Enquanto a pandemia matava, o mundo se armava

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Foto: REUTERS/Damir Sagolj

A indústria de armas mundial se mostrou imune à covid-19 e continuou a expandir seus negócios e crescer, apesar dos fechamentos de fronteiras, das cadeias de suprimentos em ruínas e das dificuldades no comércio internacional causados pela pandemia.

O último relatório sobre os cem maiores fabricantes de armas do mundo, feito pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), mostra que a indústria de armas teve o 6.° ano consecutivo de crescimento e, se não fosse pela queda de vendas da Rússia e da França, teria batido um recorde desde 2015.

O valor total das vendas foi de US$ 531 bilhões (cerca de R$ 3 trilhões), após seis anos seguidos de aumentos. O volume comercial dos cem maiores fabricantes de armas cresceu mais de 15% nos últimos cinco anos.

O florescimento da indústria de armas foi estimulado por tensões regionais e campanhas militares em andamento. Empresas americanas e europeias dominam o setor, respondendo por 82,4% de todas as vendas de armas, e o destaque foi o crescimento da indústria militar chinesa.

Os EUA mantiveram sua hegemonia global: as 41 empresas americanas incluídas entre as cem maiores do mundo representaram 54% das vendas totais no ano passado, com US$ 285 bilhões (R$ 1,6 trilhão), um alta de 1,9%.

Como tem acontecido desde 2018, as cinco maiores empresas são americanas: Lockheed Martin, Raytheon, Boeing, Northrop Grumman e General Dynamics, em ordem decrescente. A indústria de armamentos dos EUA passa por uma onda de fusões e aquisições, principalmente no setor espacial, destaca o Sipri, citando o exemplo da Northrop e da KBR.

No relatório, a investigadora do Sipri, Alexandra Marksteiner, disse ter ficado especialmente surpreendida com os dados de 2020, primeiro ano da pandemia: “Vimos um aumento geral de 1,3%”. Segundo ela, “os gigantes da indústria foram amplamente protegidos pela demanda de governos por bens e serviços militares”. Ela acrescenta que, “em muitas partes do mundo, os gastos militares cresceram e alguns governos aceleraram os pagamentos à indústria para mitigar o impacto da crise”.

Apesar do aumento generalizado, a pandemia fez com que algumas empresas experimentassem interrupções na cadeia de suprimentos e atrasos nas entregas. Outras, como a francesa Thales, especializada em sistemas eletrônicos, sofreram quedas nas vendas por conta do confinamento decretado em dezenas de países.

O Sipri é um centro de estudos dedicado à pesquisa de conflitos, armamento e desarmamento, além do controle de armas. Fundado em 1966, ele coleta informações de fontes abertas para fornecer dados, análises e recomendações. O instituto entende como “venda de armas” a comercialização de produtos militares e serviços de pesquisa e desenvolvimento para clientes militares no país e no exterior.

“O gasto militar está muito relacionado com os conflitos e com as preocupações dos países”, disse à BBC Aude Fleaurant, diretora do programa de armas e gastos militares do Sipri. “O crescimento na venda de armas era esperado e foi impulsionado pela implementação de novos programas importantes de armamentos, por operações militares em curso em diversos países e por tensões regionais persistentes. Tudo isso leva a uma demanda maior”, disse.

Essa estimativa diz respeito a apenas uma parte dos negócios. Não estão incluídas vendas para o mercado doméstico. “O comércio mundial de armas representa apenas uma minoria do total da produção da indústria de armamento no planeta. Embora empresas de países menores sejam mais dependentes das exportações, a realidade é que a maioria das vendas feitas por grandes fabricantes dos EUA e demais potências é para dentro dos próprios países”, explica Samuel Perlo-Freeman, doSipri.

Segundo ele, esses grandes contratos locais entre indústria e Estado englobam não apenas venda de equipamentos, mas também prestação de serviços militares. “Por isso, os valores de vendas totais de equipamentos e serviços das empresas são muito mais elevados do que quaisquer estimativas para o comércio mundial de armas”, afirma Perlo-Freeman. O Sipri estima que as despesas militares de todos os países ultrapassaram US$ 1,7 trilhão, em média, nos últimos três anos – cerca de US$ 260 para cada habitante do planeta.

