Advogada que adoeceu com kit covid processa Bolsonaro
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Uma advogada de 34 anos entrou com uma ação na Justiça Federal da Bahia para que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), a indenize em mais de meio milhão de reais por ter divulgado o “tratamento precoce” contra o novo coronavírus, mesmo sem haver eficácia cientificamente comprovada.
Manuela Menezes foi diagnosticada com a Covid-19 duas vezes neste ano. Ela chegou a ficar internada devido à doença e foi tratada com azitromicina e ivermectina, fármacos que compõem o chamado kit Covid e que foram amplamente divulgados por Bolsonaro para uso contra o novo coronavírus. O médico que a atendeu teria, inclusive, citado o presidente da República para convencê-la a usar os remédios. Hoje, a advogada tem sequelas devido à enfermidade, como queda de cabelo e perda de memória.
Moradora de Feira de Santana, no interior da Bahia, a mulher cobra R$ 571 mil da União. A ação será julgada na 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária da Bahia (SJBA).
“Tenho problemas psicológicos e físicos. Estou tomando medicamentos devido às sequelas que tive da Covid e um dos efeitos colaterais é estar proibida de dirigir. São remédios para pessoas que têm acima de 70 anos, para memória”, conta a advogada, em conversa com o Metrópoles, por telefone.
“Estou passando situações vexatórias no meu trabalho. Tenho dores de cabeça diariamente. Não consigo nem mais pentear meu cabelo com rabo de cavalo, pois meu cabelo cai muito deste então, tenho vários buracos. Cheguei ao ponto de pensar se foi bom ter sobrevivido à Covid; se isso é uma benção ou uma maldição. O que espero de um governante é que ele seja responsabilizado. Queria que as autoridades tivessem mais atenção aos sobreviventes do vírus”, complementa Manuela.
De acordo com a ação, a qual o Metrópoles teve acesso na íntegra, a baiana testou positivo pela primeira vez no início deste ano, em 28 de fevereiro. Ao ser atendida por um profissional médico, Manuela recebeu a prescrição para se tratar com o que o presidente Bolsonaro alardeava à época como sendo “tratamento precoce”.
A advogada tomou azitromicina, ivermectina, decadron, unizinco e addera. “Saliente-se que a autora recebeu tratamento considerado pela própria fabricante do remédio como ineficaz ao resultado esperado contra a Covid-19. A despeito dessa ineficácia, a autora confiou no procedimento médico, uma vez que o profissional se dizia conhecedor da confiabilidade do tratamento, e, ainda, usando como argumento de reforço para fins de convencimento, os discursos do presidente da República, Jair Bolsonaro, sobre a viabilidade daqueles remédios os quais estava prescrevendo”, acrescenta o Lucas Correia de Lima, na ação.
“O kit de medicamentos imposto à autora, que, desconhecedora de expertise médica, foi submetida a tratamento precoce à revelia das nefastas consequências, não surtiu efeito de prevenção ou cura à Covid-19. Prova disso é que a autora foi infectada novamente pela moléstia”, prossegue o defensor.
Lima assegura ainda que a vida de Manuela foi objeto de aposta do presidente da República. “Os problemas apresentados pela Autora não se traduzem como resultado de uma enfermidade banal, mas produto das ações irresponsáveis de gestão governamental em um país que fez pouco caso e deu parca atenção aos cuidados da pandemia, deixando de proteger seus cidadãos e contribuindo, com discursos e atos, para a proliferação dos casos”, relata.
Caso ganhe, Manuela irá direcionar o dinheiro a fundos de Saúde, do município de Feira de Santana e do estado da Bahia, “com determinação do uso de valores para o combate e tratamento de Covid-19”. A advogada conta que a ideia de pedir a indenização veio da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19. No dia 11 de agosto, durante depoimento do CEO da farmacêutica Vitamedic, Jailton Batista, o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), relatou que iria pedir à Defensoria Pública para que as famílias que perderam parentes sejam indenizadas pelo Estado.
“Esta Comissão Parlamentar de Inquérito deverá ter no seu relatório final uma recomendação às advocacias dos estados, da União nos estados, em solidariedade às pessoas que perderam entes queridos e a muitos deles que estão sequelados, que a advocacia ajude essas pessoas a entrarem na Justiça, pedindo a indenização por esse crime absurdo”, antecipou o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que não houve intimação no mencionado processo. Procurada na tarde dessa terça-feira (19/10), a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República não se manifestou. O espaço segue aberto.
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