Ministra espanhola virá ao Brasil relatar contrarreforma trabalhista a Lula

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Foto: Chema Moya/Reuters

Ministra do Trabalho e Economia Social da Espanha, a advogada trabalhista Yolanda Díaz Pérez, de 50 anos, coordenou as negociações da “contrarreforma” trabalhista lançada recentemente pelo governo local. Ao Estadão, Pérez disse que virá ao Brasil discutir o tema com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), virtual candidato ao Palácio do Planalto em outubro.

A “contrarreforma” espanhola virou tema no Brasil depois de Lula, hoje líder nas pesquisas de intenção de voto, sugerir que pode usá-la como base para rever a reforma trabalhista feita em 2017, no governo de Michel Temer (MDB). No começo desta semana, Lula participou de uma reunião virtual com políticos do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE), do presidente espanhol Pedro Sánchez. Durante o encontro, porém, o petista evitou dizer explicitamente que revogaria a reforma de 2017, segundo apurou o Estadão.

O texto capitaneado por Díaz foi apresentado no fim de dezembro passado, após nove meses de negociações envolvendo o governo, os sindicatos patronais e de trabalhadores – as três partes aceitaram formalmente o resultado, embora haja descontentamento de parte do empresariado. O texto tem cinco artigos principais, e ocupa 54 páginas do equivalente espanhol ao Diário Oficial brasileiro. Trata-se de uma nova lei, e não da simples revogação da reforma anterior, de caráter liberalizante, feita em 2012 pelo governo do ex-presidente Mariano Rajoy, do conservador Partido Popular (PP).

Segundo especialistas espanhóis ouvidos pelo Estadão, a reforma tem três objetivos: fortalecer a posição dos sindicatos de trabalhadores durante as negociações coletivas; tentar melhorar as condições dos trabalhadores terceirizados, evitando que ganhem menos que os contratados por via direta; e, principalmente, diminuir o alto percentual de trabalhadores temporários, que hoje chega a 25% – o maior dentre os 27 países da União Europeia.

“O (ponto central) era o grave problema existente no mercado de trabalho da Espanha, da enorme taxa de trabalhadores temporários. E da precariedade como forma de vida. Foi muito difícil a negociação, mas desde o primeiro minuto eu desejei chegar a um acordo com os agentes sociais”, diz a ministra Yolanda Díaz. “Em geral, as grandes reformas trabalhistas na Espanha são acompanhadas de conflitos sociais. Já esta de agora foi feita com base em um acordo de todas as partes”, disse ela ao Estadão.

No começo de 2012, Rajoy deixou escapar que a reforma trabalhista que seu governo proporia dali a alguns meses lhe custaria “uma greve geral”. O sincericídio foi antes de uma reunião do Conselho Europeu, em Bruxelas – o ex-presidente não notou um microfone ligado. A reforma trabalhista dava continuidade a uma flexibilização do trabalho que tinha sido iniciada dois anos antes, em 2010, por um governo do PSOE, e era apenas uma dentre várias medidas de austeridade exigidas pela União Europeia.

A reforma trabalhista de 2012 deu mais flexibilidade para as empresas na hora de contratar, e ajudou a diminuir o altíssimo desemprego da Espanha – no fim daquele ano, o percentual de pessoas sem ocupação no país era de 25,7%, chegando a 42,5% entre os jovens de 20 a 29 anos. Hoje, a taxa de desemprego é de 14,5%, segundo dados do Instituto Nacional de Estadística (INE), equivalente local do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Por outro lado, a mudança, que foi citada por Michel Temer como uma das inspirações para a reforma brasileira de 2017, rebaixou os salários e aumentou o número de temporários.

A “contrarreforma” de dezembro faz parte de um conjunto de medidas, como a chamada “Lei Rider” (que regulamenta a atividade dos entregadores de aplicativos) e o aumento do salário mínimo nacional, que hoje é de 950 Euros (R$ 6.012,90, no câmbio atual).

