Bolsonaro ignora plano anticorrupção

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Uma das prioridades dentro do plano anticorrupção lançado pelo governo federal no fim de 2020, o projeto que regulamenta o lobby no Brasil foi deixado em segundo plano pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido).

Desde março, o governo vem adiando o envio de um texto sobre o tema ao Congresso.

No bastidor, há relatos de um embate entre a CGU (Controladoria-Geral da União) e o Ministério da Economia para definir quem teria controle das informações envolvendo as atividades de lobby, consideradas de interesse para ajudar a desenhar políticas, por exemplo.

O plano anticorrupção estabeleceu prazo até 15 de março deste ano para a apresentação de um projeto de lei para regulamentar a representação privada de interesses, atividade também conhecida como relações institucionais e governamentais ou lobby.

Na apresentação do plano, o governo afirma que é necessária a atuação de indivíduos e grupos de interesse com o objetivo de influenciar decisões do setor público.

Nesse contexto, argumenta que é preciso haver transparência e ética para existir uma separação entre a representação legítima e atividades obscuras e corruptas.

Com o descumprimento do prazo, o governo prometeu a representantes do setor que acompanham a discussão enviar o texto até 31 de maio. Depois, o envio foi previsto para o fim de setembro.

“A gente está na expectativa de que até o fim do mês, se houver o cumprimento desse segundo adiamento, saia alguma coisa”, afirma Carolina Venuto, presidente da Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais).

Apesar de elogiar a decisão do governo de incluir o tema entre suas prioridades, ela critica a demora em enviar o texto.

“Esses sucessivos adiamentos sem muita explicação geram uma insegurança, razão pela qual a gente também passou a dialogar com o Legislativo”, diz Venuto.

A regulamentação do tema é apoiada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Em evento realizado no final do mês passado, ele falou sobre o assunto ao citar o lobby dos funcionários públicos para barrar a reforma administrativa.

“E é lícito o lobby. Eu inclusive defendo que nós deveríamos votar esse projeto para regulamentar de uma vez por todas o lobby no Brasil, para que ficasse bem claro dentro das dependências do Congresso Nacional quem defende interesse de quem, quem é responsável por defender esses interesses”, disse.

Tramita na Casa um projeto protocolado em 2007 pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP) para regulamentar a atividade. O texto original diz que caberá à CGU credenciar as entidades de lobby.

Além disso, propõe que os lobistas credenciados deverão encaminhar ao TCU (Tribunal de Contas da União), até o dia 31 de dezembro de cada ano, relatório que discrimine suas atividades, natureza das matérias de seu interesse e gastos no último ano referentes à atuação junto a órgãos da administração.

A Folha também teve acesso a versões de minutas do projeto elaboradas pela CGU e pelo Ministério da Economia.

Ambas têm pontos em comum, ao reconhecer “o caráter legítimo e democrático” dessas atividades, observando limites legais.

As minutas também definem que, antes de audiências de defesa do interesse privado, é obrigatório o registro da identificação dos participantes, dos clientes, a descrição do assunto e o objetivo da atuação.

No texto da Economia, há um dispositivo que estabelece que a pessoa que deixar um cargo público não poderá atuar como lobista nos seis meses seguintes à saída do posto. O descumprimento será classificado como conflito de interesse.
O secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, que participa das discussões, atribuiu o atraso na apresentação do projeto ao processo de tramitação do texto dentro do governo antes do envio ao Congresso.

“É o período de trâmite formal dentro dos sistemas do governo federal. Algumas áreas são mais lentas que outras”, disse.

Ele afirmou que o texto é essencial para a adesão do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e que a implementação do plano impactará positivamente a posição do país no ranking da OCDE que avalia a qualidade regulatória dos países. Em uma análise de 49 nações, o Brasil está na posição 47.​

Lorenzon negou que haja divergência entre o Ministério da Economia e a CGU. Sobre as alegações de que o projeto poderia engessar o trabalho dos lobistas, o secretário afirmou que o principal objetivo da medida é regulamentar a interação entre a administração pública e essa atividade, e não regular a profissão.

“Nosso receio é, inclusive, que o Congresso transforme o projeto de lei em uma regulamentação profissional, que é o oposto do que buscamos”, disse.

Venuto, da Abrig, expressa preocupação. “O assunto na CGU nos parece bem maduro, mas as discussões no Ministério da Economia talvez possam abarcar ideias muito burocratizantes”, afirma.

“A gente precisa ter uma legislação que tenha força, mas que seja possível de ser seguida. Transparência é importante, mas ela não pode tornar a atividade inviável.”

Ela critica alguns pontos do projeto de Zarattini, em especial a forma como é proposta a prestação de contas ao TCU.

“Nenhuma outra profissão liberal envia relatório para o TCU. Segundo, que isso nem sempre poderia ser cumprido pelos pequenos, por exemplo. Em vez de o ônus dessa transparência ser do profissional, é mais fácil a gente centralizar as informações em um órgão de controle”, disse.

Líder do Novo na Câmara, o deputado Paulo Ganime (RJ) defende a regulamentação da profissão sem amarras excessivas.

“Acredito que a atividade deva ser regulamentada, mas sem criar burocracias que incentivem práticas não republicanas ou a clandestinidade. Esse regramento deve incentivar boas práticas, mas não pode ser usado para criar uma reserva de mercado”, disse.

Na Câmara, um projeto da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) determina a obrigatoriedade do registro público de reuniões marcadas e realizadas no âmbito da administração pública federal, exceto com informações classificadas como sigilosas ou em segredo de Justiça.

O projeto abrange a administração direta, autárquica e fundacional do Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério Público da União e do TCU.

Joice afirma que o projeto busca dar publicidade e transparência aos atos. “Essas reuniões não são reuniões familiares, não são para atender empresários com interesses escusos ou para discutir interferências em órgãos de Estado. São reuniões para discutir questões que dizem respeito ao país.”

Folha de S. Paulo

 

 

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