Lira prega mais transparência nas “emendas de relator”

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Foto: Cleia Viana/Camara dos Deputados

Depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter confirmado a liminar da ministra Rosa Weber, que suspendeu o pagamento das emendas do relator, apontadas pela oposição como um orçamento secreto do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendeu um projeto para conferir transparência a esse procedimento.

“Decisão não se comenta, decisão se cumpre e se contesta. Há uma discussão, e ela é transversal a respeito desse assunto. Ela tem uma narrativa, e a nós só vai caber esclarecer mais ainda, com mais transparência, propondo o que pode ser possível, com um projeto de lei que altera a resolução zero um para ficar mais transparente”, afirmou.

O deputado fez as declarações ontem, em Lisboa, depois de participar de um evento em comemoração aos 25 anos da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), promovido por políticos brasileiros.

Lira disse que o tema das emendas do relator foi politizado e pediu confiança para que os parlamentares esclareçam os pontos criticados. “Neste momento, em vez de se criticar o que tecnicamente não se conhece, é importante que se dê oportunidade ao Parlamento — que sempre foi aberto, que modifica a vida das pessoas com essas emendas — de explicar e de deixar esse debate mais claro, sem politizá-lo, como tudo que vem acontecendo no Brasil”, frisou.

As emendas do relator, também chamadas RP9, foram incluídas no Orçamento em 2020 e têm sido usadas pelo governo como moeda de troca por apoio político no Congresso. Às vésperas da aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios, com a qual o governo pretende viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, foram empenhados cerca de R$ 900 milhões dessas emendas como reserva para pagamento de obras, serviços e equipamentos em redutos eleitorais de parlamentares aliados.

O valor aprovado para este ano em RP9 é de R$ 16,8 bilhões. Até o momento, foram empenhados R$ 9 bilhões. Após a decisão do plenário do Supremo de manter a suspensão desses pagamentos, os parlamentares, agora discutem o que fazer com os recursos que não foram empenhados.

Além do projeto citado por Lira, há outras opções. Uma delas é alterar a classificação do dinheiro previsto nessa verba para uma outra dentro do Orçamento: a chamada RP2, que é o código de despesas do governo. Com isso, as verbas ficariam na mesma conta das que fazem parte do funcionamento normal da máquina pública. Nesse caso, não seria tornado público o valor negociado com parlamentares.

Apesar de ser um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro, Lira afirmou que seria um retrocesso deixar o comando das emendas só com o Executivo. Atualmente, as indicações são feitas por um seleto grupo de parlamentares aliados, com base em acertos informais e sem transparência na cúpula do Congresso.

“Se houver uma reversão, para o RP2, por exemplo, que volta para o comando do Executivo, aí, sim, nem a imprensa, nem os deputados, nem a população saberão da discricionariedade do Poder Executivo. Ele vai dar a quem ele quiser atender, com quanto ele quiser atender, quando quiser atender”, argumentou Lira.

Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, toda essa discussão não seria necessária se o governo cumprisse o que determina o artigo 86 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020.

Esse dispositivo diz o seguinte: “A execução orçamentária e financeira, no exercício de 2021, das transferências voluntárias de recursos da União, cujos créditos orçamentários não identifiquem nominalmente a localidade beneficiada, inclusive aquelas destinadas genericamente a Estado, fica condicionada à prévia divulgação em sítio eletrônico, pelo concedente, dos critérios de distribuição dos recursos, considerando os indicadores socioeconômicos da população beneficiada pela política pública”.

Na avaliação de Castello Branco, “o importante é que se altere esse ataque, que se procure atuar na essência”. “A essência é isso. É nós termos referenciais, parâmetros técnicos, parâmetros socioeconômicos, para orientar essas programações genéricas. Caso contrário, sempre vai depender de alguém alocando recursos, seja um parlamentar, seja um membro do Executivo.”

O embate entre o Legislativo e o Judiciário promete novos capítulos. O clima entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o Supremo não é dos melhores, mas a tendência é de que o Congresso se veja forçado a encontrar uma maneira de dar mais publicidade ao uso das emendas do relator. Para isso, o governo precisará encontrar formas de negociar com os parlamentares dentro das regras.

Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), não há a devida transparência nas emendas do relator. A advogada constitucionalista Vera Chemim afirmou que os princípios da administração pública são claros quanto à necessidade de especificar como e por quem os recursos estão sendo utilizados.

“Não importa a natureza das emendas, se é de relator, individual, de bancadas. A distribuição tem que ser feita de forma igualitária para todos os deputados e senadores que querem atender às necessidades de suas regiões”, destacou. “E o principal: têm de ser distribuídas de forma impessoal. Não pode ser um valor maior para determinado deputado, uma quantidade de emendas maiores. Tem de atender de forma equitativa e igualitária.”

Conforme a especialista, “no momento em que não se fala quando e para onde vão os recursos, não se sabe quem é o deputado, senador, quanto é”. “Não se sabe se há obediência ao princípio da igualdade e, consequentemente, se não está afrontando o princípio da impessoalidade. Naquele momento em que o relator destina uma emenda para uma ponte, hospital, você não sabe se ele está dando mais para uma região em detrimento de outra.”

De acordo com Chemim, mesmo que o uso do dinheiro esteja sendo feito dentro da legalidade, se não há transparência, trata-se de um ato ilegal. A advogada também refuta a ideia de Lira e de outros parlamentares que dizem haver uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo. “Quando há afronta à Constituição Federal, o STF, sendo o guardião dela e o poder moderador, teria direito de interferir”, argumentou.

Já o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, prevê que uma eventual divulgação dos nomes dos parlamentares beneficiados com as emendas do relator poderá provocar um racha na base aliada do governo, já que a distribuição das verbas é desigual entre os parlamentares.

“Imagine a seguinte situação: eu e você somos deputados. Eu recebo 100, você recebe 500. Caso venham à tona esses dados, se revelarão ambientes, castas, no âmbito do Congresso. Por que eu recebi 100 e você, 500? Não se trata mais de um homem e um voto. Vira um homem, um voto, mais um dinheiro extra”, disse. “Para quem está operando esse sistema, se torna um risco. Com essa transparência, a casa não cai, mas pode sofrer fortes abalos, com uma grande rachadura na parede. Isso é uma preocupação que está na cabeça dos operadores do Congresso.”

CMO debate
As emendas do relator foram tema de audiência pública na Comissão de Mista de Orçamento (CMO), ontem. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que propôs o debate, informou que mais de 40 entidades da sociedade civil já encaminharam à Câmara manifestação em favor da transparência das emendas de relator. “Precisamos dar transparência, nosso papel é fiscalizar o Orçamento. As emendas individuais são impositivas desde 2015. As de bancada, desde 2019. Temos de discutir as emendas do relator. O relator indica tudo, mas a gente não sabe os critérios utilizados para os valores. Temos que discutir as soluções”, sustentou.

Correio Braziliense

 

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