Principal aliado de Moro foi financiado pelo doleiro-símbolo da Lava Jato
Foto: Theo Marques/UOL
O operador financeiro Alberto Youssef, pivô da Lava Jato, financiou uma das campanhas eleitorais do agora maior aliado político de Sergio Moro, juiz símbolo da operação.
Duas empresas de Youssef em 1998 pagaram R$ 21 mil (o equivalente a R$ 88 mil em valores atualizados) à campanha a senador de Alvaro Dias, hoje no Podemos e à época no PSDB.
As informações estão na prestação de contas de Dias entregue naquele ano à Justiça Eleitoral no Paraná. As doações se referem a horas de voo em jatinhos que Youssef cedeu ao então candidato.
Youssef, 54, foi condenado por Moro na Lava Jato em penas que somam mais de 120 anos de prisão e chamado em uma das sentenças de “criminoso profissional”. Porém deixou o regime fechado em 2016, graças a um acordo de delação.
Em uma CPI sobre a Petrobras, em 2015, quando estava preso por ordem de Moro, Youssef falou sobre as doações após pergunta feita por um deputado petista.
“Na época, eu fiz a campanha do senador Alvaro Dias, e parte dessas horas voadas foram pagas pelo [Luis] Paolicchi, que foi secretário de Fazenda da Prefeitura de Maringá, e parte foram doações mesmo que eu fiz das horas voadas”, disse ele.
Nos documentos entregues pelo senador à Justiça Eleitoral 23 anos atrás, duas empresas do operador financeiro são listadas.
A primeira é a San Marino Táxi Aéreo, com R$ 9.800 pagos. Detalhamento das contas diz que esse valor se refere à “cessão para uso em viagens de campanha correspondente a seis horas da aeronave PT-IEC Turbo Commander, estimada a preço de mercado conforme declaração do doador”.
A segunda firma é a Youssef Câmbio & Turismo, com outros R$ 11.200. Há a mesma explicação, mas referente a oito horas de voo da aeronave Learjet C-25 PT-LLN. A campanha a senador teve custo declarado de R$ 391 mil (R$ 1,6 milhão em valores atualizados).
O ex-secretário Paolicchi foi figura central na virada do século em um escândalo de desvios na Prefeitura de Maringá —coincidentemente a cidade natal de Moro.
Paolicchi acusou políticos do estado de terem suas campanhas abastecidas com os recursos públicos desviados do município.
Além do atual senador do Podemos, foram mencionados, entre outros, o então governador Jaime Lerner (que morreu neste ano e havia sido eleito pelo PFL) e Ricardo Barros (PP), hoje líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara. O prefeito investigado era Jairo Gianoto, eleito pelo PSDB.
“O prefeito chamou o Alberto Youssef e pediu para deixar um avião à disposição do senador. E depois, quando acabou a campanha, eu até levei um susto quando veio a conta para pagar”, disse o ex-secretário em depoimento, citando a cifra de R$ 200 mil.
As afirmações foram publicadas em reportagem da Folha em 2001. A Youssef Câmbio era justamente uma das empresas mencionadas.
Procurado pela reportagem, Alvaro Dias encaminhou documento do Ministério Público paranaense que afirma que, após diligências e depoimentos, procedimento relacionado a esse relato foi arquivado em 2004 por falta de provas.
O elo de sua campanha nos anos 1990 com Youssef tem sido resgatado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. No último dia 12, o presidente, que disputa o eleitorado à direita com Moro, publicou vídeo de um apoiador que reproduz trecho do depoimento do doleiro à CPI.
Moro se filiou ao Podemos em novembro e articula sua candidatura à Presidência no próximo ano. No último dia 10, também se filiou ao partido o ex-procurador Deltan Dallagnol, outro símbolo da Lava Jato.
Youssef foi um dos personagens mais marcantes da trajetória de Moro como magistrado, um enredo que chegou a ser um dos motes da série de TV “O Mecanismo”, de 2018.
Nos anos 2000, o então juiz mandou prender o operador no âmbito do caso Banestado, um mega esquema de evasão de divisas por meio do extinto banco do estado do Paraná, hoje tido como um laboratório da Lava Jato. Deltan também atuou nos processos.
Youssef firmou naquela época um primeiro acordo de colaboração, feito com aval de Moro em 2003, quando esse tipo de compromisso ainda era novidade no Brasil.
Anos mais tarde, antes da Lava Jato, o magistrado chegou a se declarar suspeito “por razões de foro íntimo” para atuar em um caso do doleiro que visava rediscutir essa delação.
Solto, Youssef, mesmo com acordo com a Justiça, continuou atuando em esquemas de lavagem de dinheiro e caiu em investigação da Lava Jato. Foi o principal preso em sua primeira fase, em março de 2014, por ordem de Moro.
A declaração de suspeição feita em caso anterior pelo então juiz provocou questionamentos sobre sua imparcialidade para julgar o doleiro na Lava Jato, alegação que o então magistrado sempre rechaçou.
