Parte do PSDB já aceita apoiar Lula

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A disposição de lideranças históricas do PSDB em dialogar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não encontra eco na bancada do partido no Congresso. Parlamentares tucanos ouvidos pelo Estadão criticam os acenos ao petista, lembram os escândalos de corrupção envolvendo o ex-presidente e defendem a unidade da terceira via.

De uma bancada 32 deputados e seis senadores, 16 parlamentares (12 na Câmara e quatro no Senado) se opõem a uma adesão ao petista ainda no primeiro turno. Outros 15 não quiseram se manifestar sobre a aproximação de tucanos com Lula e sete não retornaram o contato feito pela reportagem.

Enquete feita pelo Estadão perguntou se os integrantes da bancada defendem a manutenção da candidatura Doria e 13 parlamentares disseram que sim. Mas a ideia não é consenso e a maioria (18) pediu para não se manifestar sobre o tema. Apenas sete declararam abertamente defender adesão a um outro candidato da terceira via.

“O PSDB sempre combateu e eu, particularmente, sempre combati toda a postura do PT à frente do governo. Episódios que ficaram conhecidos no Brasil inteiro: mensalão, petrolão, corrupção, assenhoramento da máquina pública”, afirmou o deputado Carlos Sampaio (SP), que liderou mais de uma vez a bancada do partido na Câmara. “É um estilo de governar que não combina com meu pensamento. E tenho certeza também que não combina com a maioria dos que estão no PSDB”, completou.

Desde que retomou os direitos políticos, em março de 2021, Lula tem se esforçado em ampliar o leque de conversas e, para isso, passou a procurar caciques tucanos. Desde o ano passado, o ex-presidente já se reuniu com o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o senador Tasso Jereissati (CE), o ex-senador Aloysio Nunes (SP) e o ex-governador de Goiás Marconi Perillo.

O PSDB é rival histórico do PT e as duas siglas polarizaram as eleições presidenciais desde 1994. A única exceção foi em 2018. Em clima de distensionamento, Fernando Henrique chegou a dizer que votaria em Lula em um eventual segundo turno contra Bolsonaro neste ano. “Se a eleição ficar entre o atual e Lula, eu voto no Lula e não será a primeira vez”, disse o tucano em entrevista à rádio Eldorado em maio do ano passado. Cobrado pelo partido, FHC teve de afirmar mais de uma vez nas redes sociais que apoia Doria para presidente no primeiro turno.

O deputado Beto Pereira (MS), secretário-geral da legenda, criticou os colegas de partido que conversaram com Lula: “É quem está no PSDB e não sabe onde está. Não representa ninguém”.

Num aceno ao petista, o ex-ministro Aloysio Nunes disse, em entrevista ao Estadão, que é “legítimo” o ex-presidente querer montar um arco amplo de alianças no primeiro turno. “É da natureza dele. O extremista dessa campanha é o Bolsonaro, e é ele que temos que derrotar. Temos que tentar tirá-lo inclusive do segundo turno”, afirmou o ex-senador.

No caso mais simbólico de apoio de um quadro histórico tucano a Lula, o PSDB perdeu o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que saiu da legenda após atritos com Doria. Alckmin está em negociações avançadas para ser candidato a vice do petista. O anúncio deve ser feito em março, mês em que o ex-presidente lançará oficialmente sua pré-candidatura e Alckmin deverá definir o novo partido. Hoje, o paulista, que já rivalizou com o PT em duas eleições presidenciais, avalia as opções para entrar no PSB, PV ou Solidariedade.

O deputado Aécio Neves (MG), ex-presidente da legenda e candidato presidencial em 2014, adotou um tom mais ameno com os correligionários, mas sem deixar de descartar qualquer apoio ao petista. “É natural que as pessoas da política conversem, o Lula tem muitos amigos no PSDB, mas o projeto do Lula, ao meu ver, não é o projeto do PSDB, como também não é o do Bolsonaro”, disse.

O mineiro é crítico da candidatura de Doria e defendeu a escolha do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do partido. Apesar da divisão atual entre várias pré-candidaturas, o parlamentar aposta que a terceira via pode se fortalecer. “Esse jogo ainda não está jogado, pode ser zerado daqui para frente se houver desprendimento e responsabilidade dos principais atores e partidos”, declarou.

Em entrevista ao Estadão, Serra classificou como “natural” o diálogo com Lula, mas disse que uma terceira via é o caminho para a eleição presidencial: “Acho natural e importante o diálogo político. É da democracia, inclusive entre atores que não compartilham suas bandeiras e ideologias”.

Já o líder da sigla no Senado, Izalci Lucas (DF), sugeriu até que quem eventualmente pense em apoiar Lula troque o PSDB pelo PT. “Quem apoia devia ir para o partido dele (Lula). O PSDB vai ter candidato, já teve prévias, está definido isso”, lembrou.

Vice-presidente nacional da legenda, o deputado Domingos Sávio (MG) declarou que, nem em comparação com Bolsonaro, uma aliança com o PT seria justificada. “Posso ter divergências do atual governo, mas acho que o que ocorreu no Brasil sob a liderança do PT não me estimula a querer retornar ao que nós vivemos”, apontou.

