Autoritarismo bolsonarista afeta 4 áreas do governo

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Foto: Lucio Tavora/Xinhua

Junto à constatação de que não é por meio de projetos de lei e de alterações na Constituição que Jair Bolsonaro (PL) vem tentando desgastar a democracia, pesquisadores buscaram organizar o modus operandi bolsonarista para desmontar políticas públicas.

Como mostrou a Folha, o professor da FGV Direito-SP e colunista da Folha, Oscar Vilhena, junto do coordenador do Supremo em Pauta, Rubens Glezer, e da mestre em direito e pesquisadora Ana Laura Barbosa intitularam de “infralegalismo autoritário”, o que veem como o método do atual mandatário.

Bolsonaro lança mão de estratégias que burlam o Legislativo e a institucionalidade, entre outras áreas, para flexibilizar o acesso a armamento, fragilizar a autonomia de instituições de controle e vigilância, atacar o pluralismo e diversidade no setor cultural e desmantelar políticas ambientais.

O artigo escrito a seis mãos será publicado em 2022 em livro do Projeto sobre Estado de Direito e Legalismo Autocrático (em inglês, PAL), que envolve acadêmicos de diferentes países e universidades e que tem o Brasil como um de seus objetos de estudo.

A hipótese é que Bolsonaro estaria buscando implementar medidas autoritárias ou contrárias a determinações constitucionais sem apoio do Legislativo, mas utilizando, entre outras medidas, a edição de decretos e de outras medidas administrativas para desvirtuar leis e descaracterizar políticas públicas, sem que elas sejam revogadas.

Os pesquisadores também olham para outras estratégias que fazem com que as instituições deixem de atuar como deveriam e, deste modo, leis, regras e políticas públicas vão deixando de ser seguidas ou aplicadas.

Entre elas estão omissões, cortes orçamentários, o estímulo à paralisação de órgãos, por exemplo, ao deixar cargos vagos por longos períodos, e uma dimensão para-institucional, que inclui a prática do presidente de dar ordens informais, como em suas lives semanais, ou de punir servidores que contrariem tais vontades.

Ao mesclar pelo menos duas estratégias, Bolsonaro estaria abrindo caminho para ataques a pilares da Constituição, como o pluralismo e os direitos fundamentais. ​

Para Vilhena, um dos grandes desafios é distinguir o discurso altamente conservador e um discurso antidemocrático. “É parte da democracia, tendo vencido um presidente conservador, que ele implemente uma agenda mais conservadora”, diz. Ele destaca, contudo, que a Constituição em alguma medida protege diversos dos itens que fazem parte da agenda de Bolsonaro.

Um dos exemplos mais ilustrativos de como o governo Bolsonaro se utiliza de medidas infralegais como forma de burlar o Legislativo são as mudanças na política de armas.

O presidente já editou uma série de decretos sobre o tema. Muitas medidas, contudo, ao invés de regulamentarem a lei, contrariam o Estatuto do Desarmamento. Parte dos decretos foi suspensa provisoriamente pelo STF, outros seguem em vigor.

Um dos atos, por exemplo, alterou a regra sobre o modo como é comprovada a efetiva necessidade para aquisição de armas.

Antes, para obter a posse de um revólver ou de outro armamento, era preciso comprovar, por exemplo, atuar em profissão que exige maior proteção pessoal ou que se morava distante de delegacias. O papel da polícia era verificar se os requisitos eram de fato preenchidos.

Bolsonaro, porém, definiu que a declaração pessoal de efetiva necessidade já basta, devendo o Estado comprovar que aquela pessoa não precisa, de fato, da posse de arma para negar o registro.

Conforme apontam os pesquisadores, apesar de os decretos não dispensarem os requisitos centrais estabelecidos em lei para o registro e porte de armas, eles alteram seu sentido, frustrando a finalidade da lei de restringir a circulação de armas, sem que ela tenha sido revogada.

Proposto no pacote anticrime de Sergio Moro e depois inserido em outros projetos, uma bandeira que Bolsonaro tem reiteradamente apoiado é o excludente de ilicitude, um dispositivo que abrandaria a pena para agentes que cometerem excessos, incluindo mortes, caso tenham agido “sob escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

“Não pode o policial num dia terminar uma missão e em outro receber visita do oficial de Justiça”, disse o presidente no ano passado.

Rubens Glezer considera que este é um exemplo em que, apesar de o Congresso estar barrando o andamento da proposta, do ponto de vista para-institucional, a mera retórica de Bolsonaro já produz efeitos. “É ter uma retórica agressiva, que vai sedimentado para determinados grupos a ideia de que eles podem violar as leis, que os limites institucionais não importam”, diz. “Os policiais podem se inflamar contra os policiais serem punidos.”

“Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.”

A frase do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião de ministros que veio a público após decisão do STF, sinaliza o modo como o governo Bolsonaro tem agido para, assim como na questão das armas, flexibilizar normas de proteção ambiental. Parte delas barradas no Judiciário.

