Reforma trabalhista gerou subempregos e pobreza
Foto: Raul Spinassé – 22.jan.2020/Folhapress
O ritmo na criação de empregos informais dobrou no Brasil nos últimos seis anos e tem sido a principal marca da medíocre recuperação econômica desde 2017. De um total de 89 milhões de ocupados, 36,3 milhões são informais.
Eles representam hoje 4 em cada 10 ocupados, segundo o IBGE. Sem nenhuma proteção trabalhista, são informais os sem carteira (no setor privado e doméstico) e os sem CNPJ (empregadores ou empregados por conta própria).
Nos últimos anos, milhões de brasileiros que estudaram mais visando aumentar a renda acabaram na informalidade, subutilizados ou desempregados. Apesar do aumento de 27% nos anos de estudo na metade mais pobre do país, sua renda caiu 26,2% em dez anos, segundo a FGV Social.
Quase 32 milhões de brasileiros trabalham menos do que gostariam ou estão desocupados. Os desempregados equivalem à população combinada de São Paulo e Curitiba (14,1 milhões). Entre eles, há quase 4 milhões que não encontram oportunidades há mais de dois anos —o dobro em relação ao início de 2016.
Nesse caso, o prognóstico é muito negativo para o aumento da produtividade da economia via capital humano, pois esses trabalhadores tendem a se desatualizar e ter dificuldades de readaptação à frente.
Embora a economia deva recuperar neste ano o terreno perdido em 2020, o emprego informal deve seguir predominando, pois não haverá crescimento adicional significativo.
O Brasil registra desde 2014 recorrentes déficits primários, com as despesas do governo federal ultrapassando as receitas (sem contar juros). Isso levou ao abrupto aumento da dívida pública (hoje 82,7% do PIB) e a forte retração empresarial. Desde 2015, o PIB cresce pouco ou encolhe.
Nos anos 2000, quando havia superávits para controlar a dívida, a economia cresceu 3,7%, em média —com recordes na formalização de empregos.
Hoje, no entanto, a ocupação avança mais em setores tipicamente informais e pior remunerados —como construção, agricultura e serviços domésticos, além dos conta própria sem CNPJ. E quanto mais pobre o trabalhador, maior sua prevalência na informalidade.
Dificultando a aceleração da economia por serem menos produtivas, as vagas informais expõem cada vez mais trabalhadores a um entra e sai do mercado, com altos e baixos na renda entre períodos de atividade e desocupação —numa espécie de “ioiô” que alterna trabalhos mal remunerados e pobreza.
Segundo especialistas, o aumento da informalidade —que pode vir a se tornar estrutural com as transformações no mercado, a “economia dos aplicativos” e o baixo crescimento— exige políticas de proteção a essa parcela da força de trabalho.
Os programas de auxílio a desempregados cobrem apenas trabalhadores formais, que têm direito ao seguro desemprego e ao FGTS. Mesmo os pior remunerados (até dois salários mínimos) recebem um abono salarial equivalente a até um salário mínimo por ano; e podem se aposentar pelo INSS.
Entre os informais, com a exceção dos meses de pandemia em 2020 e 2021, quando receberam parcelas decrescentes (em valor e total de beneficiários) do auxílio emergencial, inexiste rede de proteção aos que trabalham e perdem renda abruptamente.
Em 2020, quando o PIB encolheu 4,1% e a renda dos informais despencou 16,5%, eles puderam contar com o auxílio emergencial. Na recessão de 2015-2016, não houve proteção, apesar de o PIB ter encolhido 7,2%.
Naquele biênio recessivo, a taxa de pobreza extrema (renda domiciliar per capita inferior a R$ 261/mês, segundo critério da FGV Social) chegou aos dois dígitos e é hoje a maior em uma década (13%, ou 27,4 milhões de pessoas; equivalente a quase uma Venezuela).
“Nos últimos episódios de volatilidade, que têm sido a característica da economia, muitos dos informais de baixa renda acabaram escorregando para a miséria. São crises temporárias que têm causado cicatrizes permanentes”, diz Fernando Veloso, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
O economista afirma que esse cenário de volatilidade recorrente e aumento das ocupações sem carteira provoca “vulnerabilidade estrutural” entre os informais —e requer medidas para protegê-los.
Patrocinados pelo CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), Veloso e outros quatro especialistas apresentaram ao Congresso no ano passado proposta para a criação de uma espécie de seguro para proteger os informais em momentos de perda acentuada de renda.
O plano previa a diferenciação entre os que não conseguem obter renda alguma, que continuariam em um tipo de Bolsa Família ampliado e mais focalizado, e os informais, que sofrem com a oscilação de seus rendimentos e que teriam acesso ao seguro.
