Militares, evangélicos e ruralistas sairão às ruas para pedir golpe

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Foto: Cláudio Marques/Futura Press; Henry Milleo/Fotoarena; Sergio Lima/AFP

As engrenagens da poderosa máquina digital de mentiras e exageros utilizada pelo presidente Jair Bolsonaro para mobilizar sua base de apoio estão girando a todo vapor na véspera do 7 de Setembro. Nas redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, milhares de memes, vídeos, áudios e textões convocam bolsonaristas a ganhar as ruas e pressionar pelas duas bandeiras que, à revelia do republicanismo e da legalidade, não saem da cabeça do presidente: o voto impresso e o impeachment de ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes, responsável por inquéritos de difícil digestão pelo Planalto. No comando das manifestações está uma tropa heterogênea de segmentos mobilizados em torno de Bolsonaro, composto de militares da reserva, policiais, produtores rurais, grupos evangélicos, católicos ultraconservadores e parte do empresariado.

O esforço dos organizadores para lotar as ruas pretende rebater com imagens de multidões a queda de popularidade do governo identificada nas pesquisas — 54% de ruim e péssimo em agosto, de acordo com o Ipespe. Por isso, em vez de espalhar os atos Brasil afora, decidiu-se concentrar esforços na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na Avenida Paulista, em São Paulo, ambos com presença anunciada, embora não confirmada, de Bolsonaro. Um levantamento realizado a pedido de VEJA pela Bites, empresa de monitoramento da internet, mostra que 69 500 perfis do Twitter disparam sem parar mensagens dedicadas a tornar realidade a hashtag #dia7vaisergigante, compartilhada quase 700 000 vezes.

As postagens, que começaram em tom de guerra, passaram nos últimos dias por um certo abrandamento, de forma a não afastar simpatizantes menos raivosos e a não arriscar cancelamentos com base em ameaças à paz social. Palavras de ordem como “Fora STF” e “Intervenção Militar Já”, disseminadas até pouco tempo atrás (veja o ideário radical no quadro acima), estão sendo desencorajadas. Alimenta-se, agora, uma suposta defesa da liberdade de expressão contra decisões da “ditadura da toga” que levaram à prisão próceres do livre pensar como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o presidente do PTB, Roberto Jefferson. “É um discurso oportunista, muito adotado pela extrema direita em todo o mundo, mas que só vale para ela”, diz Pablo Ortellado, coordenador do Monitor de Debate Político no Meio Digital da USP.

O tom de indignação na internet bolsonarista atingiu o pico depois que o Supremo, acatando pedido da Procuradoria-Geral da República, determinou a realização de busca e apreensão na casa dos principais organizadores dos atos, investigados por atuar contra as instituições democráticas. Ao todo, onze pessoas foram identificadas e impedidas de se comunicar, de manter perfis nas redes sociais e de circular em um raio de 1 quilômetro do prédio do STF. O caminhoneiro Marco Antonio Pereira Gomes, o Zé Trovão, segue tranquilamente descumprindo a ordem, participando de lives e enviando vídeos. “Estão tirando meu direito de falar. Não posso cumprir uma ordem ilegal”, justifica o caminhoneiro, que já se prestou a “salvar o país dessa carniça chamada ministros podres do STF”. Trovão promete manter um acampamento em local não divulgado de Brasília e promover paralisações nas principais rodovias do país. Tudo pacificamente.

Abaixo da superfície, o discurso dos bolsonaristas radicais nos grupos de mensagem, sobretudo, segue colérico e provocador. São comuns as postagens de ameaças, inclusive armadas, contra a esquerda — que, por sinal, também se mobiliza para protestar no feriado. O risco de violência generalizada se intensificou depois que Aleksander Lacerda, coronel da Polícia Militar paulista, ignorou a lei e convocou os policiais da corporação a participar das manifestações pró-Bolsonaro no dia 7. Lacerda foi afastado por ordem do governador João Doria, mas o recado estava dado. Outro coronel da PM, Ricardo Mello Araújo, na reserva e ocupando a presidência da Ceagesp, a empresa de abastecimento de alimentos, por nomeação do Planalto, planeja se encontrar com aposentados como ele em frente ao batalhão da Rota, a divisão de elite da Polícia Militar, e de lá partir para engrossar os atos públicos. Araújo avisa: “É impossível garantir que essas pessoas não estarão armadas. Muitas vivem em bairros perigosos e precisam se proteger”.

Manifestação política é vedada por lei a militares da ativa, mas um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que a adesão ao bolsonarismo se alastra pelos quartéis e delegacias. A quantidade de policiais militares que circulam pelas páginas pró-Bolsonaro nas redes sociais subiu 24% no último ano — 30% nos perfis mais radicais. O chamado à violência não agrada aos evangélicos, um eleitorado cada vez mais crucial para o presidente, mas isso não impede que suas lideranças estejam na linha de frente da convocação para os atos do 7 de Setembro. Capitaneados por Silas Malafaia, confidente de Bolsonaro, diversos pastores gravaram vídeos e subiram ao púlpito para pedir engajamento dos fiéis — entre eles Estevam Hernandes, da Renascer, e Claudio Duarte, da Projeto Recomeçar, que conta com um rebanho digital de 5,5 milhões de seguidores. Outra voz a divulgar os atos do Dia da Independência é a dos católicos ultraconservadores, que divergem no sistema de governo — a maioria é monarquista —, mas estão juntos na luta contra o aborto e o casamento gay. “Vivemos a ameaça de um socialismo repaginado que avança por meio da ecologia e dos direitos dos animais”, exagera Frederico Viotti, diretor do IPCO, a antiga TFP de nada saudosa memória.

Uma outra corneta poderosa a trombetear as manifestações é tocada por uma parcela dos produtores rurais que dispõem de vastos recursos e prometem invadir Brasília com caravanas vindas do Centro-Oeste. A Polícia Federal investiga se a Aprosoja, a associação de produtores de soja, está financiando ataques contra o STF — foi na sede da entidade que o cantor Sérgio Reis gravou um vídeo de enorme repercussão com tolices. O presidente da Aprosoja, Antonio Galvan, restringe sua atuação a convicções ideológicas. “Não tenho nenhuma intimidade com Bolsonaro. Apoiaria o Zé das Couves se ele estivesse lutando pelos mesmos ideais”, diz o ruralista. “Todos esses grupos mantêm, sim, relação direta com o presidente. Como não há uma agenda comum, horizontal, ele assume posturas cada vez mais extremadas para mantê-los mobilizados”, explica David Nemer, professor da Universidade da Virgínia que estuda a extrema direita no Brasil. Refém de radicais, o Dia da Independência, decretada há 199 anos, não tem como raiar em clima de festa nacional.

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