Segundo Yolanda Díaz, o aumento do salário mínimo mostrou que não há risco de aumento do desemprego. “Na época, vários agourentos diziam que isso ia destruir o emprego, que seria uma hecatombe, um desastre. Nada disso aconteceu. E não só: demonstramos que o aumento do salário mínimo foi bom para a economia”, disse.

Apresentada por meio de um decreto-lei (equivalente à medida provisória brasileira), a “contrarreforma” precisa ser aprovada em até 30 dias pelo Parlamento espanhol contados a partir da formalização da proposta. E há dificuldades: parte da esquerda considera que o texto traz concessões demais aos sindicatos patronais, que por sua vez também têm críticas ao resultado final. Além disso, partidos nacionalistas regionais bascos e catalães, que apóiam o governo de Sánchez, cobram regras específicas para suas regiões em troca da aprovação do texto.

“Não vai passar com facilidade. Não se trata de uma reforma estruturante; muita gente aqui (na Espanha) diz que é uma minirreforma, uma reforma ‘soft’, porque trata apenas de alguns pontos da reforma de Rajoy. Mesmo assim não é consenso (…). Não é uma unanimidade entre os setores de centro e de centro-direita no Parlamento e nem entre os setores empresariais”, diz Esther Solano, que é doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

No agregado, as medidas tentam atender às demandas de uma geração de jovens espanhóis que sofrem com a (relativa) falta de dinamismo da economia local, que resulta em poucos empregos, salários baixos e contratos ruins em excesso. A má situação leva muitos a deixar o país em busca de trabalho nos vizinhos mais prósperos do outro lado dos Pirineus, principalmente na Alemanha.

Na Espanha, muitos millennials (pessoas nascidas do começo dos anos 1980 até o início dos anos 2000) são também “mileuristas”: jovens com ensino superior, conhecimento de línguas estrangeiras e até pós-graduação, mas que não conseguem ganhar mais de mil euros por mês (R$ 6,3 mil, no câmbio atual) – quase o salário mínimo de 950 Euros. Muitos são eleitores do PSOE e do esquerdista Podemos, que integra a coalizão de governo – este surgiu, em parte, como uma resposta ao programa de austeridade implementado pelo Partido Popular (conservador) de Mariano Rajoy.

Um dos pontos principais da reforma foi a extinção de um modelo de contratação conhecido como “contrato por obra e serviço determinado” – um tipo de contrato “temporário” que podia se estender durante anos e que evitava a efetivação de empregados que, na prática, eram fixos.

A advogada e professora de direito do trabalho Laura Mora Cabello de Alba, da Universidade de Castilla-La Mancha, explica que os contratos temporários continuarão existindo, mas apenas em duas situações: para substituições (quando o titular fica doente ou sai de férias) e nos casos em que há uma necessidade estrutural do setor. “É estrutural quando o setor precisa de um serviço temporário, durante um determinado espaço de tempo durante o ano. Neste caso, está justificada a contratação temporária. Numa estação de esqui, por exemplo, ou na colheita das uvas”, explica ela.

“A modalidade de contrato por obra e serviço permitia que essa contratação temporária se estendesse por muito tempo, por até três anos. Havia também muita fraude, pois era utilizada inclusive nas atividades fundamentais de uma empresa. Então a pessoa era contratada ‘temporariamente’ para atividades que na verdade tinham caráter definitivo dentro daquela empresa”, explica Laura Mora.

Outro aspecto central da “contrarreforma” é a mudança nas regras das convenções coletivas. A partir de agora, os acordos negociados por cada setor da economia prevalecerão sobre acertos individuais de cada empresa, dando mais força aos sindicatos de trabalhadores.

