PSDB ainda mantém crença em recuperação
O PSDB que chega fraturado às prévias para a escolha de seu candidato à Presidência neste sábado (27) terá o desafio de se mostrar uma peça relevante na chamada terceira via, seja João Doria (SP) ou Eduardo Leite (RS) o vencedor do processo iniciado —e pausado— no domingo (21).
Se, antes dos problemas no aplicativo de votação, tucanos se mostravam convictos da importância do partido para as definições de outras peças do jogo eleitoral, a semana mostrou que a relação de dependência é frágil, com atores se movimentando alheios ao quiproquó da sigla.
A retomada da eleição interna neste sábado, com a expectativa de consolidação do resultado, foi anunciada na véspera, depois de uma semana de aprofundamento das divisões e de busca por uma nova ferramenta de votação —há a suspeita de que o app anterior tenha sido hackeado. A votação deve se estender das 8h às 17h, com o resultado previsto para as 20h.
Doria, Leite e o terceiro concorrente, Arthur Virgílio (AM), que não tem chance de vencer, saem chamuscados e com a missão de unir o partido aos setores que tentam neutralizar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido, a caminho do PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Embora a cúpula do PSDB resista às previsões de derrocada, forças que também se articulam para enfrentar os dois favoritos pintam um quadro distante do passado de glórias que tucanos evocam.
Mesmo após a desorganização das prévias, persiste o discurso de que a legenda é um polo de aglutinação, terá a cabeça de chapa e despontará como a candidatura mais competitiva.
Já dirigentes de outras siglas veem o PSDB como parte importante do jogo da centro-direita, mas não necessariamente um protagonista. Afirmam que o partido já foi líder da centro-direita nos últimos cinco pleitos, tendo perdido todos. Para obter apoio, lembram, é preciso estar disposto a apoiar.
A realidade após o fiasco da votação de domingo jogou por terra a propalada versão de que demais atores esperariam a decisão do PSDB. A começar pelo ex-juiz Sergio Moro (Podemos), figura hoje envolta em certa euforia entre uma parte dos que trabalham por uma opção a Bolsonaro e Lula.
Assessores ligados ao ex-magistrado dizem que a pendenga tucana passou longe das preocupações nos últimos dias, período em que ele colheu frutos de sua filiação, ampliou a agenda de pré-candidato e viu ingressar no Podemos o aliado Santos Cruz, general também ex-ministro de Bolsonaro.
O entorno de Moro diz que a prioridade é consolidar o projeto do ex-juiz, embora não esteja descartada uma aproximação futura com o PSDB em eventuais composições da tumultuada terceira via.
Mesmo Bolsonaro, que chegou a ser aconselhado a esperar a conclusão das prévias para dar um desfecho à novela de sua filiação partidária, avançou em direção a uma decisão independentemente do imbróglio no tucanato e, pela segunda vez, anunciou que entrará no PL.
O impasse se dava em razão do compromisso firmado pelo partido de Valdemar Costa Neto de endossar em São Paulo a campanha de Rodrigo Garcia (PSDB), o que desagrada ao titular do Planalto. Diante do aceno do PL de que poderá abortar o apoio, a filiação foi marcada para terça-feira (30).
O presidente, que se move na intenção de fustigar os planos de Doria de chegar ao Planalto e fazer seu sucessor no estado, ainda usou o fiasco provocado pelas falhas no aplicativo de votação para alfinetar os rivais do PSDB. “É o tal do voto eletrônico, aí”, ironizou na segunda-feira (22).
Em outra frente, dois nomes que povoam a terceira via tampouco aguardaram uma solução do enrosco tucano para andarem algumas casas no tabuleiro.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), discursou em tom de pré-candidato em um evento da legenda presidida pelo ex-ministro Gilberto Kassab na quarta-feira (24) e, em entrevista exibida no mesmo dia pela GloboNews, disse se incluir no rol de presidenciáveis para 2022.
“O PSD tem uma decisão já tomada há muito tempo de ter candidatura própria”, diz Kassab. “Queremos ir até o fim. Desejo sorte aos candidatos, quaisquer que sejam. É natural que cada partido tenha sua candidatura própria. O eleitor vai definir o que quer.”
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) também terminou a semana com a pré-candidatura confirmada por seu partido, criando mais um fato político enquanto o PSDB prosseguia no bate-cabeça.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, diz que Simone “vai crescer pelas qualidades que ela tem” e frisa o fato de ela ser até aqui a única mulher no páreo. “Ela demonstrou, na CPI da Covid, ter coragem e preparo, ter espírito público. Em abril, ela estará na frente dos demais candidatos e vai encabeçar a disputa.”
