Egoísmo vacinal dos países mais ricos gera variantes
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Desde o início da imunização contra a Covid-19 em todo o mundo, mais de um bilhão de doses foram administradas na Europa, com a cobertura vacinal chegando a 53,5%. No Brasil, somando a primeira dose, a segunda, o reforço e a dose única, são mais de 3oo milhões de aplicações, com 73,5% do público-alvo totalmente imunizado. Na África, entretanto, o esquema vacinal completo inclui 103.152.223 pessoas, apenas 8,5% de cobertura em uma população de mais de 1,2 bilhão.
Os números mostram bem a desigualdade no acesso à vacina contra a Covid-19 entre os países, e notadamente as nações africanas são as mais prejudicadas. Um reflexo dessa disparidade é o aparecimento de novas variantes do coronavírus, como a Ômicron.
“O surgimento dessa nova variante nos chama atenção para um problema grave, que é a desigualdade no acesso às vacinas.” A constatação é do brasileiro Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas.
Segundo Barbosa, a baixa cobertura impacta o controle do vírus, que fica livre para circular, sofrer mutações e gerar novas cepas, como ocorreu também com a Delta, predominante em todo o mundo neste momento.
O vice-diretor ressalta que o acesso equitativo às vacinas, defendido pela Opas, “é, não só do ponto de vista de ser um imperativo moral, mas uma resposta de saúde pública, a melhor ferramenta que a gente tem para impedir novas variantes”.
Ao Metrópoles Barbosa destaca que os países precisam trabalhar por uma melhor distribuição das doses de imunizantes e voltar seus olhos para as nações menos desenvolvidas, como muitas do continente africano. “Enquanto o mundo não garantir o acesso equitativo às vacinas, provavelmente teremos o surgimento de novas variantes de preocupação [cepas que demonstram aumento da virulência ou mudanças na apresentação clínica da doença, o que dificulta o controle]”, assinalou.
Ainda segundo o integrante da Opas, além de um maior acesso às vacinas, é essencial que as medidas de controle social contra a Covid-19 não sejam abandonadas. Todas as estratégias de proteção, como usar máscara e evitar aglomerações, protegem contra qualquer variante, ressalta. “E sabemos que as vacinas, ainda que possam ter, na hipótese, sua eficácia reduzida em relação a essa variante, ainda continuam a ser um mecanismo fundamental para a proteção das pessoas”, destaca.
Para os governos, uma boa vigilância epidemiológica em torno da nova variante é fundamental. Dessa forma, pode-se monitorar onde ela se instalou, se está crescendo e quais modificações vem produzindo. “É buscar ampliar a vacinação. Completar a vacinação de quem tomou a primeira dose, garantir a o reforço nos casos recomendados e a manutenção de medidas de proteção, como uso de máscaras e evitar aglomerações, porque isso são as ferramentas que nós temos hoje para nos proteger dessa variante ou de outras que possam surgir no futuro”, salienta Barbosa.
Para a Opas, porém, medidas como a restrição de voos para impedir a entrada de viajantes nos países – como o Brasil, por exemplo, vem adotando – não têm o efeito positivo desejado.
“A decisão de restrição de voos é tomada por cada país, de maneira soberana. Não fazemos julgamento se isso é correto ou não. Nós não recomendamos, de uma maneira geral, restrições amplas de voos, porque, até agora, elas não se mostraram eficazes para impedir a chegada das variantes aos países”, explica Jarbas Barbosa.
Ele cita, como exemplo, o que ocorreu com a Delta: ao ser identificada, muitos países cancelaram voos que saíam da Índia, mas isso não impediu que essa cepa predominasse em todo o mundo.
“É difícil mapear de onde vai proibir voo”, assinala o diretor da Opas. “Como não se faz identificação de todos os casos, o sequenciamento genético é feito somente em uma amostra dos casos, numa vigilância feita por amostragem. Ou seja: países que têm mais capacidade de identificar uma variante a reportam primeiramente muitas vezes.”
Se a restrição de viajantes não demonstra tanta eficácia, é bem verdade que, no caso das festas de fim de ano e Carnaval, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. A decisão de comemorar o Réveillon e a folia de Momo é prerrogativa dos governos. Estados e municípios têm autonomia para avaliar a situação epidemiológica de cada um e optar por fazer – ou não – eventos.
Para a Opas, no entanto, é irrefutável o fato de que sempre que há aglomerações de pessoas há o risco de incremento na transmissão de doenças como a Covid-19. “Nossa recomendação geral para todos os países, em todas as festividades que ocorrem, é que levem em conta qual é a situação da doença, se a transmissão comunitária está mais controlada e, ao mesmo tempo, ver a percentagem da cobertura vacinal que já foi alcançada, verificar todos os indicadores epidemiológicos”, observa Barbosa.
“Claro, sempre haverá risco. Quando se decidir pela realização de qualquer evento, e isso serve para qualquer tipo de evento, deve-se fazer uma análise rigorosa dos riscos frente aos benefícios. No caso de uma pandemia que ainda não acabou, e é importante ressaltar que ela não acabou, e com o surgimento de uma nova variante, a decisão de cada autoridade deve levar em conta a prudência, até que se tenha um efetivo conhecimento do impacto dessa nova variante sobre o comportamento do vírus.”
Sobre a Ômicron, Jarbas Barbosa afirma que ainda são necessários mais estudos sobre esta variante. Mas é bastante provável que muitos países já estejam com transmissão da nova cepa.
“Todos os países têm que estar preparados para receber casos, pois é provável que isso aconteça. E as medida são, sem dúvida nenhuma, preparar o sistema de vigilância, testar mais pessoas, ampliar o acesso a testes, aumentar a rede de captação de amostras para fazer o sequenciamento genético dos vírus e conseguir identificar quais variantes estão predominando, se está havendo alguma mudança na dinâmica etc. É muito importante manter as medidas de saúde pública que são eficazes contra qualquer variante. E aumentar a vacinação”, finaliza.
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