Bolsonaro arrisca o pescoço com manifestação golpista
Foto: EVARISTO SA / AFP
Principal estrela das manifestações de raiz golpista convocadas para 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro chega politicamente isolado ao feriado da Independência e precisando projetar força após sucessivas notícias negativas para o governo.
Ao mesmo tempo em que perde capital político com a crise entre os Poderes, intensificada por seus ataques ao Judiciário, a alta da inflação e a crise energética se colocam como novos obstáculos para o projeto de sua reeleição em 2022.
Nesse quadro, de acordo com auxiliares, os protestos de 7 de Setembro se converteram na oportunidade para Bolsonaro tentar mostrar que ainda consegue mobilizar as ruas. Entre aliados, há quem diga que os atos devem marcar um “tudo ou nada” para o presidente.
Um comparecimento aquém do desejado —dizem interlocutores— reforçaria a percepção de que Bolsonaro tem cada vez menos condições de viabilizar sua campanha para 2022, o que poderia impulsionar atos da oposição.
À Folha um dirigente partidário de centro comparou esse hipotético cenário ao do ex-presidente Fernando Collor. Ao convocar manifestações em seu apoio em 1992, acabou provando que tinha poucos apoiadores, facilitando o caminho para o impeachment.
Por outro lado, caso seja bem-sucedido em se apresentar como um líder de massas, Bolsonaro espera sair das cordas diante do desgaste que se acumula no Judiciário, no Senado e, mais recentemente, entre líderes empresariais.
Seria uma forma de ele tentar se recuperar da queda de braço com as demais instituições, hoje desfavorável para o Planalto.
Na véspera do ato pró-governo, o presidente Bolsonaro se reuniu com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada durante a manhã. Horas mais tarde, embarcou em helicóptero para passeio que não estava previsto na sua agenda.
Segundo autoridades do governo, Bolsonaro sobrevoou a capital federal e observou grupos de apoiadores que vão participar das manifestações. O Palácio do Planalto não confirma o passeio do presidente.
Apoiadores de Bolsonaro também levaram à Esplanada dos Ministérios, nesta segunda (6), cartazes de apoio ao governo e com frases contrárias aos outros Poderes.
Uma das faixas que chegou a ficar em frente ao Supremo e ao Planalto cobrava um golpe: “Presidente Bolsonaro, acione o Exército para destituir o STF e o Congresso”.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), pela manhã, desceu rapidamente a rampa do Planalto para encontrar os manifestantes. Eles gritavam “Supremo é o povo”. O filho do presidente simulou segurar armas com as mãos e voltou para o palácio.
De acordo com aliados, o 7 de Setembro —quando bolsonaristas prometem declarar uma “nova Independência”— também é um caminho para que o presidente recupere o status de líder anti-sistema que marcou sua vitória na campanha de 2018.
Além do tamanho do público, as expectativas se concentram no teor do discurso de Bolsonaro. No dia, ele deve falar em duas ocasiões: primeiro em Brasília e, depois, na avenida Paulista, em São Paulo.
O conteúdo da fala de Bolsonaro tem sido tratado com sigilo por interlocutores, mas há uma expectativa de que “independência” seja um tema explorado na declaração em Brasília.
Nos últimos dias, Bolsonaro tem feito ameaças a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e defendido a presença de policiais militares nas manifestações. O presidente afirma que os protestos serão pacíficos.
A previsão no Planalto é que, em São Paulo, o discurso dele seja mais radical. Apesar dos apelos por moderação, aliados estão céticos quanto a isso.
Um deles disse à Folha que apoiadores do presidente não estão indo às ruas ouvir uma fala de Bolsonaro sobre pacificação —querem um discurso que contemple suas reivindicações radicais.
Embora exista o receio de que o presidente faça um pronunciamento de cunho golpista, aliados pontuam que ele não reúne no momento as condições políticas para de fato promover uma guinada autoritária.
O presidente quer ainda usar a data para mostrar a unidade de seu gabinete. Na manhã desta terça há previsão de café da manhã no Palácio do Alvorada, seguido de solenidade de hasteamento da bandeira nacional.
