Confira os bastidores do STF após receber a carta de Bolsonaro
Foto: REUTERS
Dois dias depois de fazer ameaças ao Supremo Tribunal Federal e chamar o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”, Bolsonaro divulgou carta em tom “apaziguador”, declarando que nunca “teve a intenção de agredir quaisquer Poderes”.
O recuo do presidente surpreendeu ministros do STF, mas não convenceu, segundo apurou a BBC News Brasil. Para um grupo de integrantes do Supremo, a “pisada no freio” de Bolsonaro é, provavelmente, temporária, para reduzir pressões.
A carta foi redigida pelo ex-presidente Michel Temer, que voou de São Paulo a Brasília para mediar o conflito entre o presidente e os demais Poderes, depois das ameaças feitas por Bolsonaro em discursos nas manifestações populares do dia 7 de setembro.
Ele chegou dizer que Moraes não tinha mais condições de permanecer no Supremo, afirmou que não respeitaria decisões do ministro e exigiu que o presidente do STF, Luiz Fux, “enquadrasse” o colega, o que seria inconstitucional.
Diante da repercussão negativa das falas tanto no mundo político, que retomou as discussões sobre o impeachment do presidente, como no mercado, que reagiu com alta do dólar e despencada da bolsa de valores, Bolsonaro deu um passo atrás:
“Quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”, disse, em “carta à nação”, divulgada nesta quinta (9/9).
Responsável pela indicação de Alexandre de Moraes ao Supremo, o ex-presidente Michel Temer viabilizou uma ligação telefônica entre o ministro e Bolsonaro, após redigir a carta para o presidente assinar. A conversa teria sido curta e protocolar.
Logo em seguida, segundo apurou a BBC News Brasil, Temer telefonou ao presidente do STF, Luiz Fux, para contar que haveria a divulgação de uma nota em que Bolsonaro faria um aceno de respeito às instituições democráticas.
Fux teria reagido dizendo que a carta é um “bom sinal” e que apreciava os esforços de Temer, mas destacou que é preciso “esperar para ver” se o presidente está, de fato, comprometido com o seu teor.
Outros ministros do Supremo também reagiram com incredulidade. Dois comentaram que o repertório de Bolsonaro até o momento não deixa margem para confiar em mudanças. Um deles ironizou dizendo que, se os ataques foram fruto do “calor do momento”, nada impedia que o presidente voltasse a ameaçar as instituições diante de um “novo calor”.
No Congresso Nacional, as reações foram mistas. O presidente da Câmara, Arthur Lira, que é aliado de Bolsonaro, afirmou desejar que “a carta do presidente seja uma oportunidade de recomeço de conversas para estabilização da política na vida do povo brasileiro”.
O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse que a carta é louvável, se se for “genuína”. Ele lançou uma desconfiança de que ela possa ser uma jogada de Bolsonaro, o que, em suas palavras, seria “lastimável”.
As avaliações mais desconfiadas no STF e no Congresso vão ao encontro do que pensam especialistas que acreditam que o presidente está recuando momentaneamente.
O cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas, avalia que a carta de Bolsonaro faz parte de uma tática frequentemente utilizada pelo presidente ao longo da sua trajetória: atacar, recuar para ganhar espaço e reduzir pressões, para depois atacar de novo.
“É um padrão reiterado. Ele sempre agiu assim, desde que era deputado federal. Ele ataca, sofre reação, simula um certo comedimento, até um relativo mea-culpa, e volta ao ataque com mais vantagem ainda. Ele vai ganhando terreno paulatinamente. Sempre dois passos à frente, dois atrás”, disse à BBC News Brasil.
Segundo o professor, Bolsonaro está recuando momentaneamente das agressões ao Supremo por causa de três fatores:
Primeiro, para reduzir pressões pela abertura de um processo de impeachment. Segundo, evitar decisões contra os filhos dele em investigações no STF. O tribunal vai avaliar em breve, por exemplo, se o senador Flavio Bolsonaro terá direito a foro privilegiado no caso de suposta apropriação de salários de assessores, conhecido como esquema das rachadinhas – prática que o senador nega.
A terceira razão, segundo Couto, é reduzir o grande impacto negativo do 7 de setembro sobre a economia. O dólar subiu e a bolsa caiu fortemente depois do discurso do presidente. Além disso, a economia sofre com racionamento de energia e inflação alta.
“Quando ele recua, de alguma forma ele passa a impressão para uma série de atores de que houve uma moderação e, portanto, não se justificariam os ataques ele vinha sofrendo. Aí ele ganha espaço e pode, depois, retomar as ações anteriores”, disse o professor da FGV.
“Não é verossímil que alguém que tenha tido um discurso tão violento no dia 7 de setembro escreva uma carta sincera com aquele teor”, avalia.
Assinatura
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