Escolas militares entregam uniformes de má qualidade aos alunos
Foto: Deputado Cobra Repórter
O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), publicou em suas redes sociais, na semana passada, um vídeo sobre a entrega de 1.837 kits de uniformes para alunos da cidade de Umuarama, no interior do Estado. Nas imagens, uma estudante aparece vestida com uma camiseta branca, fornecida pelo governo, descosturada na altura da axila. Tanto a postagem como um comentário que apontava a falha foram apagados da conta horas depois.
O caso não é isolado. Pais de alunos de escolas cívico-militares reclamam da má qualidade do uniforme dado pelo governo do Paraná a estudantes. Na lista dos problemas apontados aparecem a malha fina “transparente” da camiseta branca, os tamanhos das roupas e a facilidade com que o tecido se descostura.
Ao Estadão, sob a condição de anonimato, a mãe de uma aluna de 12 anos, que frequenta o 7º ano de um colégio em Curitiba, disse ter comprado regatas e tops brancos para a filha vestir por baixo do uniforme. “(Para) as meninas, eu acho que é um pouco desconfortável mesmo. É estranho”, afirmou a mãe sobre a malha fina da blusa. Ela pediu para não ser identificada com receio de retaliações.
O Ministério Público paranaense abriu inquérito civil, no dia 5 de outubro, com o objetivo de investigar possíveis irregularidades na licitação da Secretaria de Educação para a compra do uniforme, que custou R$ 45,6 milhões. A 5ª Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba começou a apuração pela especificidade do traje e por suspeitas de direcionamento no pregão, que levou a empresa Triunfo Comércio e Importação a vencer os três lotes licitados.
A Triunfo, responsável por produzir as roupas de baixa qualidade, é controlada pelos mesmos sócios da Nilcatex Têxtil, condenada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em junho, juntamente com outros investigados, por cartel em licitação de uniforme escolar no período de 2007 a 2012. A Nilcatex chegou a figurar como interessada na licitação dos uniformes. Apesar de não ter concorrido no pregão, o nome da empresa consta de etiquetas de camisetas como produtora das peças e a Triunfo, como comercializadora. No site da Receita Federal, a Triunfo mantém telefones e endereço eletrônico vinculados à Nilcatex como seus próprios contatos.
A baixa qualidade dos uniformes de escolas cívico-militares, fornecidos pelo governo do Paraná, é alvo constante de críticas. A mãe de outra aluna publicou sua queixa no perfil do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP), em uma rede social. “Infelizmente é péssima a qualidade mesmo”, escreveu Aleh Santos. “Minha filha recebeu. Não deixaram escolher o tamanho certo, foram medindo tipo, colocando na frente do corpo do aluno. E dando qualquer tamanho. Da minha filha ficou pequeno. A calça dela já descosturou.”
O modelo de ensino cívico-militar no Paraná foi anunciado em março para 197 escolas da rede pública estadual e incluiu na grade curricular matérias como Cidadania e Civismo. Pelo projeto, a gestão é compartilhada entre o diretor civil, que fica com a parte pedagógica, e o militar, responsável por infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança e atividades. Policiais militares da reserva foram chamados para atuar como monitores ou diretores.
Em março, os militares tiveram uma palestra com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, como parte do treinamento para as novas funções. Escolas cívico-militares são também uma das bandeiras do Ministério da Educação do governo federal, de quem Ratinho Jr. é aliado.
O governo vai fornecer 125 mil kits aos estudantes. Cada conjunto terá duas camisetas brancas, um moletom, um agasalho e uma calça para educação física, além de uma camisa e uma calça do tipo farda, uma jaqueta tactel para uso diário em solenidades e uma boina.
Os problemas nos uniformes também foram apontados pelo deputado estadual Soldado Fruet (PROS), que relatou a “fúria dos pais e responsáveis” da região de Foz do Iguaçu. Fruet afirmou, ainda, que algumas peças foram produzidas no Paraguai, conforme consta nas etiquetas de algumas peças.
“As camisetas oferecidas pela empresa ganhadora da licitação foram confeccionadas com material transparente e de qualidade duvidosa”, escreveu o deputado em ofícios a quatro comissões da Assembleia Legislativa do Paraná. “Colocamos uma das camisetas para cobrir um livro didático, mas nem isso é capaz de fazer, restando possível ler, sem qualquer esforço, o texto da sua capa.”
Ao Estadão, Fruet disse ter sido informado sobre um “problema” em “determinados lotes”. Não viu, no entanto, “nenhuma movimentação do Estado na questão de recolher o lote para trocar” as peças. “Provocamos o Estado para que leve para uma empresa especializada e fazer um teste desse uniforme, se realmente é aquilo que está na etiqueta.”
