Rádio bolsonarista tem locutor arrependido de votar em Bolsonaro
O comunicador André Marinho tinha oito anos de idade quando entrou no quarto dos seus pais e fez a primeira imitação da sua vida: o presidente Lula, que havia acabado de ser eleito para comandar o país, em 2002. “E é engraçado que o antípoda dele, o [Jair] Bolsonaro, seria a imitação que me daria projeção”, diz o carioca, hoje com 27 anos.
Ele viralizou nas redes sociais no fim de 2018 com uma gravação na qual simulava uma conversa entre Bolsonaro e o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Na época, foi contratado para ser comentarista de política no programa “Pânico”, da Jovem Pan, onde está até hoje.
Na semana passada, Marinho foi um dos assuntos mais comentados no Twitter graças a vídeos nos quais aparece imitando figuras como Bolsonaro, João Doria, Ciro Gomes, Joe Biden e Trump em um jantar oferecido pelo empresário Naji Nahas a Michel Temer. O ex-presidente também foi parodiado na ocasião —e caiu na gargalhada [veja os vídeos abaixo].
As imitações daquela noite foram filmadas pelo publicitário Elsinho Mouco, que trabalha com Temer, e acabaram no noticiário. “Fiquei atônito [com a repercussão]”, diz Marinho. Conforme revelado pela coluna, Temer e Bolsonaro chegaram a conversar sobre o episódio —e o presidente relatou que já conhecia as paródias de André.
Ele afirma que também foi informado do diálogo. E imita a conversa de Bolsonaro com o ex-presidente: “Esse garoto aí bate em mim todo santo dia, porra. Agora vem de deboche?” [assista à imitação que Marinho fez de Bolsonaro na gravação abaixo]:
O carioca estudou em escola bilíngue no Rio, cursou ciências políticas na New York University e se formou em direito. Mas ele não pretende se candidatar a nada e não quer exercer a profissão de advogado.
Seu sonho é seguir carreira artística e ser apresentador de TV. Para 2022, o jovem prepara um talk show com consultoria do ex-diretor do programa de Jô Soares Willem Van Weereld.
André é filho do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro. O pai transformou a casa da família no quartel-general da campanha de Jair Bolsonaro à Presidência em 2018.
Lá se reuniu o núcleo duro da candidatura do ex-capitão: Paulo Guedes, Gustavo Bebianno, Onyx Lorenzoni, os filhos do presidente etc. “A gente teve a experiência ‘sui generis’ de sermos anfitriões da campanha mais improvável da história republicana”, avalia. “A política é um espetáculo apaixonante.”
Hoje ele quer usar o seu alcance para “‘deslobotomizar’ pelo menos um apoiador do presidente”. “É a única forma de eu pagar a minha penitência pelo vínculo próximo que tivemos [na vitória do ex-capitão]”, diz.
“Mas não quero ficar fazendo da minha atuação só uma coisa anti-bolsonarista”, segue ele.
“Não quero que minhas opiniões se sobreponham ao meu lado artístico”, afirma o jovem, que se declara um “brasileiro indignado”. “Me vejo quase como uma voz de resistência. Se faz mais do que necessário eu ser uma pessoa imprevisível, capaz de dialogar com todas as tribos.”
Eu adorei a atenção que aquilo [a imitação que fez de Lula aos oito anos] me deu. Lembro da minha mãe [Adriana Marinho] e do meu pai boquiabertos. Deixou uma marca indelével na minha vida. Desde então fui o showman da escola. Fui mestre de cerimônias, imitava os professores.
Lembra daquele filme “High School Musical”? Do Troy Bolton [personagem principal]? Ele tinha um dilema entre ser o cara que cantava ou do time de basquete. E eu era o goleiro do time de futebol. Me vi na encruzilhada de estar com os meus amigos ‘cool’ de futebol ou ser o cara das artes. Sempre transitei bem nos dois mundos.
No meu último ano, fiz uma apresentação cantando e dançando Elvis Presley. Foi épica. A minha maior inspiração hoje é o James Bond. A visão idealizada que tenho de mim mesmo sempre foram esses homens alfa dos anos 1950, 1960: Steve McQueen, Humphrey Bogart, Clark Gable, Frank Sinatra, Ronald Reagan [de quem comprou um pôster aos 12 anos]. São esses caras que venero. Peguei a estética desses figurões e tentei aplicar à minha persona artística.
O JANTAR
Tive o privilégio de ser convidado [por Nahas] para o jantar em torno do Temer, que fez o papel de desarmar uma bomba atômica [ao ajudar Bolsonaro no recuo das falas golpistas]. O próprio confidenciou ali, em linhas gerais, que o clima no Planalto era de consternação, de funeral. Não poderia negar o convite.
Era uma confraternização, não tinha nenhuma grande articulação sendo feita [o encontro reuniu nomes como o político Gilberto Kassab]. Mas a cena é um terreno fértil para teorias. Como pelo jeito falta assunto, o meu jantar virou tira-gosto para polemista mal-humorado.
IMITAÇÕES
É um dom que tenho e venho cultivando. Não há uma fórmula para isso. Lembro de ver os primeiros discursos de Bolsonaro no dormitório da faculdade em NY, aquele deputado histriônico e estridente. Mas o convívio pessoal com ele me deu um acesso privilegiado para captar os trejeitos.
