Ação de Doria contra França o fará “descer do salto”

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Foto: Folha/Arquivo pessoal

A ação policial contra o ex-governador Márcio França (SP) virou um trunfo inesperado e algo envergonhado do PT na negociação emperrada com PSB para formar a chapa de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial de outubro.

Não que os petistas a tenham comemorado, dado que muitos viram na divulgação da ação ecos das operações que o PT sofreu nos últimos anos, particularmente sob a égide da Lava Jato. Mas, reservadamente, o entorno de Lula espera que os socialistas, com uma estrela sob pressão, deixem o que chamam de salto alto. ​

Na quarta (5), a Polícia Civil de São Paulo deu batidas em endereços ligados ao ex-governador e de sua família, como parte de uma apuração sobre desvios da saúde que remonta a 2018 e já teve pessoas condenadas. França refutou irregularidades e, sem citar o sucessor e desafeto João Doria (PSDB), disse que foi vítima de uma perseguição política.

Lula e o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT), que quer disputar o governo paulista assim como França, foram os primeiros a emprestar solidariedade ao aliado.

Não foi um gesto casual, embora óbvio dado que o discurso do PT para se defender das acusações de corrupção nos seus governos neste ano passará pelo que chama de perseguição política da Lava Jato.

Foi o “timing” que chamou a atenção. Se tivesse falado por último, digamos, Lula passaria recibo da grande insatisfação do PT com o comportamento do PSB nesse período de negociações eleitorais. Da forma que agiu, buscou manter uma sinalização de prioridade para o partido.

O que significa, na verdade, que o relógio está correndo. Igualmente visto de salto pelos aliados, o PT hoje considera que o atual favoritismo de Lula nas pesquisas poderá fazê-lo prescindir do PSB —que, de resto, inclusive disputou em 2014 com candidatura própria o Planalto.

O PSB vive uma crise interna, com alguns de seus candidatos estaduais, como Marcelo Freixo (RJ), defendendo uma aliança ampla que inclua a formação da chamada federação partidária com o PT.

Até aqui, contudo, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, está vendendo caro seu produto. Exige diversos apoios do PT: a França em São Paulo, a Geraldo Júlio em Pernambuco, a Beto Albuquerque no Rio Grande do Sul.

Ocorre que, talvez tirando o caso gaúcho, os petistas têm candidatos competitivos nesses estados-chave —se não para ganhar, para puxar bancada federal e estadual. Em outros, o apoio a socialistas ocorrerá de qualquer forma, como no Maranhão (Flávio Dino) e no Rio (Freixo), tanto por anemia de lideranças quanto por reciprocidade de apoio específica.

A confusão paulista é central, pois envolve o principal interesse de Lula nesta etapa da pré-campanha, que é a costura em torno do nome de Geraldo Alckmin (ex-PSDB) como seu vice.

O ex-governador paulista surgiu como um símbolo de concertação na visão de Lula, com a vantagem de não carregara alguns pesos que outros nomes conservadores poderiam trazer: partido, bancada, influência no Congresso ou mesmo voto (teve menos de 5% na eleição presidencial de 2018).

Se isso parece um defeito, lulistas lembram sempre da densidade política do então vice Michel Temer (MDB), a quem acusam de ter operado para ajudar a derrubar Dilma Rousseff (PT) em 2016 —a gestão desastrosa da petista que viabilizou seu processo de impeachment é lembrada apenas à boca miúda.

Próximo de França, seu vice e a quem entregou o Palácio dos Bandeirantes para a aventura frustrada contra Jair Bolsonaro (PL), Haddad e companhia, Alckmin abandonou o projeto de se lançar ao governo estadual pelo PSD de Gilberto Kassab e preparou-se para aderir ao PSB na chapa de Lula.

Os atritos em curso vinham inviabilizando isso, e o PT já vem conversando internamente e com Alckmin acerca de outros portos em que ele possa fundear seu navio. Os petistas até piscaram para Kassab com a vice dada ao ex-tucano em sua sigla, mas o plano de reforço do PSD do cacique falou mais alto.

A especulação mais recente é o PV, e a antiga conversa sobre juntar-se ao Solidariedade de Paulinho da Força também voltou à tona.

Do outro lado, a queixa é pública, com políticos vociferando contra o que vem como plano hegemônico do PT na centro-esquerda. Ciro Gomes (PDT), preterido em discussões passadas e hoje presidenciável quase que por questão de honra pessoal, é sempre lembrado como exemplo de como se aliena um aliado.

Uma pessoa próxima de Siqueira alerta para o fato de que Lula terá de ser cuidadoso se pretende jogar com a carta do enfraquecimento de França. Afinal de contas, o ex-governador foi o proponente, com Haddad, do casamento com Alckmin.

Ambos, França e o ex-prefeito, viram na hipótese também uma forma de tirar o ex-tucano do páreo paulista, onde saía em boa posição. Restava então saber quem abriria a mão, se é que isso ocorreria, da candidatura deste campo da centro-esquerda.

Todos esses problemas ficaram evidentes após o momentoso jantar do grupo de advogados Prerrogativas, no fim do ano, quando Alckmin e Lula selaram o namoro publicamente. Recentemente, o petista disse a amigos que o evento adiantou o calendário e teve o condão de expor veleidades e dificuldades a tempo de correção.

As queixas do PT com aliados não se resumem ao PSB. O PSOL tem conversado com o PDT de Ciro para que o presidenciável apoie Guilherme Boulos ao governo paulista.

Na visão do PT, isso demonstra miopia política, porque uma aliança com Lula e Haddad agora poderia garantir o psolista como candidato da esquerda à Prefeitura de São Paulo em 2024 —ele perdeu o segundo turno para Bruno Covas (PSDB) em 2020.

No PSOL, por outro lado, o exemplo Ciro sempre é lembrado. Poucos acham que, na hipótese de Lula ser eleito, o PT lançaria um candidato para perder como fez há pouco mais de um ano com Jilmar Tatto na maior cidade do país.

Enquanto isso, Lula segue jogando o mais parado possível. Não sem erros: falas desastradas recentes e a escolha, atribuída por seu entorno a um erro da direção do partido e não ao presidenciável, para que Guido Mantega falasse sobre economia em artigo na Folha.

Não por acaso, o próprio ex-presidente fez o ex-ministro da Fazenda, abominado no mercado financeiro, dizer que falava por si no texto.

Folha  

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