Bolsonarista arrependido, general-político compara Lula a Bolsonaro
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Apesar de críticas que ele próprio faz à tentativa de Jair Bolsonaro (PL) de politizar as Forças Armadas, o general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz seguiu o caminho do ex-juiz Sergio Moro, filiou-se ao Podemos e entrou de vez para a política.
Em entrevista à Folha, ele explica por que decidiu se aliar ao ex-companheiro de governo e dispara: “O retorno do ex-presidente Lula ou a reeleição de Bolsonaro seria um grande retrocesso para o Brasil.”
“Os dois destruíram a democracia, um destruiu a esquerda, o outro destruiu a direita”, afirma.
Ex-ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, por quem foi demitido em junho de 2019, o general afirma que o mandatário descumpriu uma série de promessas de campanha, a começar por buscar a reeleição, passando por se juntar ao centrão.
“O grande traidor deste país se chama Jair Messias Bolsonaro”, afirma. “Essa tentativa de transferência de traição não cola”, diz, sobre mandatário se referir desta forma a Moro.
Santos Cruz afirma que Bolsonaro tentou arrastar as Forças Armadas para o jogo político do governo, mas avalia que não há chance de isso ocorrer em um eventual governo Moro, embora o ex-juiz também busque se cercar de militares.
Por que o sr. decidiu entrar para a política? Primeiro lugar, a decisão de participar da vida pública foi amadurecendo pouco depois que eu saí do governo [em junho de 2019], quando existia uma tentativa do governo de arrastar as Forças Armadas para o jogo político.
O meu objetivo é participar da vida pública com mais intensidade para expressar o que acho, que estamos sendo governados de forma descabida.
O Brasil sofreu um retrocesso muito grande no relacionamento institucional necessário numa democracia. Isso já vinha acontecendo antes desse governo, quando a gente volta ao mensalão, essa destruição da democracia.
Segundo, que as Forças Armadas têm de ser valorizadas, preservadas e não podem ser instrumento de jogo político. Terceiro, [porque] o retorno do ex-presidente Lula ou a reeleição de Bolsonaro seria um grande retrocesso para o Brasil.
Então, decidi auxiliar o Moro, que é uma das boas opções, para que o Brasil não fique nesse dilema da polarização, que não vai trazer benefício nenhum, vamos viver de campanha de baixaria, vamos continuar no retrocesso institucional.
Os dois [Lula e Bolsonaro] destruíram a democracia. Um destruiu a esquerda, o outro destruiu a direita. E eu, me filiando ao partido, tenho melhores condições de influir nesse apoio. É por isso.
O sr. citou o mensalão. No caso do Bolsonaro, a negociação de emenda de relator seria um ataque à democracia na sua visão, é isso? A democracia pressupõe independência entre os Poderes. Se eu pego o dinheiro a que tenho acesso como Executivo e compro o Legislativo, eu destruí um fundamento básico, que é a independência entre Poderes.
Bolsonaro fez isso ao negociar emendas de relator, e Lula, com o mensalão. Você não pode negociar dinheiro público e benefício pessoal. Tenho de negociar outros parâmetros, políticas públicas.
Mas emenda parlamentar, em si, não é ilegal… Emenda não é ilegal. Mas a maneira como ela [a de relator] foi feita é que não pode. Os cidadãos têm de saber quem pediu e quanto foi gasto por cada parlamentar. Sem transparência, é deterioração da democracia.
O sr. disse na sua filiação, como Moro, que há pessoas boas na política e não se pode criminalizá-la. No centrão há pessoas boas? Em todos os partidos tem pessoas boas e pessoas ruins.
A cúpula e boa parte do Congresso respondem a processos. Uma vez no Parlamento, dialogaria com essas pessoas, com Arthur Lira (PP-AL), por exemplo? Sim. Ele tem uma função importante na Câmara. Ele representa a Câmara e tem de respeitar a instituição. O problema particular tem de resolver na Justiça. Você não pode adotar posições moralistas e sair julgando quem é bom ou ruim.
Então o sr. sendo eleito, Moro sendo eleito, o sr. é a favor de sentar e fazer composições inclusive com integrantes do centrão? Com todos os políticos. O que você tem de estabelecer são quais os parâmetros políticos que você deve usar nas negociações. Se eu sou presidente, tenho de dizer: eu não negocio benefícios pessoais nem dinheiro público.
A qual cargo deve se candidatar? Não cogito sair candidato a nada nesse momento. Vou conversar com o partido. Se eu for colocado numa caixinha dessas, se acharem que tenho expressão, tudo bem, eu vou.
O partido já falou da possibilidade de o sr. sair candidato ao Senado? Superficialmente.
Por que o sr. acredita no Moro, que não tem experiência política? As grandes besteiras que eu vi não foram de quem não tinha experiência, foi de quem tem experiência. Ele foi juiz por 22 anos, professor universitário, tem cultura.
Moro ficou no governo após a sua saída, mas, ao sair, foi tachado de traidor, algo abominado na política. Ele já era abominado por uma ala de políticos, acusado de parcialidade nos processos da Lava Jato, e passou a ser por outra depois de deixar o governo. Moro traiu Bolsonaro? Não. O grande traidor deste país se chama Jair Messias Bolsonaro. Ele traiu todas as promessas de campanha. Traiu um país inteiro.
Eu vou dar só um exemplo. Ele falou que era contra a reeleição, mas governa desde o primeiro momento pela reeleição. Tudo que ele está fazendo em termos orçamentários é por conta da reeleição.