[O Ciro] é o meu preferido de fazer. Ele tem uma retórica florida, consegue aliar o erudito com o popular, que é como eu tento me expressar. É inegável que ele é um personagem fascinante. Sempre digo que ele começa com um raciocínio tecnocrata, concatena com um ditado popular com algum animal e no final manda você para aquele lugar. [Ele começa a imitar o pedetista]: “Repare bem, porque quando você vê a demanda agregada acoplada ao preço do dólar porque extrapola para o preço do trigo a partir da cotação do Tylenol você vai ver porque macaco velho não pula em galho seco, seu filho da puta”.
A VIDA COM OS BOLSONARO
[A aliança da sua família com a campanha do ex-capitão] sempre foi uma relação com começo, meio e fim muito bem delineados. A gente nunca foi deslumbrado com aquilo.
O Carlos [Bolsonaro]foi poucas vezes lá em casa. Ele tem uma ascendência desregrada com o pai. São pessoas meio atormentadas, sempre com síndrome de conspiração. E ele [Jair] está sempre fazendo uma piada escatológica, homofóbica, de tiozão. É quem ele é.
Lembro de um dia de gravação [de vídeo de campanha]. O Guedes estava tentando introjetar na cabeça dele [Jair] algum conceito econômico. Aí ele desistiu de tentar entender. A gente tentava trazê-lo para uma conversa mais alto nível de estratégia e ele preferia só comer croquete com ketchup e assistir Palmeiras e Bahia. Ele se sentia à vontade por completo com os agentes de segurança que o rondavam.
Ele gostava de mim. Chegou a dizer que me levaria para a primeira reunião com o Trump. Fui responsável por informar a Michelle [primeira-dama], no dia 6 de setembro [de 2018], do que estava acontecendo da facada. Eu e meu pai que levamos ela para Juiz de Fora (MG) [local do ocorrido]. Teve um dia lá que eu me aproximei da cama dele e ele me disse: “Se tu continuar me imitando eu vou começar a cobrar direitos autorais, tá ok?”
Duas vezes vi o Bolsonaro apontar para o Bebianno [braço direito do ex-capitão na campanha e depois abandonado por ele] e dizer: “Se não fosse por esse cara eu jamais teria chegado onde cheguei”.
No dia da eleição você notava que ele estava com o semblante não de alguém comemorando, mas talvez de alguém que estava tomando dimensão do desafio em que tinha se metido —mas que para ele poderia ser uma encrenca, dado o fato de que naquele momento não estava no domínio público o quão longo era o rabo preso dele. A bigorna da realidade estava se impondo para ele.
AMEAÇAS
[À Folha, o pai de André revelou que a Polícia Federal antecipou a Flávio Bolsonaro que faria uma operação contra Fabrício Queiroz]. Aquilo atraiu uma ira sistemática [contra a sua família]. Fui vítima de ataques virtuais incessantes. Sair de casa e ter uma viatura na sua porta, ter que fazer coisas com escolta [por segurança], lógico que deixou a gente receosos e cautelosos.
De um cara que conviveu por um ano e meio com o presidente Bolsonaro, ouviu tantas histórias e presenciou algumas, vou falar: eles [militância bolsonarista] no fundo são todos covardes. São tigrões de teclado, valentões de internet. Rosnam, mas não mordem. E se você peitar, eles botam a viola no saco e o rabo entre as pernas. Foram eleitos na esteira de combater o politicamente correto, o mimimi, mas se você mover uma vírgula contra o “Mito” já ligam a máquina de assassinato de reputações.
LEDO ENGANO
Na minha visão, o que mais devia prevalecer [em 2018] era a alternância de poder, dado o descalabro da era lulo-petista que tinha levado o Brasil ao desastre. O Bolsonaro sentiu o pulso do país com precisão.
Naquela conjuntura ele estava ensaiando, pelo menos a nível retórico —e talvez aí esteja o nosso erro de ter sido tão ingênuo—, uma roupagem onde parecia uma pessoa coerente. Estava ensaiando uma aliança liberal conservadora inédita. Por esse ineditismo muita gente acabou relevando as falhas óbvias dele a nível pessoal. Ledo engano.
Se eu soubesse que ele seria tão desleixado com as promessas de campanha, a gente jamais teria se associado tão próximo dele. Ele dava sinais? Dava. Mas a política é a arte do possível. Todos os chefes de Estado têm prós e contras. A gente não pode voltar no tempo. Por isso estou pagando a minha penitência. Estou na arena, colocando a cara [a tapa].
Hoje eu definitivamente me arrependo [de ter apoiado e votado em Bolsonaro]. E me arrependo mais de ter influenciado tantas outras pessoas a votarem nele. Se a eleição entre ele e o [Fernando] Haddad (PT) fosse hoje, eu votaria nulo.
Apesar desse retrospecto, isso está pacificado na minha cabeça. É a minha história. Tento extrair o melhor. Fui testemunha de capítulos alucinantes da trajetória desse traste rumo ao Planalto. Levo com muita responsabilidade esse contorno de formador de opinião que agora tenho para tentar reparar o dano que ajudei a causar a partir da eleição dele. A sensação que tenho é que cresci dez anos em dois. Me sinto muito mais confiante no meu posicionamento.
Folha de SP