Trumpismo americano se aproxima de Bolsonaro

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Foto: Andrew Kelly / Reuters

Atacar as instituições e jornalistas, disseminar notícias falsas, questionar a lisura das eleições e minimizar a gravidade da pandemia da Covid-19. As ações exemplificam a postura tanto do presidente Jair Bolsonaro quanto de seu aliado americano, o ex-presidente Donald Trump. Quem assistiu à campanha de reeleição do republicano à Casa Branca no ano passado pode ter uma sensação de déjà vu ao acompanhar as falas mais recentes de Bolsonaro. A proximidade do brasileiro com ex-conselheiros e seguidores de Trump — que se tornou mais explícita nos últimos meses — indica que o tom belicoso adotando por ambos não é mera coincidência.

Antes mesmo de assumir a Presidência, Bolsonaro já mantinha contatos com importantes nomes trumpistas, como o ideólogo Steve Bannon. O elo entre os dois sempre foi Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho de Bolsonaro mais chegado a assuntos internacionais. O ex-estrategista de Trump e o deputado federal se conheceram ainda em 2018, durante a campanha eleitoral do pai.

Desde então, Eduardo vem estreitando laços com aliados do ex-presidente americano. Apenas nos últimos dois meses, o deputado federal teve uma série de encontros que vão desde Trump e Bannon ao filho mais velho do republicano, Donald Trump Jr, e o ex-assessor de comunicação do ex-presidente, Jason Miller.

Este último, criador da rede Gettr, esteve com a família Bolsonaro na véspera dos atos antidemocráticos puxado pelo mandatário brasileiro, em 7 de setembro. No dia, quando Miller deixaria o país de volta aos Estados Unidos, ele foi detido pela Polícia Federal para prestar depoimento no inquérito que apura a organização de milícias digitais bolsonaristas para atacar as instituições brasileiras. Em resposta, o ex-assessor usou suas redes sociais para criticar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito na Corte.

Tanto Miller quanto Bannon fizeram parte das campanhas eleitorais de Trump em 2016 e 2020. Nas duas ocasiões, o americano manteve um discurso agressivo com a imprensa e que disseminava mentiras. As similaridades com a postura de Bolsonaro, que sempre teve um tom mais bélico, fizeram com que a PF enviasse um relatório ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontando que redes bolsonaristas seguiam a mesma estratégia.

A maioria dos encontros nos últimos meses que Eduardo e Jair Bolsonaro tiveram com aliados de Trump foi em eventos que reuniam figuras ditas conservadoras e de extrema-direita. Em meados de agosto, o deputado foi aos Estados Unidos participar de um congresso organizado pelo empresário americano Mike Lindell, adepto às teorias conspiratórias de que Trump só teria perdido as eleições por causa de uma fraude na votação — o que foi provado falso pelos tribunais do país, após uma série de ações judiciais movidas pelo republicano questionando o pleito.

Foi nessa viagem que Eduardo se encontrou com Bannon — os dois dividiram o palco no evento — e com Trump, a quem convidou para participar da edição brasileira da cúpula conservadora CPAC, ocorrida em setembro e organizada pelo filho de Bolsonaro. No lugar do ex-presidente, quem aceitou o convite foi Trump Jr, que participou do congresso de maneira virtual.

Miller também esteve na CPAC Brasil, que aconteceu nos primeiros dias deste mês. O outros americanos que marcaram presença eram Charlie Gerow, estrategista de comunicação do Partido Republicano (hoje controlado por Trump); Mark E. Green, deputado republicano; e o casal Matt Schlapp, lobista e presidente da União Conservadora Americana, e Mercedes Schlapp, que foi diretora de comunicações estratégicas de Trump.

Os encontros de Eduardo com os aliados de americano também aconteceram ao longo de todo 2021 e até mesmo em momentos marcantes do ano. Na véspera da invasão ao Congresso americano, que pretendia impedir a sessão que certificava a eleição do democrata Joe Biden à Presidência, o deputado esteve com Lindell, segundo o próprio afirmou.

O encontro levantou suspeitas de que Eduardo tenha participado da reunião de empresários e conselheiros de Trump na qual teria sido concebida a ideia de incitar os apoiadores do até então presidente americano a atacar o Capitólio. Por causa disso, a Câmara Federal do Brasil enviou uma série de perguntas ao Itamaraty para saber se a embaixada brasileira nos EUA também estaria envolvida no encontro. Em resposta, a chancelaria negou que tenha organizado a reunião.

Entre os participantes do encontro estavam os filhos de Trump e o ex-prefeito de Nova York e advogado do ex-presidente americano, Rudy Giulinani, com quem Eduardo tem contato frequente.

Para o cientista político Carlos Gustavo Poggio, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Bolsonaro segue a “cartilha Trump” ao questionar as eleições, atacar a imprensa e as instituições e disseminar notícias falsas.

— Há cada vez mais indícios de que ele não está apenas seguindo uma cartilha do nada, mas se aproximando de figuras que vão das mais malucas, como é o caso do Lindell, que é alguém que basicamente vive de teoria da conspiração, a um monte de gente que participou da campanha do Trump — diz Poggio.

A proximidade de Bannon com Bolsonaro faz parte da estratégia do ideólogo de articular a direita populista pelo mundo, missão que ele próprio se incumbiu após trabalhar com Trump. Poggio explica que Bannon se aproveita do perfil belicoso do presidente brasileiro para disseminar seus ideais.

— Bolsonaro é alguém com espírito autoritário, ele já tem isso no instinto natural. O que o Bannon e esses outros articuladores dão a Bolsonaro é uma base intelectual ou ideológica, um pensamento mais estruturado. O Bolsonaro tem os instintos, eles vêm com as ideias — explica.

O presidente da Eurasia Group, o cientista político Ian Bremmer, explica que essa cartilha de Trump foi seguida em outros países da Europa, mas, assim como aconteceu com o americano, não houve resultados positivos.

— Muitos desses conselheiros de Trump também aconselharam líderes europeus populistas e anti-establishment de extrema-direita. E todos perderam enquanto os seguiam. Isso aconteceu na Itália, na Espanha, na França — explica Bremmer. — Bolsonaro está seguindo a cartilha Trump, tanto em termos das ações do americano quanto de seus conselheiros, e ele vai ter um resultado muito parecido ao de seu mentor.

O Globo

 

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