Reportagem da Folha mostrou que só entre 2019 e 2020, o governo Bolsonaro já tinha publicado mais de 600 atos com potencial de trazer mudanças significativas na área ambiental, o que dificulta o acompanhamento do que está sendo alterado.

Foi por meio de revogação de resoluções, por exemplo, que o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), presidido por Salles, retirou proteção de restingas e manguezais. Já no Ibama, a aplicação de multas passou a ser condicionada à realização de uma audiência de conciliação.

Outra estratégia que integra a caixa de ferramentas do infralegalismo autoritário, elencam os autores, é a nomeação de pessoas para cargos de comando que sejam contrárias às políticas que vão chefiar. Isso porque tal conduta seria um meio de frustrar que os objetivos de determinados órgãos sejam alcançados.

Antes de estar na Presidência, Bolsonaro já chamava as ações de fiscalização de órgãos ambientais de “indústria da multa” e escolheu Salles que, antes de assumir o cargo, já falava que muitas das punições eram aplicadas por caráter ideológico.

A própria Constituição, contudo, determina que a União deve “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”.

Entre as estratégias listadas pelos pesquisadores estão também cortes orçamentários, que foram anunciados mesmo em períodos de incêndios.

Também faria parte do método de Bolsonaro demissão e exoneração de servidores, bem como a difusão de ordens fora dos meios institucionais e fora da legalidade, ou mesmo com tom de ameaça a servidores que pretendam desempenhar suas funções.

O então chefe da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Borges Azevedo, por exemplo, teria sido exonerado do cargo por não ter impedido uma ação de fiscalização de extração de ouro em terras indígenas.

Em abril de 2019, por meio de vídeo divulgado por aliados​, Bolsonaro desautorizava uma operação em andamento do Ibama contra roubo de madeira. “Não é pra queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”, afirmou

“Como é que você vai determinar ao presidente do Ibama que não tome uma medida que a lei determina que ele torne?”, questiona Vilhena.

“O presidente não pode dar uma ordem a ele de ‘não cumpra a lei que determina que você destrua o maquinário encontrado na floresta’. Então ele faz uma live onde ele fala: ‘No meu governo não vai se destruir a máquina desses trabalhadores'”, diz o professor.

Apesar de ter sido eleito com discurso de que combateria a corrupção, a gestão de Bolsonaro tem sido marcada por denúncias de interferências em órgãos de controle e reações a investigações que atinjam seus familiares.

Entre as estratégias de que o mandatário lançou mão para fragilizar instituições de controle e vigilância, os pesquisadores destacam a alteração de cargos de comando.

O caso de maior destaque seria suas investidas para substituir o Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, onde seu filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é investigado pela prática de “rachadinha” no período em que foi deputado estadual. Cabe ao diretor-geral da PF a nomeação dos superintendentes.

Um inquérito apura se o presidente tentou interferir indevidamente na corporação, conforme acusação do ex-ministro Sergio Moro.

A Receita Federal é outro órgão que foi alvo do governo Bolsonaro. Neste caso, o artigo aponta que a interferência de Bolsonaro no órgão se deu tanto pelo emprego de pressões públicas e particulares como pela modificação da estrutura burocrática e da rotatividade na alta e média burocracia.

Parte dos embates com o órgão tem também como pano de fundo investigações sobre Flávio Bolsonaro.

Em 2019, a pressão de Bolsonaro para a troca de nomes da Receita Federal levou à queda do número 2 do órgão, que vinha se posicionando contra ingerências políticas. O presidente teria buscado articular a troca de todos os auditores da cúpula da Receita.

Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o presidente da República afirmou: “Está interferindo? Ora, eu fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.

Dois decretos presidenciais também atingiram a Receita. Um deles modificava critérios da progressão na carreira. O outro, que incluía os demais órgãos, criava dificuldades para aplicação de multas. O órgão também teria sido ainda pressionado pelo presidente para analisar pleitos de líderes evangélicos, para terem dívidas perdoadas.

Foi também por meio de um decreto que Bolsonaro tentou ampliar o poder da Abin de requisitar informações sigilosas. A medida foi barrada pelo STF.

Os autores apontam ainda ações de monitoramento com interesses políticos como medidas para-institucionais. Uma delas foi a criação, pelo Ministério da Justiça, de dossiês com nomes de 579 ativistas “antifascistas”, de posicionamento político contrário ao governo. O STF determinou a suspensão da elaboração, que foi considerada inconstitucional.

Na reunião ministerial de 2020 que veio a público, Bolsonaro deu pistas sobre uma suposta rede particular de informantes dentro de órgãos oficiais do governo, sem contudo ter sido claro. “Sistemas de informações: o meu funciona”, afirmou Bolsonaro. “O meu, particular, funciona. Os ofi…, que tem oficialmente, desinforma.”

Folha  

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