Antropólogo diz que Bolsonaro não controla evangélicos
Foto: Arquivo Pessoal
Autor do livro “O povo de Deus”, que detalha o crescimento dos evangélicos no país, o antropólogo Juliano Spyer afirma que Jair Bolsonaro não é o presidente do coração do segmento, mas é quem o atrai por defender de forma clara as pautas de costumes. Para Spyer, os candidatos que quiserem se conectar com os evangélicos precisam disputar as narrativas com a direita, a partir da defesa de temas como vida, família e amor. O livro se tornou referência para políticos que tentam compreender o grupo religioso que hoje equivale a cerca de 30% da população. Na obra, Spyer usa uma pesquisa de campo de seu doutorado, que o levou a passar um ano e meio na periferia de Salvador, e apresenta os principais estudos sobre cristianismo evangélico no Brasil.
Por que o bolsonarismo ainda tem tanta influência entre os evangélicos?
Minha percepção é que Bolsonaro não é o presidente ideal para os evangélicos. Primeiro, porque não é evangélico. Segundo porque é uma pessoa com comportamento vulgar, que fala palavrões e cujo comportamento difere dos cristãos. No entanto, embora para muitos ele não seja um bom líder, Bolsonaro apresenta-se como um candidato interessante por ser o único que tem a disposição de falar de forma clara que apoia a pauta moral, a família tradicional e a liberdade religiosa.
A defesa das armas por Bolsonaro afasta fiéis, principalmente mulheres?
A última coisa que a mulher evangélica quer é ver mais arma na rua. E elas têm papel de vanguarda na propagação desse movimento. Na Igreja Universal (do Reino de Deus), elas representam 70% dos fiéis. Mas existe muito contrapeso nessa balança porque o evangélico se percebe como uma nação. Esses temas das pautas morais (aos quais Bolsonaro dá total apoio) são mais importantes para eles do que qualquer outra.
Por que partidos de esquerda se distanciaram dos evangélicos?
Entendo que o tema que dá unidade a maior parte dos cristãos é a pauta moral. Dentro dela está a questão da família tradicional, heteronormativa, formada por pai, mãe e filhos. Além dela, tem a defesa da liberdade religiosa, o que é algo que não agrada os partidos e as lideranças de esquerda por muito tempo. As pessoas de esquerda e das camadas médias e altas da população olham para os evangélicos como coitadinhos que não puderam estudar e por isso abraçaram a religião. Em alguns casos, os veem como mercadores da fé. Sendo que, para muitos dos fiéis, a rede de apoio da igreja ajuda a reestabelecer a dignidade para que mudem de vida. A igreja ocupa espaços deixados pelo governo: ajuda a arrumar emprego, leva para hospital quem precisa e ajuda e até a encontrar tratamento para um filho que se envolve com drogas e tráfico. Por conta da organização dessas igrejas e pela presença na política, o evangélico, que em sua maioria é pobre e negro, tem hoje influência direta no destino do país. Essas pessoas de esquerda não podem mais ignorar essa população. A eleição delas passa por dialogar com parte desses 60 milhões de brasileiros.
Como esses políticos podem se reconectar com este segmento religioso? A esquerda teria que tirar o foco de pautas identitárias, como a defesa dos direitos LGBTQIAP+?
Por uma postura equivocada da esquerda, abriu-se mão de falar de temas como a família, que é vista como uma coisa burguesa. Como diz o pastor Henrique Vieira, é importante “redisputar” essas narrativas. E encontrar formas positivas de falar da família, do amor e da vida. Não adianta querer o voto, sem levar em consideração o que (os evangélicos) sentem e como veem o mundo. Se você tem uma plateia de mil pessoas evangélicas e pedir para levantar a mão quem é a favor do aborto e da legalização da maconha, um número pequeno de pessoas vai levantar. Se perguntar quem é a favor de ajudar dependentes químicos e na recuperação de presos muitos tendem a se interessar. Pautas como justiça social e redução da desigualdade coincidem com o que pensa o evangélico comum.
A vitória de Bolsonaro entre os evangélicos pode se repetir nas eleições de 2022?
Vejo um cenário mais complexo. Porque o eleitor, por um lado, está mais empobrecido, mais faminto, exposto a situações difíceis como desemprego e falta de recursos. Por outro lado, o mundo evangélico vem se afirmando como uma força política intensa, principalmente no âmbito das lideranças e das grandes igrejas. E já ouvi umas pessoas chamarem de guerra cultural. Incentivam o ódio e a rejeição de uma forma agressiva do cristão a qualquer coisa associada à esquerda.
No Datafolha, Lula tem tantos votos de evangélicos quanto Bolsonaro…
Vejo um contexto favorável a Lula por ter governado numa época em que os evangélicos tinham uma vida mais próspera e por ter familiaridade com esse segmento por sua origem, mas entendo que Bolsonaro, nesses três anos, consolidou os vínculos com os líderes religiosos.
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