Bolsonaro corta recursos de áreas vitais para dar dinheiro ao Centrão
Foto: Adriano Machado/Reuters
A blindagem às emendas de relator na sanção do Orçamento consagra o domínio do centrão sobre os cofres do governo, justamente em ano de eleições.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou R$ 3,2 bilhões em despesas de custeio e investimentos de ministérios, atingindo verbas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de combate a incêndios florestais, entre outros.
A tesourada, porém, poupou R$ 16,5 bilhões reservados para emendas de relator, instrumento usado para irrigar redutos eleitorais de parlamentares aliados ao Palácio do Planalto.
O valor se soma aos R$ 16,8 bilhões já reservados pela Constituição para as chamadas emendas individuais e de bancada, que têm critério mais equânime de distribuição entre aliados e membros da oposição.
Em ano eleitoral, a expectativa de técnicos do Ministério da Economia é a de que haja pressão pelo empenho do maior volume possível de emendas ainda no primeiro semestre, para evitar as restrições eleitorais.
A avaliação encontra eco no Congresso Nacional, onde parlamentares da base contam com os recursos das emendas para aumentar suas chances de reeleição.
O empenho é a primeira fase do gasto, quando o governo sinaliza o compromisso com determinada obra, compra ou contratação de serviço.
A lei eleitoral diz que, nos três meses que antecedem o pleito, é vedado realizar transferências voluntárias de recursos a estados e municípios. As emendas se enquadram nesse caso, segundo os técnicos.
A única exceção é quando os recursos servem para garantir a execução de obra ou serviço já em andamento, com cronograma definido, ou para atender a situações de emergência ou calamidade pública.
Dessa forma, empenhos de novas despesas terão de ser feitos até 1º de julho ou após as eleições. Apesar disso, integrantes do Planalto afirmam que há interpretações divergentes e que alguns tipos de empenho poderiam ser feitos no período eleitoral.
Um estudo publicado pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados em julho de 2020 indica que as chamadas transferências especiais —emendas usadas para repassar dinheiro diretamente a estados e prefeituras sem destinação específica— também se sujeitam às restrições eleitorais.
O Tesouro Nacional, responsável pelo repasse dessas transferências especiais, informou que uma consulta feita à PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) indicou conflito com a lei eleitoral.
“Informamos que as emendas parlamentares individuais, na modalidade transferências especiais, se enquadram no critério de transferência voluntária descrito na lei eleitoral, que veda esse tipo de repasse nos três meses que antecedem as eleições”, disse o órgão.
Até a publicação deste texto, a PGFN não respondeu sobre as demais emendas.
Os ministérios já começaram um movimento embrionário de definição de gastos prioritários para o ano. Os levantamentos serão repassados à Casa Civil, chefiada por Ciro Nogueira.
Nogueira é senador pelo PP e um dos caciques do centrão, bloco de partidos que dá sustentação política a Bolsonaro no Congresso. Sua nomeação para a Casa Civil, responsável pela coordenação de governo, foi uma tentativa do presidente de melhorar a interlocução com os parlamentares.
Hoje, o ministro-chefe da Casa Civil tem o poder da caneta na execução do Orçamento. Um decreto de Bolsonaro conferiu à pasta a atribuição de dar “aval prévio” a quaisquer mudanças empreendidas pelo Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes.
A mudança, antecipada pela Folha, foi mais um passo na direção de expansão da influência do centrão no destino dos recursos federais.
Esse movimento foi inaugurado em 2019, com a criação das emendas de relator no Orçamento de 2020, após Guedes repetir em diversas ocasiões que o Congresso deveria retomar o controle sobre o Orçamento.
As emendas de relator se converteram no principal instrumento de negociação política com o Congresso na gestão Bolsonaro.
Em outro passo, a Secretaria de Governo —responsável pela articulação política do Planalto com o Congresso— passou a ter assento na comissão de técnicos que assessora a JEO (Junta de Execução Orçamentária).
A JEO é formada por Casa Civil e Economia. Apenas Guedes e Nogueira têm poder de voto, sem substitutos.