Não cantaram musiquinha de que o centrão era um bando de criminosos? Ele descaracterizou o Coaf. Ele não prometeu que tinha de acabar com o toma lá da cá?
Ele se comportava como um sujeito crítico da política quando ele era parte da política. Agora que ele se filiou ao PL, voltou para casa, como ele falou. Essa tentativa de transferência de traição não cola.
Moro foi considerado suspeito pelo STF nos processos em que atuou contra Lula e é acusado pela política de ter interferido nas eleições de 2018. O sr. concorda? Não, porque todas as decisões passaram por segunda instância, STJ [Superior Tribunal de Justiça] e STF [Supremo Tribunal Federal], que depois voltou atrás.
Justo agora, em que diz haver tentativa de arrastar as Forças para o jogo político, o sr. entrará para a política. Não há contradição? Não. Todo militar, como cidadão, é eleitor. Quando ele faz sua escolha política, não representa as Forças, está exercendo a sua cidadania, normal. São coisas distintas.
Eu exerço minha função como cidadão. Não estou representando o Exército quando me filio a um partido político, quando eu voto.
Outra coisa que precisa ter um bom entendimento é sobre o militar da ativa e da reserva. Quando passa para a reserva deixa de ter representação institucional.
O sr. defende que o militar para ocupar postos políticos tenha de ir para a reserva? Sem dúvida nenhuma.
É uma legislação que não tem legalidade e precisa ser aperfeiçoada e não só para os militares, para todos aqueles que estão em carreira de Estado.
Você tem o Ministério Público, Polícia Militar, Judiciário, e não deve ser feito só no nível federal.
O sr. apoia a PEC que está na Câmara que impede os militares da ativa de ocuparem cargos na administração pública federal? Desta forma, ela é discriminativa com os militares porque você tem de fazer isso para todas as carreiras de Estado.
O sr. disse que o Bolsonaro fez uso político das Forças… Tentou fazer. E acontece de certa forma pelo número de pessoas que não são da ativa, mas dão percepção de que as Forças estão comprometidas com o governo, mas elas não estão comprometidas.
Elas vão se comprometer com Moro? Não, com ninguém. Não podem se comprometer com ninguém, com governos de momento.
Mas o ministro Moro, ao convidá-lo a se filiar ao partido, tem o interesse de trazer para perto de si a ideia das Forças Armadas. Não, não tem. Eu acho que você está completamente enganada. Ele nunca teve e não tem.
Mas no dia da sua filiação, ele publicou uma foto em que se reuniu não só com o sr., mas também com o general Rêgo Barros [ex-porta-voz do governo Jair Bolsonaro]. Que também é da reserva.
Certo. Mas também não deixa de ser um símbolo das Forças Armadas. Mas o pessoal da reserva tem todo o direito legal e não representa as Forças Armadas como instituição.
O ministro não foi oportunista ao procurá-lo? Por mais que o sr. diga que não representa as Forças, não deixa de ser um sinal de que um pedaço do eleitorado que já foi de Bolsonaro está com Moro. Não tem oportunismo nenhum.
Oportunismo é você ir a Israel tomar banho no rio Jordão para cativar os evangélicos. Não foi ele que fez contato comigo, foram os partidos políticos e não são oportunistas.
No governo Bolsonaro, muitos generais da reserva fizeram campanha, como o general Augusto Heleno. Não há um risco de acontecer com o Moro o que ocorreu com Bolsonaro, como o sr. disse, uma tentativa de captura das Forças? O caso do Bolsonaro, que teve general que acompanhou, da reserva, não tem nada a ver com as atitudes dele depois, como presidente, de ter comportamento populista que levou esta ideia de vincular Forças Armadas com o governo.
Todos os governos tiveram militares em funções, primeiro escalão ou segundo escalão. Não vejo problema nisso porque no meio militar tem pessoas que podem colaborar com programas de governo.
O sr. falou com Moro sobre esse receio de as Forças serem usadas? Nunca. Essa ideia nem existe. O que existe é uma ideia de valorização completa das Forças Armadas dentro da sua finalidade constitucional.
Tem medo de se decepcionar novamente? Não, não tenho. São pessoas completamente diferentes.
O sr. fala isso, mas já conhecia o presidente Bolsonaro antes de entrar no governo… Conhecia da época desportiva, de alguns contatos.
Não era amigo dele? Eu conhecia o Bolsonaro da época mais jovem, na área de esporte, não em ambiente de trabalho. Depois, ao longo da vida, moramos perto um do outro. Depois, ele como parlamentar, nos encontramos. Mas nunca tive contato em um ambiente de trabalho.
Só depois de seis meses de governo o sr. conheceu o Bolsonaro? Não fosse a briga com os filhos dele, com o Olavo de Carvalho, o sr. teria ficado no governo? Primeiro lugar que eu não entrei em briga com o filho dele porque eu não vou ficar discutindo baixaria com filho de presidente. Estou fora. Nem com Olavo.
O nível daquilo ali não dá nem para repetir aqui para você. Mas o problema não é só aquilo ali. E o início do governo foi muito infectado por esses grupos extremistas. Grupos do qual o presidente faz parte.
RAIO X
Carlos Alberto dos Santos Cruz, 69
General da reserva do Exército, foi ministro da Secretaria de Governo de janeiro a junho de 2019. No governo Michel Temer (MDB), foi secretário de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Comandou tropas da ONU (Organização das Nações Unidas) em missões para estabilização do Haiti e do Congo
Assinatura
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