Brasil aumentará representações diplomáticas pelo mundo
Depois de cinco anos em contração, o Itamaraty planeja expandir seu serviço exterior em 2022, com a abertura da primeira embaixada pelo governo Jair Bolsonaro e cinco novos consulados. A proposta expansionista inverte a lógica de redução de postos diplomáticos desde o governo Michel Temer e atende a demandas da comunidade brasileira na Europa e nos Estados Unidos e exportadores interessados nos mercados do Oriente Médio e da China.
A menina dos olhos do projeto é a instalação de uma embaixada em Manama, no Bahrein, Golfo Pérsico. Conforme fontes diplomáticas, o Itamaraty quer ampliar a equipe em Pequim, na China, com a possibilidade de um novo consulado no país, em outra cidade. Também estuda enviar uma nova delegação para representar o Brasil na União Africana, em Adis-Abeba, na Etiópia, abrir um consulado em Marselha, na França, e outro nos Estados Unidos – a cidade mais provável é Seattle, mas há também discussão sobre Portland.
O ministro das Relações Exteriores afirmou que conseguiu com Bolsonaro mais R$ 400 milhões para 2022, tendo, ao todo, R$ 4,3 bilhões para o exercício. Será um reforço de 27% no orçamento em comparação com a estimativa atual. Segundo autoridades a par das finanças, mais de 80% das despesas do Itamaraty são pagas em moedas estrangeiras, e a desvalorização do real reduziu a disponibilidade de dinheiro nos últimos anos. O projeto de lei orçamentária indica que R$ 1,1 bilhão será investido no funcionamento das representações nacionais no exterior e outros R$ 68 milhões nos serviços consulares.
Carlos França pretende fazer remanejamentos de pessoal para preencher os novos postos. Ele quer melhorar a assistência aos brasileiros no exterior, por isso a revisão na rede de postos consulares na Ásia e nos EUA. A embaixada brasileira no Bahrein foi prometida por Bolsonaro, que autorizou os xeiques a abrirem uma representação em Brasília. Atualmente, a embaixada brasileira no Kuwait representa cumulativamente os interesses nacionais no Bahrein.
“Estamos em preparação para uma pequena expansão da rede consular. Os contornos ainda não estão finalizados, precisamos ver o que cabe no orçamento. Estamos fechando uma embaixada, o que, de certa forma, compensa”, disse o embaixador Achilles Zaluar, chefe de gabinete do ministro. “A gente demonstrou a importância do atendimento à comunidade brasileira no exterior durante a crise da covid. Quem teve de negociar a assistência, a saída das pessoas e os voos foi nosso pessoal dos consulados, isso tem que ser fortalecido.”
Um dos principais objetivos de Bolsonaro no mundo árabe é atrair investidores para projetos de infraestrutura no Brasil. O BNDES vai capacitar diplomatas na busca por investimentos estrangeiros, e entre 15 embaixadas devem passar a ter os novos setores de “atração de investimento direto”, assim como existem atualmente equipes diplomáticas dedicadas a temas políticos, econômicos, culturais e de ciência e tecnologia.
Agronegócio. Além de buscar investimentos, a expansão de mercados consumidores também voltou a ser cobrada por agentes do agronegócio, que desejam mais empenho dos diplomatas. Embora o setor viva um momento de bonança, esse é um trabalho que deixou a desejar no governo Bolsonaro até este ano, avaliou o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. “Precisamos de mais atuação diplomática de resultados, precisamos buscar mercados e conservar os atuais, como a China”, afirmou. “A Tereza Cristina (ministra da Agricultura) trabalha muito isso, mas o Itamaraty só agora com o chanceler Carlos França desempenha esse processo”, ressaltou. “O acordo do Mercosul com a União Europeia tem três anos e não saiu do papel até hoje.”
Ao lado do chanceler numa cerimônia pública na Sala Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acusou o Itamaraty de permitir nos últimos 30 anos um fechamento da economia brasileira e reclamou da redução dos fluxos comerciais. “Isso é uma falha de todos nós”, disse Guedes, cobrando também do Ministério da Economia, que tem hoje sob sua responsabilidade o comércio exterior.
Ele apontou ainda como focos de atuação econômica o Oriente Médio e a Ásia, e sugeriu mais dedicação ao estreitamento de relações e trocas comerciais com a Índia. Guedes afirmou que a região da Eurásia (os continentes da Europa e da Ásia) pode se converter num hub para o desenvolvimento nacional. “Estamos voltando ao caminho das Índias orientais.”
O novo consulado na China deve ser aberto em Chengdu, na província de Sichuan, no sudoeste, a 1.800 quilômetros de distância de Pequim. Com 16,5 milhões de habitantes, a cidade é um polo de inovação científica e tecnológica. O posto será o quarto consulado do Itamaraty no país asiático. O Brasil conta com as representações em Xangai, Hong Kong e Cantão, além da embaixada na capital e um escritório em Taiwan.
Israel. Além dos novos postos, o Itamaraty não arquivou por completo um projeto polêmico do presidente Jair Bolsonaro. Embaixadores ouvidos pela reportagem afirmam que a pasta segue estudando o caso da transferência da embaixada brasileira em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, uma promessa não cumprida da campanha de Bolsonaro, depois de protestos de países árabes, em 2018.
Atualmente, o Itamaraty tem 218 postos diplomáticos no exterior, entre missões, embaixadas, consulados, escritórios e delegações em organismos internacionais. O ápice foram 228 no governo Dilma Rousseff, em 2012. A gestão do ex-chanceler Ernesto Araújo, marcada pela adoção de posições ideológicas conservadoras, extinguiu sete no ano passado. Todos eram postos de categoria C e D, menos cobiçados, em países do Caribe e da África, regiões que estavam no foco durante os governos do PT, com a chamada política Sul-Sul e os objetivos de maior penetração geopolítica do País na ocasião.
Bolsonaro também desativou as representações diplomáticas e consulares na Venezuela, retirando o pessoal nos primeiros meses da pandemia da covid-19. O corte se deu por razões políticas, já que o Planalto não reconhece o presidente Nicolás Maduro e pede novas eleições sem a participação dos líderes ligados ao seu governo. Já na África e no Caribe a justificativa foi o corte de despesas.
Estadão