Para se tornar viável, sem custos adicionais, o Programa de Responsabilidade Social prevê a junção e revisão de programas existentes, como Bolsa Família, o abono salarial, o salário-família (ambos dirigidos a trabalhadores formais) e o seguro-defeso.
Para os informais, haveria a criação de um seguro custeado pelo governo, acionado em momentos de perda de renda.
Considerando dados do Cadastro Único, sistema nacional de informações para fins de inclusão em programas sociais, a expectativa do seguro seria cobrir 12,5 milhões de famílias, a partir de depósitos médios mensais de R$ 39 —a um custo anual de R$ 5,8 bilhões na proposta original.
Para efeito de comparação, só o abono salarial tem orçamento de R$ 21 bilhões para 2022.
A proposta foi encampada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) no Projeto de Lei 5.343/2020 (Lei de Responsabilidade Social). Agora, tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado com algumas modificações nas fontes de financiamento, que incluem dinheiro de emendas parlamentares e outros recursos. O abono-salarial não seria extinto, mas reformulado.
O projeto de lei também cria metas para os três primeiros anos de vigência do programa: reduzir a pobreza (considerando renda mensal per capita abaixo de R$ 250) de 12% para 10% da população; e a pobreza extrema (renda menor que R$ 120) de 4% para 2%.
“A ideia geral foi emular algumas das proteções existentes para os trabalhadores formais e concedê-las também aos informais”, diz Vinicius Botelho, outro autor do projeto.
“O mundo e o Brasil estão migrando para o trabalho informal. No caso brasileiro, infelizmente, muitos desses trabalhadores mais pobres estão se tornando miseráveis.”
No segundo trimestre de 2021, a proporção de domicílios sem renda do trabalho foi estimada em 28,5% —quase três em cada dez. Isso significa que 46 milhões de pessoas viviam em residências sem dinheiro obtido por meio de atividades profissionais, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
No final de 2019, antes da pandemia, a proporção era menor, de 23,5%, o equivalente a 36,5 milhões.
Os economistas Ricardo Paes de Barros e Laura Muller Machado, do Insper, defendem a ampliação do Cadastro Único para que haja detalhamento maior do perfil dos informais, a fim de adotar políticas mais focalizadas.
“Sabemos muito bem quantos eles são, mas não temos nenhum cadastro nominal que permita identificar onde vivem, em quais empresas trabalham, quais clientes atendem e as necessidades de cada um”, afirmam.
Eles projetam que o custo de inclusão e da gestão da informação no Cadastro Único ficaria abaixo de R$ 30 por família.
“Se a meta for manter informações atualizadas para os 10% mais vulneráveis da população, ou cerca de sete milhões de famílias, o custo anual desse sistema seria da ordem de R$ 200 milhões, uma parcela minúscula [0,01%] do gasto público social [estimado em cerca de 25% do PIB]”.
A sugestão dos economistas é que o avanço na identificação e no atendimento seja feito por meio da ampla capacidade já instalada nos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social), com 10 mil unidades no país.
O Brasil conta ainda com outros 15 mil centros para o acolhimento (diário ou de longa duração) de famílias vulneráveis, que poderiam auxiliar no cadastramento e acompanhamento dessas famílias.
“Hoje, ofertamos uma quantidade relativamente pequena de recursos a uma quantidade muito grande de pessoas que não conseguem superar a situação de pobreza ou extrema pobreza”, afirma Muller Machado. “É um problema de ‘matching’. Temos os recursos, mas não conseguimos identificar e chegar a essas pessoas.”
Responsável pela implantação do Cadastro Único no Brasil, a ex-secretária de Estado de Assistência Social no governo FHC (1995-2002), Wanda Engel, também defende que os Cras e Creas sejam usados para ampliar a identificação e o acompanhamento dos mais vulneráveis.
“É fundamental conter o movimento ‘ioiô’, e essas unidades [Cras e Creas] deveriam ser usadas em buscas ativas para o cadastramento. Os mais vulneráveis precisam de tratamento ‘VIP’, de uma espécie de ‘cartão diamante’ para que tenham prioridade no acesso aos serviços públicos”, afirma.
Segundo o último Censo (2010), 95% dos municípios tinham Cras ou Creas ativos, o que confere cobertura nacional ao sistema. “Mas, em muitos casos, a assistência social nas cidades é relegada a segundo plano, normalmente gerenciada pela mulher do prefeito, não por profissionais da área”, afirma Engel.
Em sua opinião, a prioridade no atendimento dessas unidades deveria ser para mulheres com filhos pequenos, que precisem sobretudo de acompanhamento escolar.
“É inadmissível que crianças prossigam na trajetória escolar sem estarem alfabetizadas, o que é frequente. Quando jovens, elas vão acabar abandonando a escola e constituindo outras famílias pobres. Essa é a grande armadilha da pobreza”, afirma.
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