Governo planeja uso eleitoral do microcrédito no Nordeste
Foto: EVARISTO SA / AFP
Ao gravar um vídeo em que relata ter pedido a demissão do presidente e de toda a diretoria do Banco do Nordeste do Brasil, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, expôs uma disputa que envolve não apenas luta interna no Centrão como também o interesse do setor privado na carteira de microcrédito do BNB, e, principalmente, a disposição do presidente Jair Bolsonaro de avançar sobre o eleitorado do PT no Nordeste.
No vídeo, Costa Neto disse ter recebido na sexta-feira à noite um telefonema do presidente Jair Bolsonaro cobrando a existência de um contrato de “R$ 600 milhões” entre o BNB e uma ONG. A organização não governamental não foi nominada por Costa Neto mas trata-se do Instituto Nordeste Cidadania, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Criada em 1993, a Oscip é responsável, desde 2003, pela gestão do Crediamigo, programa de microcrédito urbano, e, desde 2005, pelo Crediagro, para a agricultura familiar.
Costa Neto jogou o valor dos contratos para baixo. O do microcrédito urbano é de R$ 583 milhões e o rural, é de R$ 358 milhões. O contrato do Crediamigo venceu em 31 de dezembro mas foi prorrogado enquanto o Crediagro tem validade até o fim de 2021.
No vídeo, Costa Neto disse ser uma “barbaridade” o banco contratar uma ONG por “R$ 600 milhões” – “Não podemos ter uma ONG contratada num banco como o BNB”. E que havia enviado um ofício aos ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, e da secretaria de Governo, Flávia Arruda, pedindo a demissão do presidente, Romildo Rolim, e de toda a diretoria do banco.
No Congresso ninguém comprou a fala de Costa Neto pelo valor de face, a começar pelo fato de que este foi o cargo mais cobiçado e preservado pelo presidente do PL. Além disso, um dos parlamentares mais próximos de Costa Neto, o líder do PL na Câmara dos Deputados, Wellington Roberto (PL-PB), tem um filho como assessor especial da presidência do BNB.
O Inec, alvo das pressões, substituiu os funcionários do banco na operação do microcrédito. O instituto chegou a ter 7,3 mil funcionários (mais do que o banco). Gere a maior carteira de microfinanças urbana do país, que exige deslocamento até favelas e comunidades rurais remotas. Em 2020 o Crediamigo desembolsou R$ 12,1 bilhões em 4,4 milhões de operações para 2,2 milhões de clientes ativos. No programa de agricultura familiar a carteira chegou a R$ 2,91 bilhões, que atende a 1,3 milhão de clientes, 85% dos quais de baixa renda. As informações são do balanço do BNB.
O Inec, bem como o BNB, tem sede em Fortaleza. É presidido por Zilana Melo Ribeiro, cuja filiação ao PT cearense despertou a ira bolsonarista. A diretoria do BNB, porém, é um condomínio do Centrão. Lá estão indicados do PP, do Republicanos e do MDB. Uma das principais lideranças do MDB do Ceará, o ex-senador Eunício Oliveira, ainda mantém uma fatia importante dos contratos de segurança do banco. O ex-senador é empresário do setor.
Ao pedir a destituição de toda a diretoria, Costa Neto, na avaliação de correligionários, estaria interessado em ampliar sua fatia sobre este condomínio. Pode enfrentar, porém, a resistência do Palácio do Planalto. O entorno do presidente avalia que o contrato com o Inec deu a Bolsonaro o álibi que o presidente precisava para tirar o bloco do comando do banco sem que possam se queixar. O presidente fica livre para nomear um presidente a la Pedro Guimarães, da Caixa Econômica Federal, que se disponha a colocar o carimbo bolsonarista em cada centavo do microcrédito.
Bolsonaro tem ouvido o secretário especial de Assuntos Estratégicos, o almirante Flávio Rocha, cearense, como o BNB e o Inec, sobre o tema. Mas não apenas. Avalia-se, no Centrão, que há bancos com interesse nas duas carteiras de microcrédito hoje geridas pelo Inec, o que ainda poderia ajudar Bolsonaro a salvar alguma retaguarda num mercado financeiro que abandona seu barco.
E, finalmente, Bolsonaro vê na operação dessas carteiras de microcrédito do BNB uma oportunidade que, aliada a um auxílio emergencial turbinado, o leve a avançar sobre o Nordeste, única região do país em que perdeu para o PT em 2018 e também aquela em que hoje aparece em maior desvantagem em relação à pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em comunicado ao mercado emitido na tarde de ontem, o diretor de relações com Investidores do BNB, Hailton José Fortes, justificou a operação do microcrédito do banco pelo Inec (“em conformidade com a legislação vigente”) e disse que o banco avalia mudanças no setor para dar “melhor eficiência de sua atuação”. Ponderou, porém, que eventuais mudanças terão que seguir princípios de governança do BNB, o que desgostou o entorno do presidente que viu no tom do comunicado uma afronta ao desejo manifesto por Bolsonaro de romper o contrato.
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