Metade das lideranças do partido de Bolsonaro está enrolada com a lei
Foto: Neto Sousa/Estadão
Ao escolher o PL para concorrer à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro se alia, nos Estados, a dirigentes partidários que são réus em ações penais. Os processos variam de desvio de verbas em obras de rodovias a sequestro e cárcere privado. Entre os presidentes regionais de siglas que vão organizar o palanque de Bolsonaro Brasil afora há, ainda, um condenado por tortura e um deputado envolvido no mensalão, esquema operado pelo primeiro governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Levantamento do Estadão sobre o histórico judicial dos presidentes estaduais do PL mostra que ao menos 18 dos 27 dirigentes foram ou ainda são alvo de algum tipo de investigação. Destes, quatro respondem a processos que se arrastam na Justiça e dois tentam reverter condenações.
Para se filiar à legenda, Bolsonaro não fez ponderações sobre ficha corrida dos responsáveis pela sua campanha.
Todos os presidentes do PL nos Estados estão nos cargos com o aval do ex-deputado Valdemar Costa Neto. Dono do partido, ele foi condenado e preso no mensalão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, quando apoiava o governo do PT. Agora, está integrado ao grupo de Bolsonaro e vai influenciar a campanha à reeleição, com poder direto no futuro comitê. O clã presidencial considera o mensalão apenas uma “cicatriz” na vida do dirigente partidário. O lançamento da pré-candidatura está previsto para o próximo sábado, dia 29.
Em São Paulo, onde Bolsonaro quer eleger o ministro Tarcísio Freitas, da Infraestrutura, o presidente do partido é José Tadeu Candelária, um homem de bastidor que há vários anos conta com a confiança de Costa Neto. Segundo o doleiro Lúcio Funaro, delator do mensalão, era o homem indicado por Costa Neto para receber dinheiro vivo do esquema no escritório do partido na capital paulista, em 2003. Procurado por meio do diretório, Candelária não deu retorno.
O caso de tortura envolve Flavio de Paula Canedo, presidente do PL em Goiás. Ele é marido da deputada federal Magda Mofatto, também do partido. Em 2020, Canedo foi considerado ficha-suja. O dirigente do PL tenta no Superior Tribunal de Justiça (STJ) reverter a condenação a cinco anos de prisão, no regime semiaberto, confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Está inelegível por oito anos.
Narra a denúncia que, em 2002, Canedo e dois comparsas torturaram e ameaçaram Frederico Daniel de Carvalho, para tentar uma confissão dele sobre o furto de uma espingarda. Eles convidaram o homem para uma festa, onde o golpearam com uma paulada na cabeça. Depois, tentaram afogá-lo enfiando a cabeça numa bacia com água; ataram pernas e braços com uma corda que passava pelo pescoço e, com um cordão fino, amarraram e puxaram a língua do rapaz.
Para desembargadores e ministros que analisaram o caso e rejeitaram recursos da defesa, ficou comprovado que o crime foi premeditado e que Canedo agiu para “atrair a vítima para o local dos fatos com o propósito específico de submetê-lo a sessões intermináveis de torturas”. Em sua defesa, ele diz que a principal prova é a palavra do torturado. Procurado por meio do diretório do PL e de advogados, Canedo não se manifestou.
Costa Neto tem promovido mudanças nos diretórios “rebeldes” do PL, que rejeitam suas diretrizes. Ao menos quatro foram trocados na última semana. Novo presidente do diretório do Pará, o senador Zequinha Marinho carrega a marca de um escândalo de rachadinhas. Ele responde na Justiça por ter cobrado, quando era deputado federal, uma “caixinha” para os cofres do PSC, seu antigo partido. Foi acusado pelo Ministério Público de concussão. Servidores comissionados do gabinete do parlamentar e da liderança do PSC eram obrigados a devolver 5% do salário mensalmente, sob pena de serem exonerados. Em 2011, quando o caso foi revelado, o senador disse que a prática era corriqueira e que não havia ilegalidades. Ele mesmo cuidava das demissões de quem se negava a devolver o salário ao partido. Os comunicados eram oficializados por e-mail. Até hoje, não houve desfecho na Justiça.
Chefe do PL no Rio Grande do Norte, o deputado João Maia é alvo de uma denúncia de esquema de desvio de dinheiro de obras de rodovias federais por meio do Dnit. O deputado foi acusado, em 2018, de peculato, corrupção passiva, associação criminosa, crimes contra licitações e lavagem de dinheiro. A ex-esposa, o ex-sogro e um sobrinho também foram denunciados. O processo tramita na primeira instância da Justiça Federal de Natal. Quando João Maia foi eleito, em 2018, o caso chegou a ser enviado para tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), que ordenou o retorno à primeira instância. Hoje, o processo está suspenso, graças a habeas corpus concedidos em favor de alguns dos investigados. “No entender da defesa, a acusação é falsa, lastrada em delação igualmente falsa”, afirmou o advogado Leonardo Almeida.