Placas tectônicas se moveram ainda no DEM, partido que tem Luiz Henrique Mandetta (MS) como pré-candidato e se fundirá ao PSL para criar a União Brasil. Com alas do PSL pregando apoio a Moro, circulou na quinta-feira (25) a hipótese de desistência de Mandetta, que foi a público negar a informação.
No Novo, que trabalha a pré-candidatura de Luiz Felipe d’Ávila (um ex-tucano, por sinal) e defende o afunilamento das candidaturas, a avaliação é a de que o PSDB terá um papel nessas discussões, mas a envergadura da sigla no cenário eleitoral ainda é incerta.
“Não dá para subestimar o poder de negociação de um partido que governou o país por dois mandatos e venceu ou ficou em segundo lugar em todas as eleições de 1994 a 2014”, diz o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.
O ex-senador tucano Aloysio Nunes (SP), que usou expressões como vexame e desânimo ao comentar os problemas nas prévias, diz à Folha que tanto Doria quanto Leite sabem que “o PSDB isolado, sozinho, terá muita dificuldade em romper essa polarização”.
Os dois pré-candidatos se comprometeram a dialogar com outros presidenciáveis. O paulista, no entanto, é visto por parte dos colegas de sigla e por dirigentes da terceira via como menos agregador, ou seja, alguém que possui um projeto pessoal e vai concorrer de qualquer forma.
O gaúcho, desde o princípio, foi tido como espécie de “candidato a vice” da terceira via. Ele, então, passou a dizer que não abandonaria o Governo do Rio Grande do Sul para ser vice, mas que poderia eventualmente atuar apenas como apoiador, caso outro nome se viabilizasse em seu lugar.
“Romper o isolamento é uma necessidade”, afirma Aloysio, que faz campanha para Doria. “Quem vencer tem que fazer um movimento para dentro, para aparar arestas e superar mágoas, e depois um movimento para fora. Vai ter que dizer o que nós queremos para o Brasil.”
Aloysio admite que o PSDB “está esvaziado, dividido e carente de uma unidade”, mas está “fazendo um enorme esforço” para sair do buraco. “Apesar dos trancos e barrancos, vamos conseguir concluir as prévias. Quero que sejam concluídas logo porque ficamos em evidência por uma situação ridícula.”
O aplicativo de votação de prévias no PSDB entre João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio, que travou no domingo (21) – Divulgação PSDB
Para o presidente do PSDB, Bruno Araújo, no entanto, a crise não terá peso em 2022. “Estamos em uma maratona, não é corrida de cem metros”, compara, defendendo ainda o timing da votação. “Estamos oficializando um candidato a um ano da eleição. É a primeira vez que confirmamos tão cedo”, diz.
“Claro que tínhamos a expectativa de uma festa completa, bonita, e parte do brilho foi interrompido. Mas, desde que o processo seja concluído, ninguém vai tirar do PSDB essa iniciativa de escolha de candidato. O eleitor não vai deixar de escolher [o tucano] porque o sistema não funcionou”, afirma.
Estrategistas de Doria e Leite também convergem nessa avaliação. “A terceira via se mexeu, mas não definiu nada. É ótimo que todos anunciem candidatura”, afirma o senador José Aníbal (SP), apoiador de Leite, para quem a semana de atraso nas prévias foi “um arranhão” apenas.
“A expectativa segue em torno do PSDB. O partido tem maior condição de agrupar não só a terceira via, mas os eleitores do Brasil, e dar a volta por cima do que aconteceu em 2018”, completa Aníbal.
Entre aliados de Doria, o saldo é positivo –propagam que o drama do aplicativo logo será esquecido e que foi benéfico ficar sob holofotes mais tempo do que outras siglas. “Concluindo as prévias, o problema estará superado”, diz o presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi. “Foi uma questão técnica, não política.”
O alto clero do tucanato afirma que o capítulo final das prévias é determinante para, por exemplo, a definição da União Brasil sobre eventual parceria que envolva o PSDB e siglas do centro. Além disso, é citada a decisão do ex-governador Geraldo Alckmin sobre deixar ou não o ninho.
Empenhado em votar em Leite, Alckmin ficará na sigla pelo menos até o resultado das prévias. No caso de o gaúcho sair vitorioso, o ex-governador terá margem de manobra para disputar o Palácio dos Bandeirantes. Controlado por seu rival Doria, o diretório estadual já confirmou Garcia pré-candidato.
Folha de SP