Mau uso da água poderia evitar racionamento
Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress – 11.jan.2021
O desperdício de água pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) continua elevado sete anos depois da crise hídrica que secou as torneiras em diversas regiões do estado.
Levantamento do UOL indica que a média anual de desperdício de água entre 2014 e 2019 foi de 823 bilhões de litros d’água, o suficiente para abastecer a capital paulista por um ano, que no mesmo período consumiu, em média, 685 bilhões de litros.
Para o cálculo de desperdício, o UOL utilizou o “Índice de Perdas por Micromedição” —informado pela Sabesp—, que inclui as “perdas reais”, como vazamentos, e “perdas aparentes”, provocadas por fraudes e submedição de hidrômetros. Já o consumo na capital paulista foi retirado da base de dados do Snis (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento), do governo federal, com dados até 2019.
Desde a crise hídrica de 2014, a Sabesp reduziu as perdas em apenas 2,8 pontos percentuais, de 29,8% para os atuais 27%. Naquele ano — quando o volume morto do reservatório da Cantareira foi utilizado—, 846 bilhões de litros de água tratada não chegaram às torneiras.
Os desperdícios anuais da Sabesp nas 375 cidades atendias por ela —61% da população do estado— dariam para levar água a toda população da capital durante um ano inteiro e ainda sobrar.
Essas perdas preocupam ainda mais este ano em razão da seca prolongada, que afeta os reservatórios paulistas. Os níveis em setembro estão abaixo do registrado no mesmo período de 2013, ano anterior à crise. Para piorar, a expectativa é de que as chuvas continuem escassas nos próximos meses.
Segundo a Sabesp, no entanto, “a projeção aponta níveis satisfatórios dos reservatórios com as perspectivas de chuvas do final da primavera e início do verão”, quando a situação será reavaliada.
Não há risco de desabastecimento neste momento, mas a Companhia reforça a necessidade do uso consciente da água
Sabesp, em nota
Ao UOL, a Sabesp declarou que “não é correto” afirmar que o volume perdido seria suficiente para abastecer a cidade de São Paulo em um ano.
Para isso, diz em nota que a cidade consumiu 1,1 trilhão de litros de água em 2020, enquanto os desperdícios não teriam passado de 505 bilhões de litros.
Sua justificativa é que “do índice total de 27% [de perdas] em 2020, 17,4% são referentes aos vazamentos na rede, [enquanto] o restante são perdas comerciais, água consumida que não é contabilizada (como os ‘gatos’)”.
Para especialistas ouvidos pelo UOL, no entanto, a fiscalização dos “gatos” também é de responsabilidade das empresas de saneamento. É por essa razão que o “Índice de Perdas por Micromedição”, utilizada na reportagem, considera a soma dessas duas perdas, chamada também de “Perdas Totais” na distribuição.
Segundo a empresa, “somente os anos de 2019 e 2020, foram investidos, respectivamente, R$ 929,6 milhões e R$ 1,05 bilhão” para combater os desperdícios, “volume suficiente para abastecer, durante um ano, uma população de cerca de 640 mil habitantes, equivalente à São José dos Campos”.
“Essa atuação também refletiu na queda do índice de perdas totais na área atendida pela Sabesp de 41% em 2004 para 27% em 2020”, diz a Sabesp, que embora seja uma empresa de economia mista, o Estado de São Paulo detém 50,3% de suas ações, negociadas na Bolsa desde 2002.
Para evitar que uma nova crise hídrica se abata sobre os municípios que atende, a empresa interligou todos os reservatórios para permitir a transferência de água entre as regiões, embora apenas o reservatório de Rio Claro esteja atualmente em níveis satisfatórios, ao operar acima de 60% da capacidade.
A empresa também inaugurou o Sistema São Lourenço, em 2018, com capacidade para atender 1,4 milhão de pessoas.
Uma das medidas adotadas pela Sabesp desde 2014 para reduzir o desperdício de água por causa dos vazamentos é reduzir a pressão nas tubulações.
Normalmente isso ocorre entre 23h e 5h. Esta semana, porém, o horário foi antecipado para as 21h na capital, Guarulhos, Osasco e Diadema. O problema é que a manobra faz com que algumas regiões, principalmente as mais altas, fiquem sem água durante o período.
Considerando todas as cidades do Estado de São Paulo, e não apenas as atendidas pela Sabesp, o índice de perdas sobe para 35% de em 2020, segundo dados do Instituto Trata Brasil divulgados em junho deste ano.
No Brasil todo, o dado é ainda mais alarmante: a média nacional de perdas saltou de 30,6% para 39,2% entre 2014 e 2019, último ano disponível no banco de dados do Snis. A região Norte é onde os desperdícios são maiores:
Na América Latina, o Brasil desperdiça mais água que Argentina (38%), Uruguai (37%) e Chile (31%), mas perde menos água potável do que a Colômbia (46%).
As estatísticas da região, “fornecidas pelo Banco Mundial, correspondem a valores de 2006, o que torna a situação interna ainda mais grave, quando se considera que a passagem do tempo é geralmente acompanhada de melhora no setor”, diz o relatório do Trata Brasil.
Ainda segundo o estudo, a média de perda entre as nações em desenvolvimento é de 35%, enquanto nos países ricos é de 15%. Em 2011, por exemplo, os desperdícios nos Estados Unidos foram de 13%. Em 2016, o índice foi de 21% no Reino Unido, mesmo percentual da China em 2012. Já a Austrália perdeu 10% de toda a água que tratou em 2013.
As perdas na distribuição de água são divididas em “perdas reais”, como vazamentos, e “perdas aparentes” (fraudes e submedição de hidrômetros), explica o professor de hidrologia e gestão ambiental da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Jefferson Nascimento de Oliveira.
Segundo o professor, de 1% a 2% das tubulações precisam ser trocadas nas cidades todos os ano, mas “isso infelizmente só acontece quando a água está jorrando nas ruas”, diz ele. “Precisa trocar as juntas envelhecidas dos canos, que estouram quando a pressão é alta”, afirma o professor, que sugere “verificação com mecanismos de auscutação”.
“Durante a madrugada o operador usa um aparelho [geofone] nas ruas para verificar se há barulhos estranhos na rede, o que normalmente indica vazamento”, explica.
Segundo a Sabesp, desde 2009 ela faz inspeção “contínua” das tubulações para identificar vazamentos, fraudes, renovação e modernização da infraestrutura para abastecimento.
Coordenador de pesquisa do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), Guilherme Checco lembra que “são as agências reguladoras que definem as condições da prestação e o preço” praticados pelas empresas de saneamento.
“As companhias no Brasil são vendedoras de água, um incentivo vindo da regulação: a receita dessas empresas aumenta quanto mais água ela vender. É uma lógica que não fecha porque água é um recurso finito e estamos em plena crise ambiental”, diz o especialista.
“O ciclo de chuvas no Brasil mudou, mas o setor ainda olha para os registros históricos”, lamenta Checco, que deposita suas esperanças no novo Marco Legal do Saneamento, aprovado no ano passado.
“A lei define o ano de 2033 como meta para a universalização do fornecimento de água potável no Brasil”, diz. “O texto condiciona essa universalização também à redução nas perdas de distribuição de água.”
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