Após pastores-bandidos, Bolsonaro nega corrupção no governo
O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez menções a Deus na tarde desta terça-feira (22) e disse que o governo dele não tem escândalos de corrupção. O discurso ocorreu no Tocantins em meio à revelação pela Folha de um áudio em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirma que prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores.
“Quero dizer da satisfação e do orgulho, da missão dada por Deus, de estar à frente do Executivo federal, buscando atender a todos os brasileiros, zelando pelo dinheiro público. Estamos há três anos e três meses sem corrupção no governo federal”, afirmou Bolsonaro.
A fala foi proferida durante visita à cidade de Porto Nacional. O presidente participou da cerimônia de lançamento do Programa DNA do Brasil, voltado para identificação de talentos para o esporte e na vocação profissional.
O áudio com a fala de Milton Ribeiro foi revelado pela Folha nesta segunda (21). O ministro diz priorizar amigos de pastor a pedido do presidente e menciona pleitos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas.
Nesta terça, Ribeiro divulgou uma nota em nega favorecimento a municípios e afirma que Bolsonaro pediu somente que todos os indicados de pastores fossem atendidos.
“O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem”, diz a nota.
Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm, ao menos desde janeiro de 2021, negociado com prefeituras a liberação de recursos federais para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos de tecnologia.
O combate à corrupção, enaltecido por Bolsonaro, é tratado de maneira pouco enfática no governo. Sempre que confrontado com suspeitas envolvendo aliados, amigos e familiares, o presidente critica imprensa, Ministério Público e Judiciário, enquanto alvos são mantidos nos cargos.
Em novembro de 2018, após eleito, Bolsonaro afirmou que ministros alvo de acusações contundentes deveriam deixar o governo, o que não se concretizou na prática.
O ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), por exemplo, seguiu no governo após ter sido indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas sob acusação de envolvimento no caso das candidaturas laranjas do PSL.
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar, por exemplo.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) é investigado em um esquema de “rachadinhas” na Assembleia do Rio. E o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) é suspeito de abrigar funcionários fantasma na Câmara Municipal do Rio.
Foi ainda no primeiro ano de mandato que tomou a decisão que mais impactou a agenda anticorrupção no país, na avaliação da maioria dos especialistas ouvidos pela Folha.
Para eles, apesar de legal, a indicação de Augusto Aras para o comando da Procuradoria-Geral da República, ignorando a lista tríplice dos procuradores, feriu a independência que o cargo demanda.
Crítico à atuação da Lava Jato, Aras travou diversas quedas de braço com os procuradores de Curitiba, até que, após um ciclo de desgaste perante à opinião pública e os indícios de parcialidade, a força-tarefa da capital paranaense foi dissolvida sem gerar comoção, como não ocorreria em outros tempos.
No campo político, para evitar a abertura de um processo de impeachment, Bolsonaro intensificou a ampliação de sua base aliada por meio da antes contestada política do tomá-lá-dá-cá, com a entrega de cargos e recursos para parlamentares aliados do governo, em especial do chamado bloco do centrão.
Já na crise da Covid, as suspeitas de corrupção no contrato bilionário entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos foram destaque e inauguraram uma nova fase da CPI da Covid, que pediu a punição de Bolsonaro por crimes contra a humanidade, prevaricação e charlatanismo.
A revelação de irregularidades num contrato de R$ 1,61 bilhão, destinado à compra da Covaxin, imunizante mais caro dentre os adquiridos pelo Ministério da Saúde, colocou o governo Bolsonaro na berlinda. Trouxe à tona ainda a existência de um verdadeiro balcão paralelo de vacinas no militarizado ministério.
A soma destes casos levou à demissão de Roberto Ferreira Dias do cargo de diretor de Logística da Saúde. Ele caiu horas após a Folha revelar que Dias, indicado do centrão, teria pedido propina para negociar as doses, segundo o cabo da PM Luiz Dominghetti.
Folha de SP