Nas prisões brasileiras, não há uma só punição por tortura de presos

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Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Ninguém nos últimos dez anos foi sancionado, afastado ou punido no sistema carcerário federal por tortura, enquanto nos últimos três anos o desmonte de todos os órgãos de controle enfraqueceram ainda mais o monitoramento desse comportamento por agentes do estado.

Os dados fazem parte de um relatório preliminar que avalia a resposta do estado brasileiro às cobranças na ONU, no âmbito da Revisão Periódica Universal (2017-2021). Solicitado pela presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias à Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, o levantamento será publicado em março.

Mas suas conclusões sinalizam para o esvaziamento dos mecanismos existentes em lei para lidar com esses crimes.

Nesta semana, diante de alertas emitidos por defensores de direitos humanos, peritos da ONU desembarcaram no país para examinar a situação. Os especialistas, porém, não escondem a preocupação diante da situação do combate à tortura no país.

Procurado, o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos não respondeu se a chefe da pasta, Damares Alves, receberá os peritos internacionais.

Nos últimos anos, diferentes informes de Nações Unidas, Anistia Internacional, Human Rights Watch, Conectas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciaram a superlotação crônica nas prisões do país. Algumas chegaram a sinalizar que determinadas situações poderiam ser consideradas como degradantes e equivalentes à tortura.

No caso dos relatores da ONU, eles chegaram a qualificar a tortura no país como “sistemática e generalizada”, o que fez o governo até mesmo tentar impedir a publicação de um informe em 2007.

Brasília, naquele momento, alegava que não existe uma orientação política para que se praticasse a tortura e que, portanto, os termos usados pela ONU não fariam uma imagem correta do cenário nacional.

Mas, ainda assim, o texto foi mantido. A entidade também apontou que os presos viviam em situações “desumanas” e o que preocupava a ONU era que, na maioria dos casos, as autoridades sabiam das condições e não tomam nenhuma providência. Insinuava-se ainda que elas estariam sendo coniventes com atos de tortura, ainda que leis existam para impedir a prática. Naquele mesmo ano, a ONU pediu que o governo brasileiro indenizasse as vítimas das torturas nas prisões, consideradas como “imundas e asfixiantes”.

Se medidas foram tomadas pelo estado brasileiro ao longo dos anos seguintes, o novo informe agora revela que “não foi encontrada nenhuma política específica e regular do Estado brasileiro para o combate à violência entre pessoas custodiadas no sistema prisional”.

Um dos pontos mais preocupantes é o ataque contra o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Ainda em 2019, um decreto determinou a exoneração de todos os peritos e peritas de seus cargos e passou a estabelecer que “a participação no MNPCT será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada”.

A manobra inviabilizou por meses a atuação do Mecanismo, situação parcialmente revertida por via judicial. “O Mecanismo Nacional se mantém em funcionamento somente por conta de uma liminar obtida no âmbito de Ação Civil Pública 47 que questiona a legalidade do decreto acima mencionado. Atualmente, tramita ainda no Supremo Tribunal a ADPF nº 607, que também questiona o decreto”, explica o informe.

Para o próprio Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, há hoje “um retrocesso institucional no combate à tortura no país”.

De acordo com o informe, outro sinal do esvaziamento da luta contra a tortura é o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária (2020-2023). “A palavra “tortura” aparece apenas três vezes durante o documento. Na primeira e segunda delas, trata-se apenas de afirmar que alegações de tortura atrapalham o trabalho policial e minimizar sua ocorrência. Segundo o documento, a autoridade policial, na audiência de custódia, “cujo regulamento impõe nova desconfiança de tudo e de todos, desta vez por parte do juiz, ao qual incumbido o dever de questionar a respeito de tortura ou maus tratos contra o preso, em maléfica desconfiança imposta contra os profissionais credenciados pelo próprio Estado”, destaca.

Mais adiante, o mesmo documento afirma: “Ora, se a polícia é torturadora, é preciso corrigi-la eficazmente, por exemplo, com a criação de mecanismos para o fortalecimento das Corregedorias já existentes”.

Mas, no documento do plano, é criticada a realização das audiências de custódia e não existem diretrizes ou propostas para o combate à tortura nas prisões ou fora delas.

O levantamento ainda destaca que, no que se refere aos procedimentos administrativos para a apuração de denúncias de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes no âmbito dos estabelecimentos federais, os dados revelam o descaso diante do fenômeno.

Após requerimentos por informações apresentado por deputados, o Ministério da Justiça informou que, “nos últimos 10 anos, foram abertos 18 procedimentos, que resultaram em um total de zero sanções”.

A inação do estado se contrasta com as informações que o governo brasileiro prestou para a ONU. De acordo com as autoridades, o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e Combate à Tortura começaria a ser implementado no início de 2019.

Mas ao ser questionado por meio de um requerimento oficial em 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou que houve reatualização do plano em 2020 e que, com mudanças na gestão, o tema “voltará à apreciação”.

A pasta de Damares Alves ainda informou “que não há previsão de cronograma até o presente momento” no que se refere à implementação do plano.

O levantamento do Legislativo ainda revela que as condições das prisões tampouco são consideradas como adequadas. Na ONU, recomendou-se ao Brasil garantir o acesso à água e ao saneamento básico no sistema prisional.

Mas, respondendo a um requerimento de deputados, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que não coleta dados nacionais sobre o acesso à água e ao saneamento básico no sistema penitenciário, informando apenas que para a construção de unidades com recursos do Fundo Penitenciário Nacional é obrigatória a previsão de abastecimento de água e coleta de esgoto.

No que se refere à cobertura da população carcerária pelas equipes de saúde prisional, a taxa varia entre 95%, 85,1% e 76%, respectivamente, no Distrito Federal, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. Mas, nos estados de Amapá, Sergipe e Paraíba, a cobertura oscila entre 0% e 2,6%.

Também em uma resposta a um requerimento do Legislativo, o Ministério da Saúde estimou em 2021 que o atendimento cobre cerca de 24% da população prisional. Apesar de solicitado, o Ministério da Saúde não enviou o Planejamento Estratégico da Política para o setor.

Ainda com base em informações fornecidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o número de psicólogos atuando no sistema penitenciário caiu de 1358 em 2016 para 1207 em 2020. “Há, portanto, uma situação de retrocesso no que diz respeito à assistência psicológica no sistema prisional”, concluiu.

Uol 

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