Conselho Federal da OAB nunca teve presidente negro
Foto: Manoela Alcântara/Metrópoles
O espaço para mulheres e negros em cargos de chefia dentro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aumentou em 2021 sob a regra da paridade de gênero. Quatro estados elegeram mulheres pela primeira vez em 90 anos de OAB, por exemplo. No entanto, o caminho para a igualdade de gênero e racial dentro da entidade que representa os advogados brasileiros permanece estreito.
A falta de diversidade e a hegemonia de homens brancos no poder se perpetua por oito décadas. No Conselho Federal da OAB, por exemplo, desde 1933, nenhuma mulher ou negro ocupou a presidência.
Na última quinta-feira (2/12), o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um museu com a história da Corte no Brasil. Entre as diversas conquistas expostas no local, o painel dos presidentes eleitos para o conselho chama a atenção. Na homenagem aos que participaram e estão na gestão da entidade, não há fotos de negros ou de mulheres. Os rostos das 37 fotos enfileiradas mudam de ângulo, mas não cor ou gênero.
O Conselho Federal da OAB teve sua primeira sessão preparatória realizada em 6 de março de 1933. Em 9 de março, na segunda sessão preparatória, ocorreu a eleição da diretoria, sendo escolhidos Levi Carneiro para a presidência e Attílio Vivácqua para a secretaria-geral.
Foi nessa sessão especial que se completou a estrutura básica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Regimento Interno do Conselho, fixando sua organização administrativa, foi estabelecido em 13 de março de 1933.
À época, advogados eram essencialmente homens. No entanto, isso mudou ao longo da história. Hoje, as mulheres já os ultrapassam em número de formadas e de cadastradas na própria OAB.
Segundo dados da Ordem, existem hoje 1,2 milhão de advogados com quadro de cadastro regular na OAB. Nesse grupo, 623 mil são mulheres e 615 mil são homens. Essa realidade, no entanto, não é retratada nos quadros eletivos e de representação da categoria.
Em 2021, as mulheres conseguiram conquistas inéditas nas seccionais da OAB. Em quatro estados, elas conquistaram de forma inédita a presidência após eleições diretas entre os associados.
Em São Paulo, venceu Patrícia Vanzolini; no Paraná, Marilena Winter; em Santa Catarina, Cláudia Prudêncio; e na Bahia, Daniela Borges.
Em Mato Grosso, também foi eleita uma mulher, mas não pela primeira vez. Gisela Cardoso vai comandar a Ordem a partir de 2022. Ela é a segunda a estar no cargo. A primeira foi Maria Helena Póvoas, presidente em dois mandatos, de 1993 a 1997.
A realidade das conquistas femininas não se reflete, porém, no Conselho Federal, cujo presidente é o líder da OAB Nacional. A competência de deliberar, em caráter nacional, sobre propostas e indicações relacionadas às finalidades institucionais da OAB, instituir comissões permanentes para assessorar o Conselho Federal e a Diretoria, entre outras funções, é de homens brancos desde antes da primeira metade do século passado.
O Metrópoles conversou com a cientista política, doutora em história pela Unicamp, professora associada do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UNB) e ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, além de autora do livro Gênero e desigualdades: Limites da democracia no Brasil, Flávia Biroli, sobre o tema.
Para ela, ocorre na OAB e no Conselho Federal um fenômeno identificado como teto de cristal. “As mulheres adentram determinadas profissões, espaços, mas não crescem, porque os critérios, recursos, suportes mantêm, reproduzem as hierarquias, de modo que os homens têm prioridade”, relacionou a especialista.
Para Biroli, no caso da advocacia, as mulheres se formam mais no país do que os homens, são mais escolarizadas, mas enfrentam obstáculos como a reprodução das hierarquias preexistentes.
“Na advocacia, faz muita diferença o lugar de onde as experiências desses profissionais vêm. Em uma sociedade onde as experiências e as relações de gênero são desiguais, existem perspectivas de que os recursos econômicos, simbólicos e de acesso a lugares de destaque de mantenham”, disse.
Para mudar essa realidade, a especialista acredita que é preciso levar o assunto à discussão pública. “Não dá para fazer de conta que esse retrato desigual não existe. É preciso desnaturalizar esses dispositivos que reproduzem as hierarquias. Em segundo lugar, é necessário responsabilizar as instituições, no caso, a OAB , para que assumam compromissos de pluralidade e equidade”, analisa.
Questionada sobre a ausência histórica de negros e mulheres na presidência do Conselho Federal da OAB, a Ordem respondeu que nova redação conferida ao Regulamento Geral da OAB, em 2021, exige cotas para negros e mulheres nas eleições da OAB.
“São admitidas a registro apenas chapas completas, que deverão atender ao percentual de 50% para candidaturas de cada gênero e, ao mínimo, de 30% de advogados negros e de advogadas negras”, respondeu.
A partir deste ano, o percentual relacionado às candidaturas de cada gênero também deve ser aplicado nas eleições das Diretorias do Conselho Federal, dos Conselhos Seccionais, das Subseções e das Caixas de Assistência. Deve incidir sobre os cargos de titulares e suplentes o percentual mais próximo a 50% na composição de cada gênero.
O Conselho Federal é composto por integrantes das delegações de cada unidade federativa e por seus ex-presidentes, na qualidade de membros honorários vitalícios.
O diretoria do Conselho Federal é composta de um presidente, um vice-presidente, um secretário-geral, um secretário-geral adjunto e um tesoureiro. Ele é presidido pelo chefe eleito da Ordem no Brasil. O atual chefe do conselho e da OAB é Felipe Santa Cruz.
A advogada Dora Cavalcanti disputou a presidência da OAB de São Paulo e ficou em terceiro lugar. Ela disputou com a criminalista Patrícia Vanzolini, de 49 anos, que foi eleita para o mandato de três anos (2022-2024). Uma das bandeiras de Dora é a inclusão e a diversidade na OAB. Ela deu seu depoimento ao Metrópoles:
“Tendo participado do processo eleitoral para a OAB-SP, pude constatar o quanto a aprovação da política afirmativa para mulheres e pessoas negras na composição das chapas será fundamental para oxigenar os quadros da nossa entidade.
A advocacia deve estar sempre na vanguarda da luta pelo fortalecimento de um Estado de Direito verdadeiramente democrático, que há de ser acompanhada por maior igualdade de gênero e pelo imprescindível esforço para superar o racismo estrutural na sociedade brasileira.
Abraçar o discurso é sempre mais fácil do que abrir espaços na prática. Vimos isso nas campanhas Brasil afora. Apesar da resistência enfrentada, é preciso comemorar a eleição de cinco advogadas presidentes de seccionais e acompanhar com atenção as mudanças que virão no novo desenho do Conselho Federal.”
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