A falta de uniformes para estudantes obesos ou com sobrepeso tem causado “bullying” nas escolas, de acordo com o deputado. “Por que não seguraram esses uniformes para distribuir para todo mundo?”, perguntou Fruet. “Se não tem para um, não tem para ninguém. Segura, distribui quando tiver para todo mundo. Agora, fica metade da sala uniformizada e metade não tem. Tem alunos que não querem ir para a escola, com vergonha.”
A deputada estadual Cristina Silvestri (Cidadania), que comanda a Procuradoria Especial da Mulher, na Assembleia, pediu explicações à Secretaria de Educação. Em nota, ela informou que a questão da “transparência” foi apurada com chefes de Núcleos de Educação do Estado. “Este parece ter sido um problema registrado apenas na regional de Foz do Iguaçu”, observou. “Entretanto, precisamos aguardar a resposta oficial da secretaria para alinharmos o próximo passo.”
Esta é a primeira vez que o governo paranaense abre uma licitação para dar uniformes aos alunos da rede estadual. Até a implantação das escolas cívico-militares, os pais precisavam comprar as vestimentas, que eram das cores preta e amarela.
O processo licitatório foi impugnado por concorrentes da Triunfo, que reclamaram das especificações técnicas de tecidos e da exigência de comprovação de patrimônio mínimo de R$ 7 milhões. A cláusula constou de um edital publicado em março e chegou a ser retirada na republicação do documento. Após questionamento da Nilcatex, em 7 de junho, o pré-requisito voltou ao edital.
Em parecer, a Secretaria de Educação do Paraná afirmou que a condição era “imprescindível” para dar segurança à contratação e entrega do material dentro dos prazos estabelecidos. “A exigência do capital social mínimo de 10% não interfere na competitividade das empresas, prevenindo sim, prejuízos maiores à Administração Pública, em caso de inadimplemento”, argumentou a Secretaria.
Concorrentes também questionaram os prazos de entrega das roupas. O primeiro lote com 25% dos uniformes deveria ser recebido pelo governo em 30 dias após a assinatura do contrato. Uma das concorrentes, a Novo Tempo Indústria e Comércio de Artigos Escolares, pediu prazo mínimo de 120 dias. A AVM Vila Militar Confecções relatou que o tecido necessário para confecção de parte dos uniformes não é produzido no Brasil e há apenas uma empresa no País que importa o material da China.
“A empresa que vencer o certame terá de esperar por 150 dias para receber o tecido, e, a partir daí, iniciar a fabricação para entrega, tornando impossível o cumprimento dos prazos de entrega previstos pelo edital, a não ser que alguma empresa tenha antecipadamente se preparado para uma entrega exatamente igual ao ora licitado, arriscando não lograr êxito no certame. Algo impensável, do ponto de vista empresarial”, afirmou a AVM, que disse fornecer uniforme para colégios da PM do Paraná “há anos”.
A Nilcatex, um de seus sócios, outras cinco empresas e 11 pessoas físicas foram considerados culpados pelo Cade por formação de cartel em licitações para compra de uniformes e kits de materiais escolares para alunos da rede pública de ensino. O conluio operou em São Paulo, Santa Catarina, Goiás e no Rio entre 2007 e 2012, segundo o órgão que combate este tipo de cartel.
O julgamento do Cade indicou que o grupo mantinha “contato permanente” para fixar preços e ajustar vantagens em licitações, dividindo o mercado. As multas aplicadas aos condenados superaram os R$ 97 milhões. As provas das práticas anticompetitivas, de acordo com o conselho, foram obtidas durante busca e apreensão, em 2012.
Questionada sobre o processo licitatório, a qualidade dos uniformes e a falta de peças para estudantes, a Secretaria de Educação do Paraná defendeu a licitação. “O processo de compra dos uniformes seguiu todos os trâmites legais, através de pregão eletrônico, e as entregas estão acontecendo dentro do prazo”, destacou a pasta.
Segundo a Secretaria, a malha das camisetas está “dentro do padrão licitado”, com tecido composto por poliéster e viscose na cor branca. “No momento, em alguns locais, existe a falta de tamanhos grandes (para alunos com mais idade, no ensino médio), mas já está em andamento a aquisição de conjuntos em tamanhos maiores. O lote com itens da farda (com camisa farda, calça farda e jaqueta tactel) ainda não começou a ser entregue.”
Durante mais de uma semana o Estadão tentou contato com as empresas Triunfo e Nilcatex, por e-mail e por telefone, mas não obteve retorno.
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