O deputado Édio Lopes, presidente do partido em Roraima, responde a uma ação penal no STF por empregar funcionários fantasmas na época em que era deputado estadual, entre 2005 e 2006. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), ele empregou três pessoas que não davam expediente no gabinete e recebiam salários. O STF chegou a devolver o caso à Justiça em Boa Vista, porque os fatos apurados não guardavam relação com o mandato de deputado federal. Contudo, a PGR recorreu alegando que o processo estava em fase final e deveria ser finalizado na Suprema Corte. Desde fevereiro de 2021, os autos estão com o ministro revisor. “A denúncia foi proposta com base em indícios extremamente frágeis, que jamais comprovaram a alegada suspeita relacionada a funcionário fantasma. Ao final do processo foi demonstrado que as acusações são inconsistentes, situação que forçou o próprio Ministério Público a pedir a absolvição de parte relevante das imputações”, disse o advogado Bruno Rodrigues.
Presidente do partido no Paraná, o deputado Fernando Giacobo já respondeu, anos atrás, por formação de quadrilha em suposto esquema de sonegação de impostos e também por sequestro e cárcere privado. Ambos os processos, abertos em 2000 e 2002, foram extintos por prescrição, sem que o mérito fosse julgado. Segundo o Ministério Público Federal, uma concessionária de Giacobo era beneficiada por um esquema de empresas fantasmas. No outro caso, a acusação apontava que ele sequestrou e manteve sob cárcere um homem que lhe levou papéis da venda de uma fazenda. O crime teria sido cometido para exigir a restituição de uma quantia paga antecipadamente depois de desconfiar que os documentos eram falsos.
O parlamentar criticou a menção às ações em que ele foi réu e hoje estão arquivadas. “Eu já respondi. O que eu tinha foi extinto ou por prescrição ou por julgamento. Não respondo a ação, a processo administrativo, a inquérito administrativo, a nada. Quem não respondeu a alguma ação no passado? Você, um parente seu, pode ter respondido”, disse. “Quando foi feita a Lei da Ficha Limpa, falei que se não julgassem tudo o que eu tinha pendente eu não seria candidato em 2010. Minha vida zerou e fui para a eleição ‘zeradinho da Silva’”.
Em Sergipe, o partido é controlado pelo empresário Edivan Amorim. Ele responde a um inquérito, de 2014, que apura a suspeita de crimes na obtenção de empréstimo junto ao Banco do Nordeste, em 2012. O presidente da instituição acaba de ser indicado por Costa Neto. Uma outra operação de crédito fraudulenta levou Edivan a ser condenado pela Justiça do Paraná, em 2000, no caso do Banestado. Empresas sergipanas foram acusadas de dar prejuízo de cerca de R$ 30 milhões. O inquérito, em Sergipe, está trancado desde o fim do ano passado. Edivan e outros investigados conseguiram um habeas corpus que suspendeu as investigações. Eles alegaram que a apuração está em curso “há cerca de sete anos, sem que, até o presente momento, tenha sido concluída ou oferecida a denúncia”. Ao Estadão, o dirigente sergipano afirmou que o inquérito ” foi motivado por denúncia anônima, sem nenhuma comprovação de absolutamente nenhuma irregularidade”. Sobre o caso do Banestado, alega que venceu recurso no Superior Tribunal de Justiça.
O Estadão enviou perguntas sobre os casos à direção nacional do PL e à Presidência da República, mas não recebeu respostas até a conclusão desta edição.
Para entender:
Filiação do presidente dá protagonismo ao partido
Centrão: Em novembro, o presidente Jair Bolsonaro selou sua volta ao Centrão ao se filiar ao Partido Liberal (PL). Foi a oitava troca de partido feita por Bolsonaro desde o início de sua carreira política.
Impacto: Quatro ministros de Jair Bolsonaro devem disputar a eleição pelo partido, entre eles Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, pré-candidato ao governo do Rio Grande do Norte. Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, deixou o Patriota e se filiou ao PL.
Bancada: Até o momento da filiação do presidente Bolsonaro, em novembro, o PL tinha 43 deputados na Câmara, além de 4 senadores. A sigla esperava filiar mais 25 deputados até o final da janela partidária, em abril. Outros parlamentares, porém, devem deixar o partido.
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