Controladoria faz governo suspender contratos do “tratoraço”
Foto: Adalberto Marques/MDR
Por orientação da Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério do Desenvolvimento Regional decidiu suspender ou renegociar contratos que somam R$ 3 bilhões que seriam destinados à compra de máquinas agrícolas a pedido de deputados e senadores por meio do esquema do orçamento secreto. Uma análise já identificou sobrepreço no valor de R$ 142 milhões. A auditoria da CGU foi instaurada após o Estadão revelar que o governo de Jair Bolsonaro criou o mecanismo de “toma lá, dá cá” para aumentar sua base de apoio no Congresso.
O Palácio do Planalto e o Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável por liberar os recursos, passaram os últimos quatro meses negando irregularidades nas compras de tratores apontadas pela série de reportagens. O ministério só decidiu interromper os pagamentos após a auditoria da CGU confirmar a ocorrência de sobrepreço. Foram bloqueados temporariamente 115 convênios firmados com municípios. Além disso, a pasta renegociou lotes de uma licitação bilionária para readequação dos valores.
Ao analisar uma amostra de 188 convênios, celebrados com verbas de emenda do relator-geral, a CGU constatou que 61% (115) deles apresentavam risco de sobrepreço “alto ou extremo”. Pelo cálculo dos técnicos, o prejuízo aos cofres públicos somado somente nesses casos chegaria a R$ 12,1 milhões.
A auditoria foi instaurada a pedido do próprio ministro Rogério Marinho como forma de comprovar que não havia sobrepreço, como apontado na série de reportagens. “Como se pode falar de superfaturamento em uma compra que não foi feita? Ou houve açodamento por parte do jornal e do jornalista, na pressa de se pregar uma narrativa, ou houve má-fé deliberada”, justificou o ministro em audiência na Câmara no dia 8 de junho. O trabalho dos auditores apontou, contudo, falhas no uso do dinheiro público.
A investigação identificou R$ 130 milhões em sobrepreço na licitação n.º 22, de 2020, homologada em dezembro pela Secretaria de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, com valores globais de R$ 2,9 bilhões. O megaedital previa a compra de 6.240 máquinas motoniveladoras, escavadeiras hidráulicas, pás carregadeiras e retroescavadeiras para posterior doação a municípios. Dezenove dos 104 lotes dessa licitação tinham sobrepreço.
Após o alerta, o Desenvolvimento Regional renegociou com empresas, que aceitaram a redução de R$ 113 milhões no valor final. Outros cinco lotes foram cancelados porque fornecedoras não aceitaram baixar o preço, que levariam a um sobrepreço de R$ 16 milhões.
Como o Estadão revelou em agosto, o governo já havia feito pagamentos com sobrepreço de compras de 20 máquinas motoniveladoras, entregues na Paraíba, em Pernambuco e em São Paulo. O valor pago por esses itens foi de R$ 15,7 milhões, mas, segundo a CGU, não deveriam ter custado mais do que R$ 12,8 milhões. O governo fez um acordo com a fornecedora, a XCMG Brasil Indústria, para devolução da diferença, por meio de glosa. Como o prejuízo já havia sido causado, no entanto, a compra pode vir a ser investigada sob viés de superfaturamento.
Um problema recorrente detectado na auditoria ocorreu nas pesquisas de preço para aquisição de máquinas. O Desenvolvimento Regional e prefeituras deixaram de priorizar os valores de contratações feitas por outros órgãos da administração pública e se basearam, predominantemente, em preços orçados por empresas fornecedoras, que costumam colocar as cifras o mais alto possível. Os auditores da CGU citaram essa como uma das causas de “risco alto ou extremo” de sobrepreço.
Os técnicos analisaram também casos específicos citados nas reportagens, como a compra de tratores agrícolas para os municípios de Ângulo e Godoy Moreira, no Paraná, e Pimenta Bueno, em Rondônia. Nos três casos a CGU apontou falhas no cumprimento das regras relacionadas aos convênios. O órgão registrou risco extremo de sobrepreço na compra de um trator por R$ 255 mil para Godoy Moreira, apontando que o valor máximo não poderia passar de R$ 154 mil. Os convênios foram suspensos até que se adequassem às recomendações.
Também chamado de “tratoraço” por envolver a compra de tratores, o esquema do orçamento secreto tem ajudado Bolsonaro a manter uma base fiel no Congresso e escapar de processos de impeachment. Bilhões de reais foram distribuídos para um grupo de deputados e senadores que determinaram o que fazer com o dinheiro sem qualquer critério técnico ou transparência.
