Lideranças evangélicas se vinculam ao fracasso bolsonarista

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Foto: Danilo Verpa/Folhapress

“Ih, tem que virar à esquerda”, brinca um dos integrantes da comitiva que acelera o passo rumo à avenida Paulista, àquela altura já tomada por milhares de manifestantes.

O grupo capitaneado pelo pastor Silas Malafaia e sua esposa, a pastora Elizete, acabou seguindo aquele caminho para chegar ao Demolidor, trio elétrico que concentrou os principais discursos do ato bolsonarista de 7 de Setembro em São Paulo.

Recalcular a rota foi fundamental para que alguns dos líderes evangélicos com maior expressão nacional pudessem marchar com todos os presidentes eleitos desde a redemocratização: Fernando Collor, FHC, Lula, Dilma e, agora, Bolsonaro.

Parlamentares com quilometragem para ver um mesmo pastor modular seu discurso ao sabor do governante da vez apontam que a pecha do fisiologismo já escoltava a primeira bancada evangélica do Congresso, na Constituinte de 1987-1988.

Quando essa cúpula pastoral escuda o atual mandatário em sua sanha contra o STF (Supremo Tribunal Federal), aproxima-se do ponto de não retorno —quando não há pirueta retórica que dê conta de uma reconciliação com forças de esquerda e centro-esquerda, caso elas saiam vitoriosas das eleições de 2022.

O ex-presidente Lula (PT) não fala sobre isso publicamente, mas gostaria de reconstruir pontes com pastores que já o apoiaram e têm uma ascendência considerável sobre um segmento tão pulverizado quanto o evangélico, com suas milhares de igrejas espraiadas pelo país.

Na falta de uma hierarquia vertical que sirva de ordem de comando, muitos pastores de pequeno e médio porte veem nesses líderes graúdos uma referência intelectual e espiritual.

Vencer uma eleição, como o provável presidenciável petista certamente quer em 2022, será uma missão mais ingrata se nenhuma das grandes lideranças religiosas que fecharam com Bolsonaro em 2018 voltar atrás.

Com o Brasil metido numa Guernica ideológica, hoje parece até fake news dizer que Malafaia já apareceu na propaganda eleitoral de Lula, ou que o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) tratou Lula, então de saída do Planalto, como uma figura “messiânica” que “desperta a esperança no coração do povo”.

A marcha à ré para justificar a adesão ao bolsonarismo é replicada por todos: os pastores se dizem enganados pelo PT, que teria se esborrachado com eles não só por se revelar corrupto, mas também por intensificar a defesa de pautas identitárias —espinho eleitoral menos sobressalente nos anos Lula, mas que ganhou tração na última década.

Feliciano estava no grupo que partiu de um hotel na alameda Santos, paralela à Paulista, até o trio onde Bolsonaro discursaria três horas depois.

O ex-senador Magno Malta (PL-ES), que aos poucos volta a orbitar o círculo presidencial após uma temporada na geladeira, era outro. Estampada no verso de sua camisa, a frase “segundo o Datafolha, eu não estou aqui” reproduz a ideia de que institutos de pesquisa mentem sobre a quantidade de pessoas dispostas a sair nas ruas por Bolsonaro.

Os pastores abraçaram a versão dos organizadores de que milhões se aglomeraram na Paulista. O governo de São Paulo, liderado pelo desafeto João Doria (PSDB), estimou o público em 125 mil.

Para uma multidão espremida à espera de Bolsonaro, os religiosos apelaram aos valores cristãos, velha fórmula bolsonarista, em mais de uma oportunidade. No microfone, o apóstolo Estevam Hernandes, que idealizou a Marcha para Jesus 28 anos atrás, comparou o presidente a Jesus Cristo.

Hernandes lembrou da passagem bíblica que narra como Pôncio Pilatos lavou suas mãos quando o povo preferiu liberar o bandido Barrabás e crucificar Cristo. “Hoje é uma decisão importante”, e é preciso “escolher o lado certo”, segundo ele. Uma escolha fácil.

O mesmo apóstolo disse à Folha, em julho, que “estamos vivendo a república do ódio, e aí fica muito complicado falar sobre tolerância”. Seria um salvo-conduto para Bolsonaro reagir com pulso a quem, ao seu ver, é injusto com o presidente.

Ainda há chão para 2022, claro. Lula já conseguiu um retrato com Manoel Ferreira, bispo primaz do Ministério Madureira, um dos ramos mais poderosos da Assembleia de Deus.

Tudo bem que falta combinar com os filhos do quase nonagenário Manoel, sobretudo Samuel, o líder de fato da denominação hoje. Mas já é um começo.

Petistas também nutrem esperança de voltar às boas com a Igreja Universal do Reino de Deus, que já deu sinais de insatisfação com o atual governo, que para ela não se empenha o bastante para reverter a crise que envolve suas filiais em Angola e autoridades locais.

Há os que lembram, ainda, que romper com o governo da rodada não é vantajoso para muitas igrejas, que têm interesse em ver suas pautas andarem em Brasília, como a imunidade tributária para templos.

Sempre há um jeitinho para reconfigurar o GPS eleitoral. Mas a decisão de sair na foto, num ato que desde o começo foi tratado como termômetro histórico para o bolsonarismo, mostra que parte considerável da elite pastoral brasileira, assim como o presidente, também partiu para o tudo ou nada.

Folha de S. Paulo

 

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