Número de negros não cresce no serviço público nem com cotas

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Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Desde a implementação da política de cotas na administração pública (instituída pela Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014), que reservou um mínimo de 20% de vagas para negros em concursos, não houve aumento expressivo no estoque de pessoas negras no serviço público.

A política de cotas está correlacionada a um aumento de 3% no número de negros no serviço público, o que é um número considerado estável e inferior ao esperado pelos gestores de políticas públicas. No acumulado, o total de servidores negros ativos no ano de 2019 soma 30% da força pública de trabalho.

Apesar de garantir um piso para novas nomeações de negros do serviço público, a implementação da legislação, da forma como foi feita até aqui, foi insuficiente para garantir uma equiparação do número servidores negros com a população negra brasileira.

Os dados constam da pesquisa da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) sobre servidores que ingressaram no Poder Executivo Federal por concurso público entre 2014 e 2019.

A pesquisa ressalta que não existe, no âmbito do Poder Executivo federal, uma sistematização das informações, o que impede uma análise estatística mais aprofundada sobre os impactos da lei. Segundo um dos coordenadores da pesquisa, Wanderson Maia Nascimento, existe um problema de fiscalização da política atrelada a fragilidades no Sistema de Gestão de Pessoas (SGP) do governo federal.

No Sistema Integrado de Gestão de Pessoas (Sigepe) não existe a informação sobre se o servidor ingressou pela reserva de vagas de cotas raciais, o que dificulta o processo de avaliação da política de cotas na administração federal.

“Infelizmente, o sistema de gestão de pessoas ainda é muito focado nos dados voltados para folha de pagamento (dados de tempo de serviço, progressão de carreira, etc.), o que impossibilita um controle de gestão de pessoas que viabilize uma boa implementação e posterior avaliação da politica pública”, destaca o estudo.

“Afinal, qual seria o perfil desse servidor cotista? Os editais de concurso têm passado por uma fiscalização governamental para verificar o cumprimento da Lei de Cotas?” Essas indagações só passaram a ser levantadas a partir dessa avaliação, pois antes desse estudo não se sabia o perfil desse servidor nem como a administração estava implementando essa política pública.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já proferiu algumas decisões acerca da implementação da lei. Ainda assim, praticamente inexistem parâmetros que regulamentem seu monitoramento e sua avaliação. Não há ainda, por exemplo, obrigatoriedade de registo do ingresso de servidores cotistas em bancos de dados públicos.

A pesquisa aponta uma série de entraves institucionais e estruturais para se atingir o percentual mínimo de negros no serviço público previsto pela legislação. Os principais ocorrem em dois momentos na realização dos concursos: na fase do edital de abertura e nas nomeações publicadas em portarias no Diário Oficial da União (DOU).

Na avaliação, foi observada que a estratégia para o não cumprimento dos 20% no edital foi a pulverização das vagas. Assim, as reservadas para cotistas são garantidas apenas em algumas carreiras e cargos de um concurso. No caso das nomeações, foram identificados alguns problemas, como o não cumprimento das cotas na formação do cadastro reserva, que funciona como uma lista de espera.

Além disso, foram identificadas ausências de pessoas inscritas como cotistas e aprovadas em número suficiente para se ocupar as vagas reservadas para negros. Em muitos desses casos, não há pessoas negras com formação suficiente para concorrer às vagas, o que indica um problema anterior na formação acadêmica.

Esse fato exige reformulações da política de cotas nas instituições federais e universidades, tanto para ingresso de estudantes nos níveis de pós-graduação quanto para a seleção de professores.

“Não adianta ficar feliz apenas porque as cotas foram implementadas. As pessoas negras estão ingressando nas carreiras da administração pública? Ok, elas estão entrando, mas essa avaliação aponta que isso está ocorrendo com muitos entraves, e esses entraves são institucionais, passam por uma dificuldade de fiscalização dos editais, por uma dificuldade que a administração tem de encarar a política de cotas como algo estratégico para a gestão pública”, frisou o coordenador do estudo.

C0mo as pessoas negras são a maioria da população brasileira, os pesquisadores defendem que o ingresso delas na administração pública é estratégico para o aprimoramento da qualidade do servidor público. “Quem conhece na profundidade problemas e desafios dos serviços na ponta, quando ingressa, tem um outro olhar e uma capacidade mais ampla para colaborar com a resoluções dos problemas públicos.”

Ainda segundo Nascimento, os resultados não promissores servem para apontar caminhos para sua melhoria.

“Os números não estão bons porque a administração pública precisa enfrentar de maneira mais profunda o racismo estrutural. Esses números revelam a urgência da continuidade da política de cotas no setor público”, assinalou Nascimento. “A política de cotas tem o seu potencial, e os erros de não haver um bom resultado agora ou um bom número não está na política de cotas em si, está em como a administração pública no geral tem implementado essa política pública”.

A pesquisa também realizou grupos focais com servidores negros para identificar outros gargalos. Além de a política ainda não ter gerado resultados quantitativos expressivos, a Enap identificou que existem problemas de ascensão da carreira para pessoas negras para além dos métodos de tempo de serviço.

“Quem de fato consegue estabelecer elo de confiança com a sua chefia imediata? Isso tem a ver com redes, e redes que são construídas anteriormente ao serviço público”, pontuou Wanderson Maia Nascimento. Na visão dele, o racismo estrutural da sociedade complementa o diagnóstico.

Nascimento salientou que é preciso não apenas aumentar a representação de pessoas negras no serviço público, como também garantir que essas pessoas sejam atores e agentes dentro do serviço público.

A política de cotas raciais no serviço público veio na esteira das ações afirmativas para a população negra no Brasil, que começaram a ser implementadas no início dos anos 2000. As cotas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, reconhecidas por lei em 2012, prepararam o terreno para a implementação da política em concursos públicos.

A reserva de vagas é aplicada toda vez que o número de vagas do concurso for igual ou superior a três, e deve constar expressamente nos editais, onde deverá estar especificado o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.

Segundo a lei, os candidatos negros concorrem concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência. Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.

De acordo com entendimento do STF, a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros:

Os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos;

a reserva deve ser aplicada em relação a todas as vagas oferecidas no concurso público (não apenas naquelas oferecidas no edital de abertura);

deve-se aglutinar, sempre que possível, as vagas em concursos com baixo número de vagas; e

a ordem classificatória obtida a partir da aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos aprovados deve produzir efeitos durante toda a carreira funcional do beneficiário da política.

Metrópoles  

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