Para apurar a denúncia de sobrepreço feita pelo Estadão, a CGU elaborou uma tabela própria com valores considerados adequados para a compra de máquinas. Levou em consideração índices de correção monetária que a própria equipe considerou “conservadores”, e até a elevação do dólar. Ainda assim, o trabalho dos auditores encontrou diversos casos de “risco extremo” de sobrepreço.
A Instrução Normativa 73, de 2020, do Ministério da Economia adverte que as pesquisas de preços devem priorizar os praticados pelo próprio governo, tendo como referência inicial o Painel de Preços, do Ministério da Economia, e o ComprasNet, site que unifica as informações de compras e licitações da administração federal. No caso do tratoraço, segundo a CGU, isso não foi feito.
Quando anunciou a licitação de R$ 2,9 bilhões, o Desenvolvimento Regional argumentou que haveria economia. Um trecho do relatório da CGU observa que, na verdade, o ministério passou longe disso. “Por ser uma contratação de grandes volumes se esperaria que os preços neste edital fossem significativamente inferiores aos das demais aquisições em decorrência do efeito escala”, destaca o texto, sobre o edital bilionário.
A CGU apontou ainda a “necessidade de treinamento/capacitação e atualização dos eventuais procedimentos de análise e atividades de controle do concedente (MDR), além da baixa capacidade técnica dos convenentes para apresentarem adequadamente os documentos necessários a análise e aprovação dos convênios”, o que evidencia, no conjunto, graves problemas de gestão na pasta de Marinho.
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Regional disse que os convênios permanecem suspensos até que os municípios apresentem as correções. A pasta afirmou que está tomando medidas “para sanar os riscos averiguados” e que “os procedimentos internos para a elaboração de mapas de preço estão sendo aperfeiçoados para que riscos não voltem a ocorrer”. “O ministério reafirma o compromisso com a higidez e boas práticas de gestão pública”, escreveu o órgão em nota.
A CGU, por sua vez, disse que a auditoria analisou apenas questões ligadas a sobrepreços. O órgão não informou se ainda vai analisar os atos dos gestores que ocasionaram o pagamento de valores mais altos. A XCMG não respondeu aos contatos.
Assinatura
CARTA AO LEITOR
O Blog da Cidadania é um dos mais antigos blogs políticos do país. Fundado em março de 2005, este espaço acolheu grandes lutas contra os grupos de mídia e chegou a ser alvo dos golpistas de 2016, ou do braço armado deles, o juiz Sergio Moro e a Operação Lava jato.
No alvorecer de 2017, o blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de operação da Polícia Federal não por ter cometido qualquer tipo de crime, mas por ter feito jornalismo publicando neste Blog matéria sobre a 24a fase da Operação Lava Jato, que focava no ex-presidente Lula.
O Blog da Cidadania representou contra grandes grupos de mídia na Justiça e no Ministério Público por práticas abusivas contra o consumidor, representou contra autoridades do judiciário e do Legislativo, como o ministro Gilmar Mendes, o juiz Sergio Moro e o ex-deputado Eduardo Cunha.
O trabalho do Blog da Cidadania sempre foi feito às expensas do editor da página, Eduardo Guimarães. Porém, com a perseguição que o blogueiro sofreu não tem mais como custear o Blog, o qual, agora, dependerá de você para continuar existindo. Apoie financeiramente o Blog
FORMAS DE DOAÇÃO
1 – Para fazer um depósito via PIX, a chave é edu.guim@uol.com.br
2 – Abaixo, duas opções de contribuição via cartão de crédito. Na primeira, você contribui mensalmente com o valor que quiser; na segunda opção, você pode contribuir uma só vez também com o valor que quiser. Clique na frase escrita em vermelho (abaixo) Doação Mensal ou na frase em vermelho (abaixo) Doação Única
DOAÇÃO MENSAL – CLIQUE NO LINK ABAIXO
https://www.mercadopago.com.br/subscriptions/checkout?preapproval_plan_id=282c035437934f48bb0e0e40940950bf
DOAÇÃO ÚNICA – CLIQUE NO LINK ABAIXO
https://www.mercadopago.com.br/subscriptions/checkout?preapproval_plan_id=282c035437934f48bb0e0e40940950bf