STJ julga médica que ironizou Bolsonaro
O Superior Tribunal de Justiça julga na próxima quarta-feira (8) pedido de trancamento de inquérito policial aberto contra uma médica que, em outubro de 2020, publicou em suas redes sociais a frase: “Inferno de facada mal dada! A gente não tem um dia de sossego nesse país”.
Em maio último, o juiz federal convocado Olindo Menezes concedeu liminar para suspender o inquérito até o julgamento definitivo do habeas corpus.
O inquérito foi instaurado pela Polícia Federal a pedido do então ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. Para Mendonça, a frase faria referência à tentativa de homicídio contra Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e seria ofensiva à honra do presidente da República.
A iniciativa foi vista como uma tentativa do ministro de agradar o presidente, uma vez que seu nome circulava como possível indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Os advogados Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo e Isaac Pereira Simas, que defendem a médica, sustentaram em nota esperar “que o Poder Judiciário contribua para enterrar definitivamente tais determinações de abertura de inquéritos, por parte de qualquer governo que seja, em face de críticas direcionadas a seus componentes, uma vez que há uma linha muito expressa entre a crítica ponderada, abarcada pela liberdade de expressão, e o crime”. (*)
Os defensores afirmaram que “é completamente injustificável a verdadeira devassa que a paciente sofreu em sua vida pessoal, tratamento reservado a criminosos da pior estirpe”.
O relator Olindo Menezes entendeu não haver evidências de que a médica tenha pretendido ofender a honra do presidente, pois a publicação trazia apenas “uma expressão inadequada, inoportuna e infeliz”, mas que, à primeira vista, não basta para servir de fundamento a uma acusação criminal.
Ao deferir o habeas corpus, Menezes registrou:
“De uma breve análise de seu conteúdo não se faz possível extrair a lesão real ou potencial à honra do Senhor Presidente da República, seja porque não se fez nenhuma referência direta à esta autoridade, seja porque não expressou nenhum xingamento ou predicativo direto contra a sua pessoa, situação em que se faz presente o constrangimento ilegal em razão da abertura da investigação em foco”.
Ainda segundo o relator, “não se divisa, pela visão que o momento o permite, ofensa à honra subjetiva (o sentimento que a pessoa tem a seu respeito, de seu decoro e da sua dignidade) do sujeito passivo”.
O relator mandou suspender “todo o inquérito policial e todas as medidas determinadas em decorrência desse inquérito, entre elas o interrogatório da paciente determinado pela autoridade policial, até o julgamento definitivo deste writ”.
Nota da defesa
a) A Paciente não teve e não tem a intenção de direcionar ofensas a quem quer que seja. Seus dias tem sido deveras atribulados em virtude da pandemia, que hoje mata cerca de 2000 mil pessoas por dia. Em seu pouco tempo livre, tudo o que ela deseja é se isolar um pouco dessas notícias horrorosas que viraram uma triste e comum rotina na vida de profissionais de medicina e de toda a sociedade brasileira;
b) A frase proferida pela Paciente em um tweet de outubro de 2020, alvo da controvérsia, sequer menciona, ainda que indiretamente, o Senhor Presidente da República ou qualquer outra pessoa pública, com ou sem mandato;
c) Dito isto, é completamente injustificável a verdadeira devassa que a Paciente sofreu em sua vida pessoal, tratamento reservado a criminosos da pior estirpe. Isso, associado ao tratamento de uma multidão de pessoas que parecem estar povoando as redes sociais única e exclusivamente para exterminar a reputação daqueles que eles pensam serem críticos aos seus ídolos, causou extremo dano psicológico a ela, com consequências que ainda estão sendo tratadas;
d) Não por menos, a brilhante decisão do MM. Ministro Olindo Menezes também apontou outro fato importantíssimo: o ato como um todo não respeitou o devido processo legal, uma vez que a prática criminosa a ela direcionada sequer representa crime com potencial ofensivo suficiente para desencadear uma investigação com esse porte;
e) Forte nessas razões, a defesa espera que o E. Superior Tribunal de Justiça confirme a decisão liminar conferida pelo MM. Ministro Olindo Menezes, e, no mérito, tranque essa absurda e injustificada investigação policial, utilizada apenas como meio de perseguição contra uma pessoa que sequer possui condição de fazer qualquer crítica sua reverberar de forma relevante;
f) E, mais do que isso: que o Poder Judiciário contribua para enterrar definitivamente tais determinações de abertura de inquéritos, por parte de qualquer governo que seja, em face de críticas direcionadas a seus componentes, uma vez que há uma linha muito expressa entre a crítica ponderada, abarcada pela liberdade de expressão, e o crime. O Brasil ainda vive um Estado Democrático de Direito, que não tolera perseguições disfarçadas de procedimentos investigatórios contra críticos de governos. O estado de coisas atual do Brasil inspira preocupações muito maiores para nossas forças policiais, Ministério Público e Poder Judiciário, já extremamente sobrecarregados, do que jovens ou jornalistas que manifestam suas opiniões de forma crítica e justa nas redes sociais ou nos meios de mídia.”
Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo e Isaac Pereira Simas – Pinheiro de Azevedo Advocacia
Folha de SPI