Ciro adota estratégia kamikaze contra Lula
Foto: Reprodução
A menos de um ano das eleições de 2022, o ex-governador do Ceará e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) tem um problema sério a resolver se quiser ir ao segundo turno pela primeira vez desde 1998, quando estreou como candidato à Presidência. Ele está praticamente no mesmo lugar de onde saiu em 2018: estacionado em torno de 10% das intenções de voto, um porcentual muito próximo do que conseguiu nas três eleições anteriores. Esforço é o que não lhe falta. Ciro está com o seu nome na corrida desde o ano passado e tem se dedicado tanto à campanha nos últimos meses quanto Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Por enquanto, é a alternativa a esses extremos que surge melhor na fotografia momentânea das pesquisas, aparecendo na terceira posição. Embora a disputa esteja ainda no início, com muita água por rolar até 2022, há sérias dúvidas a respeito de sua capacidade de ganhar novos apoios e crescer daqui em diante.
Para tentar ultrapassar seu teto histórico de votos, Ciro passou a investir em um jogo arriscado. Uma parte fundamental da estratégia envolve uma repaginação radical da embalagem do pedetista. O objetivo é humanizar o candidato, tentando deixar para trás as cenas de truculência do passado e o farto repertório de declarações desastradas, sempre lembradas pelos adversários. No lugar disso, entrou em cena o “Cirão da Massa”, codinome que usa agora para se aproximar dos eleitores, sobretudo os mais jovens (o slogan já virou até rótulo de cerveja, distribuída em evento do PDT no Rio de Janeiro). A mais reluzente iniciativa dessa fase são as lives semanais batizadas de Ciro Games. Cercado de luzes coloridas e acessórios de personagens de jogos digitais como Mario Bros, ele apresenta a atração vestido de moletom, ao lado da esposa, Giselle Bezerra, e do filho Gael, com quem joga videogame. Além disso, entrevista personalidades (que vão do roqueiro Tico Santta Cruz ao padre Julio Lancellotti) e reproduz memes favoráveis a sua candidatura.
O trocadilho que dá nome aos programas surgiu em junho numa participação de Ciro no Flow, um podcast popularíssimo, com 3,4 milhões de inscritos no YouTube e comandado por Monark, uma subcelebridade de internet que defende a liberação da maconha — e, não raro, degusta um baseado na própria atração. Ciro também tem concedido entrevistas a outros programas de sucesso no YouTube. “Estamos trabalhando as redes sociais e a tentativa é ter um discurso mais popular, uma linguagem mais simples, com o objetivo de dar uma leveza na fala dele”, afirma Carlos Lupi, presidente nacional do PDT.
Essa aposta em tentar se comunicar com o eleitorado jovem faz sentido. A faixa etária de 16 a 24 anos é aquela em que Bolsonaro é mais rejeitado (70% pelo Datafolha). Além disso, boa parte desses eleitores estava na infância ou na adolescência quando Lula comandou o país e, de certa forma, é menos suscetível à pregação do petista. Ciro tem potencial nesse segmento: ele registra 13% entre os mais jovens (contra 9% da média) e possui rejeição de apenas 23%. “Um candidato que está há 23 anos em uma corrida presidencial precisa rejuvenescer e se apresentar às novas gerações. Ele está tentando conversar com um público de 16 a 34 anos que representa cerca de um quinto do eleitorado”, afirma Antonio Lavareda, cientista político e responsável pelo marketing das campanhas de FHC.
Mas, como diz o ditado, o lobo perde o pelo, mas não perde o vício. O conteúdo das lives em muitos momentos lembra o velho Ciro: ataques a adversários, críticas à política de preços da Petrobras, à inflação e ao encarceramento em massa e a defesa de projeto que prevê forte participação do Estado na economia — o que o iguala a Lula, de quem já foi ministro. A estratégia para fazê-lo parecer mais jovem e mais popular na internet também não consegue corrigir a atração de Ciro para o confronto. Seu método continua sendo atacar os dois principais candidatos ao Planalto, na radicalização de uma aposta arriscada: a de tentar tirar eleitores de Bolsonaro e de Lula comprando briga com os dois. Na quarta 13, ele subiu o tom na sua cantilena antipetista ao dizer que estava convicto de que Lula conspirou para derrubar Dilma Rousseff, tese que despertou a ira dos petistas e da ex-presidente, que afirmou que Ciro chegou “ao fundo do poço”.
O ataque do pedetista veio após o jantar do ex-presidente com caciques do MDB em Brasília. Aliás, a aproximação de Lula com velhos aliados proporcionou outra estocada meio sem sentido na semana passada. “Com quem o Lula está hoje?”, provocou numa live, sugerindo que Lula anda de mãos dadas com os mesmos corruptos de sempre. Por ironia, Ciro é guiado hoje justamente por um grande ex-aliado petista, João Santana, guru do ex-presidente e de Dilma Rousseff. O marqueteiro caiu em desgraça na Lava-Jato e voltou à cena para chefiar a campanha do pedetista, sendo o responsável pela criação do “Cirão da Massa” e pela estratégia de disparar projéteis contra o PT. Tal jogo é de alto risco. Embora outros candidatos de centro comecem agora a voltar as baterias contra Lula, dentro de uma expectativa de que a popularidade de Bolsonaro continuará derretendo e que parte do eleitorado do capitão pode aderir a uma candidatura antipetista, Ciro terá muito mais dificuldades de se mostrar convincente nesse papel. “O eleitor do pedetista tem ressalvas ao PT, mas também tem elogios ao ex-presidente”, observa o cientista político Adriano Oliveira, professor da UFPE.
Falar, porém, é um velho hábito. A conhecida língua ferina de Ciro já lhe trouxe outros prejuízos, como em 2002, quando chegou a alcançar 20% das intenções de voto e foi ultrapassado por José Serra, que explorou à exaustão um episódio em que o então presidenciável do PPS chamou o ouvinte de uma rádio de “burro”. Na mesma campanha, Ciro ficou desgastado ao dar resposta equivocada a um jornalista que perguntara qual era o papel de sua esposa na época, a atriz Patricia Pillar. “A minha companheira tem um dos papéis mais importantes, que é dormir comigo”, disse (Ciro renega hoje essa declaração). Mas o hábito de pensar pouco antes de vociferar impropérios ainda permanece. Em setembro de 2018, ele ofendeu um repórter em Roraima que lhe perguntara sobre suas críticas a uma manifestação contra a entrada de venezuelanos (ele chamara os brasileiros de canalhas, desumanos e grosseiros). “Vá para a casa do Romero Jucá, seu fdp”, disse, em referência ao senador do MDB.
O temperamento feroz também atrapalha as alianças. Com a entrada de Lula na disputa, Ciro chegou até a cogitar uma guinada para tentar liderar uma coligação com partidos de centro-direita, mas isso hoje parece impossível. “A vaga de maluco já está ocupada por Bolsonaro”, alfineta um influente senador do Centrão. Em busca de novas alternativas, Ciro convidou o apresentador de TV José Luiz Datena, hoje no PSL, para ser o seu vice, mas este também quer disputar a Presidência. Além disso, o aliado com quem mais contava, o PSB, está praticamente nos braços de Lula. Como se não bastasse, enfrenta dificuldades no seu próprio partido. Um dos candidatos do PDT a governador, Weverton Rocha, do Maranhão, já garantiu Lula no seu palanque. A julgar pelo seu histórico em campanhas e pela estratégia confusa que o tem embalado agora, convém a Ciro se lembrar de que, ao contrário dos games, uma eleição presidencial não permite erros.
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