O PSDB da Câmara tem um histórico de votações alinhado aos interesses de Bolsonaro. A direção nacional determinou no ano passado que a legenda seria de oposição ao governo, mas o rótulo foi rejeitado pelos deputados, que passaram a atuar ainda mais na defesa das pautas bolsonaristas na Casa. A deputada Mara Rocha (PSDB-AC), que vai migrar para o PL em março, na janela partidária, é uma das que apoiam o atual presidente e tornou a posição pública durante as prévias.

Guerra interna
Hoje o cenário no partido é de guerra. Uma ala tucana trabalha contra a pré-candidatura presidencial de Doria e pelo menos seis deputados vão se desfiliar por apoiarem outros nomes para presidente ou não quererem dividir os recursos do fundo eleitoral com a campanha presidencial.

A maioria dos parlamentares tucanos não quis se manifestar sobre o projeto presidencial de Doria. Dez deputados e três senadores afirmaram que o PSDB deve apostar na pré-candidatura do paulista, mas sete tucanos também disseram estar abertos a negociar a cabeça de chapa com outro nome da terceira via.

Domingos Sávio, que apoiou o governador de São Paulo nas prévias, avaliou que Doria não deve desistir da pré-candidatura, mas defendeu que o partido procure diálogo com outras forças sem impor que o paulista seja o protagonista.

“Eu entendo que deve manter, tentando construir aliança. E para construir aliança você tem de estar aberto também a respeitar e considerar os demais nomes da terceira via. Uma coisa é buscar aliança, outra é buscar meramente apoio”, disse. “O PSDB não está numa condição de querer sentar à mesa para dizer ‘eu quero só o apoio de vocês”, completou.

O senador Izalci Lucas foi um dos que defenderam a pré-candidatura presidencial do tucano de forma mais efusiva. O parlamentar do DF elogiou o esforço do governador em trazer a primeira vacina contra o coronavírus ao Brasil. “Eu mesmo estou aqui em função dele. Se não fosse a vacina acho que estaria com problema. Graças à vacina não tive nada. Tem essa dívida, uma hora alguém vai reconhecer, não é possível”, disse o líder do partido.

Izalci criticou a pressão para que Doria retire a pré-candidatura e disse que há tempo para que ele se mostre viável. “Não é assim, tudo tem hora. Ele plantou, agora tem que colher, ele vai estar trabalhando, conversando, está tentando articular. Isso faz parte do jogo, isso é normal”.

Do outro lado, um outro grupo tucano trabalha para impedir que o PSDB chegue com o nome e a foto de Doria nas urnas. Leite e os ex-presidentes do PSDB Aécio Neves, Tasso Jereissati, José Aníbal e Pimenta da Veiga se reuniram há duas semanas e traçaram cenários para evitar que Doria dispute o Planalto.

Esse grupo avalia que Doria vai ficar ainda mais enfraquecido a partir de abril, período em que terá de sair do governo de São Paulo para poder disputar a eleição presidencial. A expectativa desses líderes tucanos é de que, sem poder inaugurar obras e sem o prestígio do cargo, o isolamento do paulista vai ser ampliado.

A ideia dessa ala é esperar que isso aconteça e fortalecer o nome de Leite como candidato do PSDB. Na visão desse grupo, o gaúcho tem menos rejeição e pode negociar alianças com o MDB e União Brasil. Uma chapa com a senadora emedebista Simone Tebet (MS) é almejada. Apesar disso, Leite tem sinalizado que vai sair do PSDB e se filiar ao PSD para disputar o Planalto.

Os presidentes do União Brasil, Luciano Bivar, e do MDB, Baleia Rossi, já estão construindo um diálogo com Doria. As três legendas anunciaram na semana passada a intenção de ter apenas uma candidatura presidencial. De acordo com eles, a ideia é definir até o dia 15 de março se isso será possível. No entanto, independentemente de os tucanos irem ou não com o paulista, os dirigentes das legendas vão precisar convencer alas significativas a mudar de ideia para que haja uma candidatura única das três legendas.

No MDB, boa parte dos diretórios do Nordeste já fechou apoio a Lula. No União Brasil ainda não há unidade e uma parte quer apoiar Moro, outra quer estar com Bolsonaro, uma terceira com Doria e uma outra ainda quer neutralidade, sem participação na chapa de nenhum candidato.

Por sua vez, o PSD, de Gilberto Kassab, planeja ter candidatura própria. Hoje, o nome de Kassab para o Planalto é o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas o próprio parlamentar tem evitado se posicionar na disputa e pode não participar da eleição. Como alternativa, o presidente do PSD já afirmou que deseja retirar Leite do PSDB para que ele se filie a seu partido e concorra à disputa presidencial.

Alguns integrantes da legenda, incluindo o próprio Kassab, têm acenado a Lula. PT e PSD têm alianças encaminhadas em Estados importantes, como Minas Gerais e Bahia. Mesmo que, em conversas reservadas, Kassab dê como certo um apoio a Lula em um eventual segundo turno contra Bolsonaro, o partido deve insistir em ter candidato no primeiro turno.

Estadão