Doria é acusado de negócios suspeitos entre sua empresa e governo

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Foto: Marcus Leoni / Folhapress

Empresas do grupo Doria, fundado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), são suspeitas de inflar valores para ganhar mais anúncios em permuta com a TV e Rádio Cultura, de acordo com parecer do Ministério Público de Contas de São Paulo.

A citação às empresas ligadas ao tucano está em parecer do órgão feito neste ano, relativo a contas da Fundação Padre Anchieta de 2015, antes da entrada de Doria na vida política —ele disputou a eleição municipal de São Paulo em 2016.

A avaliação da procuradoria é feita antes do julgamento pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Procurados pela reportagem, o grupo empresarial, o governador e a fundação negam irregularidades.

Desde que foi eleito prefeito paulistano, em 2016, apadrinhado pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), Doria se afastou do comando das empresas.

Em 2015, porém, ele ainda estava à frente do grupo que realiza os eventos do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), que reúne diversos segmentos do setor produtivo na defesa de pautas econômicas liberais.

Responsável pela TV Cultura e pela Cultura FM, a Fundação Padre Anchieta, por ser um órgão vinculado ao governo estadual, tem suas contas analisadas pelo TCE-SP. O Ministério Público de Contas apontou irregularidades nas contas de 2015, entre elas a permuta com o Grupo Doria.

De acordo com o parecer assinado pelo procurador Rafael Neubern Demarchi Costa, o problema estaria em contratos de permuta relativos à participação em eventos das empresas Doria Associados Consultoria Ltda e Doria Marketing e Eventos Ltda, pertencentes ao grupo.

Esses acordos consistiam na participação de funcionários da Fundação Padre Anchieta em eventos das empresas do grupo Doria, a título de qualificação e reciclagem profissional. Como contrapartida, foram disponibilizados espaços publicitários na grade de programação da TV Cultura e da Cultura FM.

Para o Ministério Público de Contas, os valores estipulados pelas empresas do Grupo Doria “são muito maiores que os ofertados ao público geral, o que indica que a empresa supervalorizou seu produto, com vistas a receber em troca um número/tempo maior de anúncios”.

De acordo com levantamento feito pela equipe de fiscalização citada pelo MP de Contas, enquanto a participação de duas pessoas em evento parecido, do mesmo grupo empresarial, custaria cerca de R$ 32 mil, foram cobrados da fundação mais de R$ 185 mil pela participação de dois funcionários.

O gasto total dos contratos equivale a R$ 858,2 mil, segundo o parecer. Na prática, o custo foi revertido em propagandas para o grupo empresarial, um total de 24 anúncios de 30 segundos na TV Cultura e 32 chamadas de 30 segundos na rádio Cultura FM, diz o documento.

Ainda segundo o órgão fiscalizatório, não ficou demonstrado haver interesse público nas permutas. Pelos contratos, se não tiver havido repetição de funcionários, “um número máximo de 14 dirigentes da fundação estiveram presentes nos eventos, o que representa cerca de 1,67% de todos os funcionários da fundação”.

“Assim, resta claro que eventual ‘qualificação e reciclagem de profissionais e dirigentes’ só seria possível se o conhecimento adquirido pelos poucos dirigentes fosse repassado aos demais funcionários, algo que não se provou nos autos”, diz o parecer.

O documento afirma que não foi apresentado quais foram os dirigentes escolhidos e seus acompanhantes nos eventos, o que, na avaliação do órgão, ocorre em prejuízo ao princípio da transparência.

De acordo com o órgão, a fundação afirmou que a presença nos eventos aumentaria a proximidade com anunciantes. Porém a fundação não teria demonstrado benefícios, diz o documento.

“O único elemento concreto trazido pela defesa foi a obtenção do ‘licenciamento não oneroso da série do Senninha, que foi entregue para exibição sem qualquer pagamento, enriquecendo a grade de programação da TV Cultura”, diz o parecer.

Outro ponto citado no documento é que a fundação não teria feito permutas semelhantes para outros eventos com outras empresas.

A fiscalização citada pelo procurador consta de processo no TCE, que analisa diversos aspectos das contas da Fundação Padre Anchieta, não apenas a situação relacionada às empresas do Grupo Doria.

Após o procedimento, a assessoria técnico-jurídica do TCE citou que falhas “não se revestem de gravidade suficiente para macular a avaliação da gestão” e recomendou regularidade das contas.

Já o procurador do Ministério Público de Contas opinou pela irregularidade das contas, com a imposição de multa aos responsáveis.

O caso ainda segue na fase de instrução e não há decisão definitiva do TCE.

Questionado sobre o assunto, o governo paulista afirmou que se trata de assunto anterior ao governador assumir o cargo, em 2019. “Os esclarecimentos são claros e não há fato que indique erro na condução do processo”, diz, em nota.

O advogado Marcio Pestana, que representa Doria, enviou nota em que afirma que não houve irregularidades.

​O comunicado ressalta que o assunto se refere a 2015, quatro anos antes de assumir o governo e dois anos antes de virar prefeito de São Paulo.

“As negociações foram todas validadas juridicamente por ambas as partes. A área técnica do Tribunal de Contas do Estado, que é a responsável de fato para opinar sobre o tema, já se posicionou favoravelmente à aprovação das contas da Fundação de 2015, o que corrobora a transparência do assunto”, diz, em nota.

O Grupo Doria, por sua vez, nega a supervalorização. “Há uma tabela de preços praticada para todo o mercado e para cada cota, em cada evento, há valores a serem aplicados, de acordo as entregas, visibilidade e forma de participação, como é praxe no mercado para ações semelhantes.”

“Assim como cada veículo de comunicação, como a própria Folha de S.Paulo, possui uma tabela com diferentes valores para cada um dos seus produtos”, completa a nota do grupo.

O comunicado ainda afirma que não houve pagamento de valores por parte da fundação. “A emissora firmou acordo a partir de cota de media partner em modalidade permuta, o que corresponde a troca de serviços e/ou produtos entre as partes envolvidas, de maneira transparente, com as devidas documentações e comprovações de entrega”, diz a nota.

O comunicado finaliza lembrando que há duas décadas a empresa promove eventos para “estimular o networking entre o setor produtivo e o diálogo com o segmento público”. “Todos os eventos contam com participação de veículos como media partner”, diz o comunicado.

Já a Fundação Padre Anchieta afirmou que a permuta foi uma decisão técnica colegiada da direção, com aprovação da assessoria técnico-jurídica.

“A permuta de serviços por espaço publicitário é recurso corriqueiro na área de mídia, na qual não há gasto de recursos financeiros para nenhuma das partes. Ao contrário dos números indicados pela reportagem, sempre se avalia o horário de exibição, audiência e a disposição na grade de programas, além da contrapartida na permuta”, diz a fundação, em nota.

A entidade afirma já ter prestado esclarecimentos ao Tribunal de Contas “para demonstrar a completa regularidade da permuta e que não houve nenhum prejuízo à instituição”.

O comunicado afirma ainda que o assunto se refere a prestação de contas antes da atual gestão da fundação.

Folha  

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