Brasil terá participação apagada na COP26
Foto: Reprodução/ Uol
Depois de quase de três anos de negacionismo, o governo brasileiro optou por ceder em temas climáticos. Apesar de dados manipulados e desinformação até mesmo sobre os compromissos assumidos, o novo discurso apenas ocorreu depois que, internamente, uma parcela do Itamaraty conseguiu convencer a base bolsonarista do governo de que manter uma postura de intransigência significaria a perda de contratos, de exportações e, eventualmente, de apoio do setor agrícola.
Mas o processo foi marcado foi disputas internas e manobras entre os diferentes órgãos do governo. Ao mesmo tempo, o Itamaraty manteve o controle das negociações, colocando o Ministério do Meio Ambiente numa postura mais discreta. Isso inclui até mesmo neutralizar o próprio chefe da pasta, Joaquim Leite, dos temas mais técnicos da negociação.
Nos últimos dias, o governo brasileiro proliferou anúncios durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow. O país irá aderir a um esforço para reduzir o desmatamento e cortará emissões de CO2 e metano. Ambientalistas, deputados de oposição e cientistas alertam que as promessas não condizem com a realidade da política ambiental do país e o esforço faz parte de uma operação de sedução para impedir um isolamento diplomático internacional.
Ainda assim, negociadores revelam que a manobra para conseguir uma transformação do governo, pelo menos na narrativa, foi trabalhada nos bastidores nas últimas semanas por meio de um processo pouco ortodoxo. O centro do argumento não era salvar o planeta. Mas sim as exportações brasileiras.
O que os negociadores tentaram mostrar é que, sem uma nova postura, o país começaria a sofrer barreiras comerciais, a não ratificação de acordos de livre comércio e o risco de boicote por parte de redes de supermercados. Pacotes sob discussão na Europa ainda avaliam a possibilidade de elevar tarifas para produtos que estejam relacionados com desmatamento recente.
A lógica apresentada para a ala mais dura do bolsonarismo foi clara: sem uma nova postura, a exportação agrícola sofrerá e, como consequência, o governo corre o risco de perder o apoio de pecuaristas e de produtores agrícolas. O impacto em 2022, ano eleitoral, poderia ser negativo.
A promessa interna, portanto, é de que uma nova postura do Brasil seria aplaudida por parceiros comerciais e reabriria portas. Membros da delegação brasileira, de fato, revelaram como encontros recentes com o governo alemão mostram que Berlim quer a ratificação do tratado comercial entre Mercosul e UE, mas implorou aos brasileiros para que façam sinalizações positivas para desmontar a resistência na Europa a uma aproximação com o Brasil.
Segundo os alemães, hoje seria “politicamente impossível” fechar um acordo com o governo Bolsonaro.
Em entrevista ao UOL, a senadora Katia Abreu admitiu que o Brasil perdeu entre cinco a dez anos em termos de ganhos com exportação para a Europa por conta da postura do governo nos dois primeiros anos, se recusando a adotar uma política ambiental mais construtiva.
Delegação sob tensão
Mas, reflexo do governo Bolsonaro, a delegação nacional em Glasgow também tem sido alvo de desentendimentos internos. Para alguns, o clima dentro da delegação brasileira reflete o tom de conflito de Bolsonaro. Negociadores admitem que, entre membros do grupo que representa o Brasil em Glasgow, a relação nem sempre é de coerência e coordenação. Uma das queixas mais frequentes é de como decisões são tomadas sem consultas amplas, nem mesmo dentro do governo.
Se no Itamaraty o governo conta com técnicos reconhecidos internacionalmente e experientes negociadores, nem sempre o restante da equipe age da mesma forma. Em muitos casos, posicionamentos são tomados com base em orientações políticas ligadas aos grupos mais radicais do governo.
Um outro desafio é a pouca experiência do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. A partir de hoje, o processo negociador em Glasgow deveria ser liderado por ministros. Mas alguns membros do governo temem um ministro brasileiro “assustado” e pressionado diante da reação da ala bolsonarista.
Experientes diplomatas em Brasília ainda lembram que a realidade do Brasil em Glasgow é diferente do que ocorreu com o país em outras épocas, quando os diferentes ministros brasileiros eram também os próprios negociadores.
Em 2015, o governo da França que sediaria a Cúpula de Paris foi até Brasília para solicitar que o Brasil assumisse a presidência do grupo mais complexo das negociações.
O resultado foi o estabelecimento da liderança da então ministra Isabela Teixeira, que assumiu um papel central no debate da ONU. Seus secretários, todos com doutorado, acabaram ocupando cargos internacionais.
Negociadores que atuaram naquele momento lembram como a política ambiental era considerada como estratégica para a política externa nacional e, portanto, a atuação conjunta do Itamaraty e Ministério do Meio Ambiente era permanente.
Brasil perde protagonismo
A postura brasileira dos últimos anos de resistência a um acordo ainda impediu o país assumir uma tarefa que tradicionalmente recaiu sobre o Itamaraty: a de criar pontes para negociar os pontos mais sensíveis do processo.
Nesta segunda-feira, no esforço de superar os impasses nas negociações, o presidente da Conferência, Alok Sharma, colocou ministros para liderar processos e buscar consenso.
Essa função caberá aos ministros da Espanha, Costa Rica, Maldivas, Dinamarca, Suíça, Jamaica, Egito, Suécia e outros. O Brasil, que por anos agiu como interlocutor, ficou de fora.
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