Nas buscas contra o operador, a Lava Jato chegou a um carro comprado para o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, fato que levou a estatal para o centro das investigações.
Costa se tornou o primeiro delator da Lava Jato. Youssef a seguir também firmou um novo compromisso de colaboração, o que catapultou as revelações sobre irregularidades em contratos da Petrobras.
Com a projeção política que a Lava Jato rendeu ao então juiz federal, Alvaro Dias resolveu tentar aproximar sua imagem à do magistrado na eleição de 2018.
Nos debates daquele ano, quando o senador disputou a Presidência da República, Dias prometia convidar o então juiz para ser seu ministro da Justiça, caso eleito.
Moro, à época, não contestou a exploração política de seu nome —dizia apenas que qualquer comentário a respeito poderia ser interpretado como indicação de preferência partidária, algo vedado à magistratura.
Derrotado naquele pleito, Dias, assim como vários membros do Podemos, adotou um veemente discurso anticorrupção e tem na prisão de réus condenados em segunda instância uma de suas bandeiras.
Esse posicionamento do partido foi um dos fatores que levaram Moro a escolher a sigla, de olho no pleito de 2022. “Nossa turma é a do Podemos. Não é a do mensalão, não é a turma do petrolão, não é a turma da rachadinha”, afirmou o ex-juiz, neste mês.
O nome de Dias chegou a ser mencionado por investigados na Lava Jato, em relatos que sempre disse repudiar. Ele não foi processado em decorrência da operação.
Devido ao foro especial que detém desde 1999, eventuais investigações precisariam ser avaliadas pela Procuradoria-Geral da República —e não pelas autoridades de Curitiba.
Em 2017, o senador foi arrolado como testemunha em um processo conduzido por Moro que abordava uma CPI sobre a Petrobras realizada em 2009.
O ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra, que morreu em 2014, havia sido gravado em reunião com empreiteiros dizendo que tentaria “controlar” o colega senador na comissão.
Em 2014, no início da Lava Jato, o hoje delator Leonardo Meirelles, ex-sócio de Youssef, tratou em depoimento a Moro de relações do doleiro com políticos.
Na ocasião, Meirelles citou um “padrinho” com histórico que lembrava o de Dias. Moro interrompeu o relato e pediu para que ele não identificasse o político em questão —o ex-juiz costumava ter essa atitude para não tratar de políticos com foro especial.
CONTAS FORAM APROVADAS, DIZ SENADOR ALIADO DE MORO
Procurado pela reportagem, o senador Alvaro Dias disse que toda a campanha de 1998 foi feita dentro da legislação e teve as contas aprovadas pela Justiça Eleitoral.
“Foram prestadas 12 horas de voo para que a equipe de filmagem pudesse se deslocar e realizar seu trabalho”, disse ele, em nota à reportagem.
“Meu jurídico da época dos fatos e a minha equipe de contabilidade me orientaram de forma correta. Fiz tudo de forma transparente, legal e adequada, sendo certo que absolutamente tudo foi declarado em conformidade com a legislação”, acrescentou o senador.
Disse que não conhecia Alberto Youssef naquela época, embora entenda que “naquele momento não havia nenhum fato que o desabonasse”. A campanha ocorreu antes da eclosão do caso Banestado —o doleiro tinha sido contrabandista e já havia sido preso anteriormente nos anos 1980.
Sobre as declarações do ex-secretário Paolicchi, o senador disse que não o conhecia e mostrou o documento da Promotoria sobre o arquivamento do caso.
“Não houve, de maneira alguma, repasse de recursos da municipalidade, logo é falsa a acusação de que teria contratado horas de voo com recursos da prefeitura.”
Alvaro Dias também falou à reportagem a respeito do vídeo compartilhado por Bolsonaro. Disse que sua equipe jurídica está analisando o caso e tomará providências cabíveis. Afirmou também que o youtuber responsável se esconde no exterior para “criar conteúdos falsos”.
A Folha procurou o doleiro Alberto Youssef, que disse que não iria falar sobre o caso.
O ex-secretário Luís Paolicchi foi assassinado em 2011, e três pessoas foram condenadas por homicídio em júri em 2017. A reportagem não conseguiu localizar os advogados do ex-prefeito Gianoto.
O deputado Ricardo Barros afirmou à reportagem que as acusações feitas nos anos 2000 pelo ex-secretário eram absurdas e estimuladas “pelo ativismo político do Ministério Público”. “Na época, o MP induziu Luís Antônio Paolichi a citar nomes de políticos para se proteger.”
A Folha também procurou o ex-juiz Sergio Moro para comentar a situação envolvendo seu aliado político.
Ele disse, por meio de sua assessoria, que desconhece qualquer depoimento de Alberto Youssef que tenha “implicado diretamente o senador Alvaro Dias em algum ilícito”.
“Minha única relação com Youssef foi a existente entre juiz e réu, tendo eu decretado a prisão dele por duas vezes.”
Moro também afirmou que todos os “depoimentos relatados por Alberto Youssef foram apurados ou encaminhados para os órgãos competentes”.
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