terá um custo de R$ 4.500”, diz mensagem em dos anúncios em redes sociais. “O Pix é democrático: dá quem acredita e quer.”
Sobrinho do presidente, Léo Índio disse que não é responsável pela arrecadação, mas apenas pela divulgação de contas para financiar os atos. A conta é administrada por Rafael Moreno, um motorista de aplicativo, que não revela os valores arrecadados, mas já conseguiu alugar oito caminhões com o dinheiro.
Moreno afirma que não conseguiu levantar recursos com a chave para bitcoins. Em uma rede social, ele disse que alugou um helicóptero. “Bora lá alugar um helicóptero em Brasília também”, completou Léo Índio na quinta-feira (2).
O UOL procurou responsáveis pelos responsáveis pela arrecadação dos demais movimentos, mas não recebeu esclarecimentos.
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