Trégua entre Bolsonaro e STF durou três meses
Foto: Marcos Oliveira / Marcos Oliveira/Agência Senado
A trégua entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) dá sinais de fadiga às vésperas da posse de André Mendonça, marcada para o dia 16. Na última semana, o presidente voltou a atacar ministros da Corte, três meses após o armistício que sucedeu as falas de teor golpista, em 7 de setembro. A tensão voltou a crescer depois que o ministro Alexandre de Moraes abriu inquérito para investigar declaração de Bolsonaro, que atribuiu de forma falsa relação entre a vacina da Covid e o vírus do HIV. A temperatura subiu ainda mais anteontem, quando o ministro Luís Roberto Barroso determinou a adoção de um passaporte de vacina nas fronteiras do país, medida criticada pelo chefe do Executivo, apesar de recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Bolsonaro é um crítico contumaz da exigência de comprovantes de vacinação, os chamados “passaportes da vacina”, e já repetiu em inúmeras oportunidades que não iria se vacinar contra a Covid-19. Na última terça-feira, durante solenidade no Palácio do Planalto, chegou a comparar o passaporte com uma coleira e disse que preferia perder a vida do que a liberdade, frase repetida horas depois pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Tanto a vacinação quanto a exigência de apresentação de comprovantes de imunização são medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias em todo o mundo.
O presidente ainda não comentou publicamente sobre a decisão. Porém, ontem pela manhã, ele enviou um recado aos apoiadores nas redes sociais, lembrando que, caso seja reeleito, poderá indicar mais dois ministros para o Supremo.
“Vale lembrar. O vencedor das eleições de 2022 escolhe mais dois ministros para o Supremo Tribunal Federal. Bom Dia a todos!”, escreveu.
A decisão de Barroso ocorreu ao final de uma semana em que Bolsonaro abandonou o tom de comedimento em relação aos ministros do STF. Na última quarta-feira, Bolsonaro voltou a atacar diretamente o ministro Alexandre de Moraes, por causa do novo inquérito que trata do vídeo com o elo, que não existe, entre a vacina da Covid e o vírus do HIV. E aproveitou para lembrar de ordens de prisão proferidas pelo ministro contra seus aliados.
— Lamento a prisão do jornalista, do Zé Trovão, do Roberto (Jefferson), isso é uma violência praticada por um ministro do Supremo que agora abriu mais um inquérito em função de uma live que eu fiz há poucos meses. É um abuso — disse Bolsonaro durante uma entrevista ao jornal “Gazeta do Povo”.
A tensão entre o presidente e Alexandre de Moares atingiu o ponto mais alto em 7 de setembro, após o discurso inflamado de Bolsonaro na Avenida Paulista. Pressionado pela reação negativa aos ataques de teor golpista, quando disse que não obedeceria mais a decisões de Moraes, Bolsonaro chamou o ex-presidente Michel Temer para negociar uma trégua com o Supremo. O resultado foi uma carta em que Bolsonaro dizia que as declarações foram feitas no calor do momento.
Outro elemento tem chance de ampliar as animosidades justamente no dia da posse de Mendonça no Supremo, na quinta-feira. Em razão dos protocolos sanitários adotados pela Corte, para participar da cerimônia de posse será necessária a apresentação ou do comprovante de vacinação contra a Covid-19 ou de um teste RT-PCR negativo. O GLOBO apurou que auxiliares do presidente e da Advocacia-Geral da União (AGU) já trabalham para evitar um desgaste causado pela exigência sanitária do STF e aconselham Bolsonaro a fazer o exame laboratorial.
De acordo com relatos ouvidos pela reportagem, há no Supremo a compreensão de que a cobrança a respeito da vacinação ou da comprovação de que o visitante não está infectado deve valer para todos, sem que haja exceções. Existe, no entanto, o temor de que o presidente insista em não cumprir a medida e abra, assim, uma nova frente de batalha com o tribunal.
Além da presença de Bolsonaro, a restrita lista de convidados para a posse de Mendonça tem a presença de lideranças evangélicas como o pastor Silas Malafaia, em cuja igreja no Rio de Janeiro o novo ministro do STF pregou na última quinta-feira, e o bispo Samuel Ferreira, um dos maiores cabos eleitorais quando o ainda advogado-geral da União não havia sido indicado para o cargo. O número de participantes que poderão estar presencialmente no evento foi reduzido para observar as medidas de distanciamento social, uma vez que o plenário do Supremo é completamente fechado.
Alçado ao STF por ser “terrivelmente evangélico”, Mendonça fará um juramento, em seguida, em que dirá: “Prometo bem e fielmente cumprir os deveres de ministro do Supremo Tribunal Federal, em conformidade com a Constituição e as leis da República”.
O novo ministro toma posse apenas um dia antes de a Corte entrar em recesso, no próximo dia 17, mas poderá, caso queira, trabalhar durante o período em que as atividades oficiais estão suspensas. Nos últimos anos, cada vez mais ministros têm adotado a prática do trabalho durante o recesso, de modo a não transferir para o presidente ou a vice a responsabilidade sobre casos urgentes que chegam até eles.
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