“A reforma de 2012 (de Rajoy) deu maior peso à negociação em cada empresa, em detrimento da negociação conjunta do setor econômico. E isso oportunizou casos de ‘dumping social’ (quando a empresa restringe direitos trabalhistas para ter vantagem ante concorrentes). Isso acaba com a reforma de 2021: passa a existir um salário mínimo de cada setor, que as empresas não podem reduzir”, diz Adrián Todolí.

“O terceiro ‘pé’ é a terceirização. Será modificada (a legislação) para que os trabalhadores terceirizados não possam receber salários menores que os contratados diretamente. Ou que pelo menos não seja tão fácil. Provavelmente ainda será possível (reduzir o montante pago por meio da terceirização), mas será mais difícil do que antes”, completa ele.

Três perguntas para Yolanda Díaz Pérez, ministra do Trabalho e da Economia Social da Espanha

Principal negociadora da “contrarreforma” trabalhista aprovada recentemente na Espanha, a advogada trabalhista Yolanda Díaz Pérez é a atual segunda vice-presidente do governo espanhol e ministra do Trabalho e Economia Social.

Como foram as negociações que resultaram no texto final da proposta?

Foi um processo de negociação complexíssimo, que durou nove meses, com reuniões muito intensas. Envolveu equipes das organizações sindicais e patronais, e do Ministério de Trabalho e Economia Social. Mais de 20 pessoas envolvidas. Nos últimos dois meses, o ritmo das reuniões aumentou. Trabalhamos diariamente, inclusive com reuniões de 12 ou 13 horas diárias. Todo o processo foi muito complicado, inclusive nas discussões da Lei Rider (que regulamenta a atividade dos entregadores e que entrou em vigor em agosto de 2021).

Esta reforma faz basicamente duas coisas: uma é mudar o paradigma das relações trabalhistas no nosso país, recuperando direitos para os trabalhadores e trabalhadoras. Na Espanha houve mais de 50 reformas trabalhistas (ao longo dos anos), que sempre foram na direção contrária, nas quais os trabalhadores e as trabalhadoras sempre perdiam direitos. Das grandes reformas estruturais, esta é a primeira que foi feita com base em um acordo dos agentes sociais.

Quais foram os pontos mais conflituosos das negociações?

Sem dúvida foram aqueles relacionados aos contratos temporários. Note que a Espanha tem uma taxa de contratos temporários de quase 26%. Há setores produtivos na Espanha que são sazonais. O que a reforma faz é apostar em um modelo no qual a norma seja a estabilidade no emprego (inclusive com mecanismos como o contrato fixo descontínuo, no qual o empregado permanece vinculado à empresa entre uma temporada de trabalho e outra), e isso pressupõe mudar tudo.

Fizemos desaparecer um tipo de contrato que existia na Espanha desde o franquismo (ditadura comandada por Francisco Franco entre 1939 e 1975), chamado contrato por obra e serviço determinado, que precarizava muito as relações trabalhistas, e isso foi extremamente delicado. Foi o que mais tomou tempo.

O governo não teme que o aumento de salários e de custos provocado pela reforma resulte em desemprego?

Não, em absoluto. Nós temos mostrado, desde que chegamos ao governo, que não é assim. O primeiro acordo que fizemos quando chegamos foi para subir o salário mínimo para 950 Euros (R$ 6.012,90, no câmbio atual). Na época, vários agourentos diziam que isso ia destruir o emprego, que seria uma hecatombe, um desastre. Nada disso aconteceu. E não só: demonstramos que o aumento do salário mínimo foi bom para a economia, porque aumentou o poder de consumo dos trabalhadores.

Além disso, foi a melhor ferramenta para avançar na igualdade social, principalmente ao combater a pobreza laboral. A subida do salário mínimo aumentou a renda dos trabalhadores com salários mais baixos, que são principalmente mulheres e jovens. Isso significa que ajudou a diminuir a brecha salarial de gênero (em que mulheres ganham menos que homens) em 2,5 pontos percentuais.

Estadão

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