Se o presidente discursar após essa cerimônia, quer contar com a imagem de políticos ao seu lado. Ministros e líderes no Congresso foram convidados, mas muitos devem faltar, seja porque estarão viajando, seja porque querem evitar a exposição numa manifestação com bandeiras antidemocráticas.
Diante da necessidade de mostrar força nas ruas, Bolsonaro transformou o 7 de Setembro no principal mote de suas declarações recentes, com falas em tom de ameaça a integrantes do STF. Ele também aproveitou viagens para tentar ampliar o máximo possível o chamamento.
“Nós não criticamos instituições ou Poderes. Somos pontuais. Não podemos admitir que uma ou duas pessoas que usando da força do poder queiram dar novo rumo ao nosso país”, disse Bolsonaro na sexta-feira (3), durante agenda em Tanhaçu (BA).
“Essas uma ou duas pessoas tem que entender o seu lugar. E o recado de vocês, povo brasileiro, nas ruas, na próxima terça-feira, dia 7, será um ultimato para essas duas pessoas”, acrescentou, referindo-se aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, esse último presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Um dia antes, no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que “ninguém precisa temer o 7 de Setembro”.
Auxiliares do presidente tentam minimizar a escalada no discurso golpista de Bolsonaro nos últimos dias. Dizem se tratar mais de um chamamento para as manifestações, uma forma de animar a militância.
Um ministro de Bolsonaro disse à Folha que, no dia 8 de setembro, estarão todos trabalhando normalmente no Palácio do Planalto, assim como na semana anterior e na seguinte.
As manifestações do feriado da Independência geram apreensão entre auxiliares da ala política do governo, que nas últimas semanas viram frustradas todas as tentativas de moderar a retórica do presidente.
A avaliação desse grupo —do qual fazem parte os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo)— é que a confrontação de Bolsonaro com o Judiciário está contaminando a relação do Planalto com o Senado e também ameaça minar o apoio ao governo no empresariado.
É no Senado onde o governo tem sofrido derrotas, sendo a mais amarga delas a rejeição de uma minirreforma trabalhista. A indicação de André Mendonça ao Supremo já bate recordes de espera para sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa, e segue sem previsão.
Para além disso, a adesão da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) a um manifesto em defesa da harmonia entre os Poderes e a divulgação de uma carta no mesmo sentido por entidades ligadas ao agronegócio ligaram a luz amarela no governo.
Ciro e Flávia aconselharam Bolsonaro a evitar um discurso no 7 de Setembro que eleve ainda mais a tensão com o STF. Mas mesmo interlocutores desses ministros estão pessimistas quanto a isso.
Bolsonaro já ignorou apelos semelhantes no passado; e o público que deve comparecer aos atos está radicalizado e têm simpatia pelas ameaças autoritárias do mandatário.
Um dos gritos de ordem mais comuns desses manifestantes é “eu autorizo”, sugerindo um tipo de aval para uma intervenção armada liderada por Bolsonaro.
Além do mais, segundo o próprio presidente anunciou, o voto impresso deve ser uma pauta presente no dia.
A insistência no tema tende a acirrar a crise com a Justiça Eleitoral, uma vez que Bolsonaro tem espalhado teorias da conspiração para questionar a segurança das urnas eletrônicas —colocando a própria legitimidade do processo eleitoral sob suspeita.
Outros pontos que preocupam, principalmente aos governadores, são a adesão de policiais militares às manifestações e o risco de eventuais episódios de violência.
Sob condição de anonimato, interlocutores do governo disseram não acreditar em grandes mudanças no cenário político após o 7 de Setembro. Como Bolsonaro dificilmente fará um pronunciamento sem provocações contra o Supremo, a tendência é que a confrontação institucional se arraste.
O problema, afirmam, é que a crise aprofunda a imagem de que o governo não consegue encontrar soluções para problemas que devem ser centrais no debate político do ano que vem, como é o caso da economia.
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