Bolsomínions agora chamam general de “comunista”

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

Nos anos 1960, o escritor Nelson Rodrigues identificou os padres de passeata, aqueles que olhavam para os céus apenas para saber se deviam sair com o guarda-chuva. Nelson se espantaria com os dias de hoje, um tempo em que em vez de padres as passeatas atraem generais enquanto caminhoneiros procuram embaixadas em busca de asilo e os reacionários invadem parlamentos e ameaçam os tribunais, à moda jacobina. Há policiais agitadores e pastores mais preocupados em salvar o governo do que almas.

Enfim. Mas nenhum desses novos tipos que irromperam com o bolsonarismo na praça pública é mais simbólico do que o general de passeata. Ou melhor: de motociata. A coluna conhece alguns. Vão ao cinema ver Marighella para torcer pelo delegado. Dizem ao jornalista que a imprensa não é mais aquela de sua juventude ou que o Exército deles não permitirá aos desafetos de Jair Bolsonaro conduzirem o País ao comunismo. Quais desafetos, afinal? Roberto Setubal, Pérsio Arida, Armínio Fraga e Affonso Celso Pastore, todos promovidos a burocratas do Gosplan.

São capazes de afirmar no WhatsApp que o tempo vai fechar e haverá prisões, tortura e mortes, como disse um deles à coluna. Calma, leitor. Não é preciso acreditar nos arroubos do general de passeata. O brasileiro é um povo sobretudo moderado. Não é dado aos encantos da guilhotina. Ou do paredón. O general de passeata, que comparece aos protestos bolsonaristas na Avenida Paulista ou na Esplanada, em Brasília, no fundo é um sentimental. E anda agora muito preocupado com um colega: o general Santos Cruz.

O ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo já foi chamado de traidor pelo major-brigadeiro Jaime Rodrigues Sanchez e agora é tratado como comunista por colegas de farda, a exemplo do que faz a militância bolsonarista nas redes sociais. Um general deu ao colega esse apodo no dia em que Santos Cruz foi à cerimônia de filiação ao Podemos de Sergio Moro. Só um comunista, disse então, para declarar seu apoio em 2022 ao ex-magistrado. Fato imperdoável. Que Carlos Bolsonaro o dissesse, vá lá…

O oficial de passeata escreve artigos nas redes sociais e os publica, às vezes, no site do Clube Militar, cada vez que Santos Cruz critica Bolsonaro. Ou quando alguém enxovalha seu presidente, seu Exército e sua Nação, ainda que nenhum desses devesse ser tratado como propriedade privada na República. Quando Bolsonaro dá um tempo nas passeatas e motociatas, a turma pendura o pijama e volta às redes sociais, compartilhando imagens de Santos Cruz como um “melancia” – verde por fora, vermelho por dentro.

Nos últimos dias, memes e caricaturas do general da terceira via voltaram a circular associando-o ao comunismo. Isso depois de o ex-ministro escrever à coluna: “Extremista é extremista. Não é de direita nem de esquerda. É tudo igual. De ‘direita’ ou de ‘esquerda’ os métodos são os mesmos: demagogia, populismo e poder acima de tudo. Assim foi de Stalin a Chávez. O Brasil tem que dar um ‘passa fora’ em todos os extremistas.”

O oficial de passeata vê drogas nas universidades, decadência no jornalismo e acredita que a política é sinônimo de corrupção e degradação. Reclama das generalizações que são feitas contra os militares – com razão –, mas é incapaz de ver as suas próprias em direção ao mundo paisano. Há dez dias, um coronel da reserva, colega de turma de Bolsonaro, escreveu sobre a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas: “Na realidade, é onde se destrói capital humano, com o uso desenfreado de drogas, assistencialismos casuístas e interesseiros, uso indiscriminado do tal politicamente correto”.

É verdade que nem tudo o que o bolsonarismo quis obteve das Forças Armadas. A começar pela inequívoca rejeição a qualquer golpe de Estado e ao desrespeito ao resultado das urnas de 2022. É que nelas há muito mais do que oficiais de passeata – não se toma o Pazuello pelo todo. Alguém já se perguntou por que o ex-ministro Abraham Weintraub não está entre os bolsonaristas agraciados com medalhas pelo Exército? O ministro mal-educado recebeu três condecorações desde que foi nomeado por Bolsonaro para integrar o governo: a Ordem do Mérito Naval e a Medalha do Mérito Tamandaré, ambas da Marinha, e a Ordem do Mérito da Defesa.

Weintraub é o homem que achincalhou o marechal Deodoro da Fonseca, chamando-o de traidor, e escolheu a data cívica do 15 de Novembro para comparar o oficial que proclamou a República ao petista Luiz Inácio Lula da Silva. A Marinha, que permaneceu monarquista em 1889 como o ministro em 2019, não viu problema nas ofensas de Weintraub e lhe deu a Ordem do Mérito Naval em 2020, mesmo depois das diatribes do então ministro contra o velho marechal.

Mas o Exército não homenageou quem agravou a memória de Deodoro e, ao mesmo tempo, demonstrou tão pouca identidade com os valores militares e com os da República. A farra das medalhas no governo Bolsonaro revelada pelo repórter do Estadão André Shalders – só ministros e ex-ministros de Bolsonaro receberam 115 condecorações – teve ao menos algum limite.

Militares têm o direito de ter preferências políticas e partidárias, mas também têm responsabilidade institucional. Em 2022, eles estarão muito mais divididos do que em 2018, quando a maioria apoiou Bolsonaro. E não adiantará desqualificar quem estará na outra trincheira. Ou sonhar com ameaças à democracia. Ou nas palavras de Santos Cruz: “Militares fazem parte de instituições que têm como fundamentos a disciplina e a hierarquia. São instituições armadas para defender a Pátria, as instituições, a lei e a ordem. Não é possível ser militar apenas quando interessa.” Dentro e fora das passeatas.

Estadão

 

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