Já a comissão técnica tem o papel de assessorá-los nas decisões. Antes da inclusão da Secretaria de Governo, apenas secretários e técnicos de Economia e Casa Civil tinham assento no colegiado.
Outros ministros do governo podem acompanhar as reuniões da JEO, na condição de convidados. Integrantes da equipe econômica relataram à Folha que a ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, participa de praticamente todos os encontros da junta, sentando-se ao lado de Nogueira e Guedes.
Para Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas), os movimentos recentes refletem um “loteamento político cada vez mais voraz do Orçamento”.
Ela afirma que, desde 2015, o Congresso Nacional tem aprovado mudanças no sentido de levar o pêndulo das decisões orçamentárias para o lado dos parlamentares.
São exemplos, segundo a professora, a emenda constitucional do orçamento impositivo —que obriga a execução de todas as despesas, salvo justificativa— e a formalização das emendas individuais dos congressistas.
As primeiras mudanças, analisa Élida, preservaram a equidade e a paridade de forças de parlamentares aliados e de oposição, já que todos decidiam uma fatia de igual tamanho no Orçamento. Recentemente, porém, houve uma reversão nessa tendência.
“Com essas últimas regras, inclusive com apreciação prévia [das mudanças na execução do Orçamento] pela Casa Civil, a gente vê esse movimento de fortalecimento do Legislativo em seu pior nível. A tendência era boa, mas foi corrompida”, diz Pinto.
O principal prejuízo, segundo a professora, é a perda de noção de prioridades no Orçamento público. Enquanto políticas públicas como o Censo Demográfico —maior levantamento estatístico do país— ou programas de transporte escolar perdem espaço, instala-se o que ela chama de um “balcão de negócios”.
“Estamos desconstruindo programas de duração continuada para deixar hienas vorazes satisfazerem no curtíssimo prazo seu apetite eleitoral”, afirma Pinto. “No cenário atual, não temos nem capacidade de prever a ordenação de prioridades em 2023”, critica.
A cada ano, o governo tem que enviar ao Congresso até o fim de agosto um projeto de lei com a proposta do Orçamento Federal para o ano seguinte. Ao receber o projeto, congressistas têm o direito de direcionar parte da verba para obras e investimentos de seu interesse. Isso se dá por meio das emendas parlamentares.
As emendas parlamentares se dividem em:
Emendas individuais: apresentadas por cada um dos 594 congressistas. Cada um deles pode apresentar até 25 emendas no valor de R$ 16,3 milhões por parlamentar (valor referente ao Orçamento de 2021). Pelo menos metade desse dinheiro tem que ir para a Saúde
Emendas coletivas: subdivididas em emendas de bancadas estaduais e emendas de comissões permanentes (da Câmara, do Senado e mistas, do Congresso), sem teto de valor definido
Emendas do relator-geral do Orçamento: as emendas sob seu comando, de código RP9, são divididas politicamente entre parlamentares alinhados ao comando do Congresso e ao governo
CRONOLOGIA
Antes de 2015
A execução das emendas era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos parlamentares
2015
Por meio da emenda constitucional 86, estabeleceu-se a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras:
execução obrigatória até o limite de 1,2% da receita corrente líquida realizada no exercício anterior
metade do valor das emendas destinado obrigatoriamente para a Saúde
contingenciamento das emendas na mesma proporção do contingenciamento geral do Orçamento. As emendas coletivas continuaram com execução não obrigatória
2019
O Congresso amplia o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que torna obrigatória também, além das individuais, as emendas de bancadas estaduais (um dos modelos das emendas coletivas)
Metade desse valor tem que ser destinado a obras
O Congresso emplaca ainda um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento: R$ 30 bilhões
Jair Bolsonaro veta a medida e o Congresso só não derruba o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
2021
Valores totais reservados para cada tipo de emenda parlamentar:
emendas individuais (obrigatórias): R$ 9,7 bilhões
emendas de bancadas (obrigatórias): R$ 7,3 bilhões
emendas de comissão permanente: R$ 0
emendas do relator-geral do Orçamento (código RP9): R$ 16,8 bilhões
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