Especialistas dizem que o surpreendente no novo relatório é como as empresas de armas de potências emergentes estão se tornando cada vez mais importantes, Índia e China especialmente. Os indianos têm três empresas entre as cem maiores, cujas vendas combinadas totalizam 1,2% – no mesmo nível da Coreia do Sul. A Índia não assinou o tratado internacional de não proliferação de armas.

Na China, há ainda mais armas saindo das fábricas. As vendas dos fabricantes chineses não param de crescer desde que o Sipri passou a incluir dados sobre empresas do país em seu relatório anual de 2015. As cinco empresas da China na lista estão se beneficiando do programa de modernização das Forças Armadas chinesas, e seus embarques agora respondem por 13% das vendas das cem maiores.

Marksteiner, uma das autoras do levantamento, diz que a hegemonia americana e chinesa no ranking de 2020 se dá porque “os dois países implementam hoje programas de modernização militar em grande escala e aumentaram seus gastos militares nos últimos anos”.

As cinco empresas chinesas incluídas no ranking venderam US$ 66,8 bilhões, o que representa 1,5% a mais no comparativo anual. O pesquisador Nan Tian explica no relatório do centro de estudos que “as empresas chinesas se beneficiaram dos programas de modernização promovidos por Pequim e do foco na fusão civil-militar”, tornando-se “um dos mais avançados produtores de tecnologia militar do mundo”.

Tian cita o maior conglomerado chinês de armas como exemplo. “Houve a venda de um sistema de satélite que a Norinco desenvolveu e é usado tanto para fins militares quanto civis”, afirma.

Simone Wisotzki, especialista em controle de armas do Peace Research Institute Frankfurt (Prif), observa que a fronteira entre tecnologias civis e militares está se tornando cada vez mais indistinta. “A tecnologia da informação não pode mais ser separada da tecnologia de armas”, disse.

Em seu novo relatório, o Sipri analisa especificamente o papel crescente que as empresas de tecnologia desempenham no negócio de armas. O documento diz que, nos últimos anos, alguns gigantes do Vale do Silício, como Google, Microsoft e Oracle, buscaram aprofundar seu envolvimento no negócio de armas e foram recompensados com contratos lucrativos.

O melhor exemplo é o acordo entre a Microsoft e o Departamento de Defesa dos EUA no valor de US$ 22 bilhões. A empresa foi contratada para fornecer ao Exército dos EUA um tipo de superóculos, chamado Integrated Visual Augmentation System, que fornecerá aos soldados informações estratégicas em tempo real sobre o campo de batalha.

O interesse dos militares dos EUA no Vale do Silício é fácil de explicar. “Eles percebem que, nessas novas tecnologias capacitadoras, seja inteligência artificial, aprendizado de máquina ou computação em nuvem, a experiência dessas empresas está muito além do que você veria em empresas tradicionais da indústria de armas”, disse Marksteiner. “Há uma chance de que algumas dessas empresas acabem entrando no top cem em algum momento.”

Juntamente com a França, a maior queda nas vendas de armas foi registrada pela Rússia. A venda conjunta das nove empresas russas entre as cem maiores caiu 6,5% ao ano, para US$ 28,2 bilhões, seguindo a tendência de queda iniciada em 2017, principalmente em razão do fim do programa de armas do Estado. Analistas acreditam que essa queda, para apenas 5% das vendas totais entre as cem principais empresas, está diretamente relacionada ao fato de a Índia e a China terem desenvolvido fábricas de armas promissoras. Ambos os países eram anteriormente grandes compradores de armamento russo.

Markus Bayer, cientista político do Centro Internacional de Estudos de Conflitos de Bonn (BICC), disse à Deutsche Welle que o primeiro porta-aviões chinês teve como base um navio soviético comprado por Pequim em 1998. A embarcação chinesa, chamada de Liaoning, entrou em serviço em 2012.

“Muita coisa aconteceu desde então”, disse Bayer. “Nos últimos 20 anos, a China não apenas alcançou a Rússia em termos de capacidade de produção de porta-aviões, ela a ultrapassou. A Rússia não colocou nem um único porta-aviões em serviço naquele tempo. E agora a Índia também desenvolveu seu próprio porta-aviões, com base no que era originalmente tecnologia soviética.”

Estadão 

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