Absurdo do “homeschooling” exigirá pais com ensino superior
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Após sete meses de negociações, o projeto que libera e regulamenta o homeschooling no país está perto de ser votado. A previsão é a de que ele entre em pauta esta semana, com um texto que prevê uma série de regras e limitações para a prática, o que tem dividido opiniões dentro do próprio governo, no Ministério da Educação (MEC).
No começo do ano, o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso uma lista com 21 prioridades de seu governo. A educação domiciliar era a única pauta relativa à área. A prioridade do tema, modalidade cuja adesão é de apenas 0,04% dos alunos brasileiros, é amplamente criticada por especialistas.
— Países com bons sistemas de educação têm o homeschooling regulado, mas definitivamente esse não é o momento de discutir isso no Brasil, depois de tanto tempo que vivemos com escolas fechadas — avalia Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV/RJ.
O avanço na tramitação do projeto se deu após a Casa Civil e a Secretaria de Governo fecharem acordo com a relatora do projeto, a deputada Luisa Canziani (PTB-PR). As reuniões também tiveram a participação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
O texto base foi apresentado em maio pela relatora e, desde então, tem sido negociado com o governo. Ele prevê que as crianças que passem para a modalidade da educação domiciliar devem estar matriculadas em escolas, que supervisionarão a frequência e avaliarão anualmente esses estudantes. Os conteúdos cobrados devem ser consistentes com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A versão negociada com a Casa Civil tem duas novidades. Uma delas é a previsão de que o Conselho Nacional de Educação deliberará sobre as diretrizes nacionais para educação domiciliar, propostas pelo MEC.
A segunda é um tempo de transição para que pais que hoje não têm ensino superior, uma das exigências para adesão à modalidade, possam se adequar. Nos três primeiros anos da lei, haverá um período de adaptação em que a família deverá comprovar a matrícula em alguma universidade (em qualquer curso, não restrito às licenciaturas ou pedagogia), a presença e a conclusão do curso.
O relatório tem proteções importantes. É preciso, por exemplo, seguir a BNCC. Isso protege contra o fundamentalismo. Tem que ter uma escola de referência, como ele prevê. São questões positivas — afirma Costin.
Uma das preocupações dos especialistas em educação é que, sem proteções adequadas, a exploração das crianças pelas famílias para trabalho infantil ou até exploração sexual sejam escondidas por uma fachada de educação domiciliar.
— O relatório foi construído a muitas mãos, inclusive, com a participação do governo, e é extremamente equilibrado — afirma Luisa Canziani.
No Congresso, no entanto, há uma forte mobilização de deputados bolsonaristas para que o homeschooling seja apenas descriminalizado — e não regulamentado. É essa a proposta, alternativa à da relatora, de um grupo liderado por Bia Kicis (PSL-DF). Eles propõem uma alteração no Código Penal prevendo que a educação domiciliar não configure crime de abandono intelectual. A ideia é apoiada por parte do governo que defende uma liberação total.
— Retirar a previsão de punição pelo seu exercício abriria espaço para que a negligência com as crianças e jovens passe impune. Carta branca para o abandono intelectual — diz Lucas Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação.
Institucionalmente, o Todos se posiciona contrário à regulamentação do homeschooling. Na visão da ONG, além da priorização equivocada da pauta frente às agendas estruturantes e emergenciais, há o risco de “abrir espaço para comportamentos de risco na família, como abandono escolar, violência doméstica e exposição às mais diversas situações de privação e estresse tóxico que hoje são diretamente enfrentadas pelas escolas”.
“A ideia do homeschooling parte do pressuposto de que a educação escolar se limita ao ensino do que está no currículo. Ignora-se, assim, que vai muito além disso, como sugere o Conselho Nacional de Educação em parecer que deixa evidente a importância da socialização com outras crianças e jovens e a exposição ao diverso e ao contraditório como aspectos fundamentais de seu desenvolvimento. A escola é o melhor ambiente para isso”, diz o Todos Pela Educação.
Já o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Rick Dias, avalia que a proposta do grupo comandado por Bia Kicis não basta. Ele lembra que, em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o homeschooling não é inconstitucional, mas que necessita de regulamentação. No entanto, ele critica o texto de Canziani.
A proposta é de razoável para boa. Alguns pontos são restritivos demais. Exigência de nível superior para os pais é uma coisa absurda. Seguir a BNCC não me incomoda, mas o ideal era deixar os pais à vontade para escolherem o que querem ensinar — diz.
Conteúdos
Os conteúdos curriculares devem ser referentes ao ano escolar correspondente à idade do estudante, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O texto libera que os pais incluam conteúdos adicionais.
Fiscalização
Os pais precisam de relatórios bimestrais sobre o desenvolvimento educacional do aluno para serem enviados às escolas nas quais as crianças estão matriculadas.
Também está previsto acompanhamento do desenvolvimento do estudante por professor tutor da escola em que estiver matriculado, “inclusive mediante encontros semestrais com os pais ou responsáveis, o educando e, se for o caso, o preceptor ou preceptores”, diz o texto.
Para passarem de ano, as crianças também terão avaliações feitas pelas escolas nas quais eles estarão matriculados.
Caso não sejam aprovadas em dois anos consecutivos ou três alternados, deverão voltar às aulas na escola.
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