Evangélica que criticou comédia que Bolsonaro censurou é contra censura

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Professora e cristã, a intérprete de libras paulista Mariana Lima foi a primeira publicar nas redes sociais uma crítica a cena do filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, com Danilo Gentili e Fábio Porchat no elenco. Na postagem em seu perfil, em 11 de março, Mariana critica a classificação indicativa de 14 anos dada à obra de 2017, definida pelo Ministério da Justiça. Autora da primeira menção do tema que dominou as redes nos últimos dias, no entanto, a intérprete de libras é contra a retirada do filme das plataformas de streaming, nega ser bolsonarista e afirma que sua intenção era alertar os pais sobre o conteúdo.

Mariana é conhecida por traduzir shows de cantores famosos, como Anitta e Lulu Santos, para fãs surdos. Na publicação de crítica ao filme, ela faz um “alerta para mães e pais” sobre o que chama de “normalização” do abuso infantil. “Como pode normalizar o abuso sexual assim num filme de 14 anos?”, questiona. O vídeo viralizou e chegou a mais de 290 mil visualizações. Ao GLOBO, a intérprete de libras conta que sua postagem foi compartilhada por perfis feministas e mães preocupadas com a classificação etária do filme. Ela afirma ter marcado pedagogos, ativistas ligados aos direitos da criança e membros da sua igreja.

— Sou professora e cristã, tenho muitos alunos e membros da igreja entre meus seguidores. A intenção foi alertar os pais e dizer que não dá para assistir com as crianças. Mas nunca imaginei que ia chegar onde chegou — explicou, lamentando o politização do tema:

— Começaram a marcar a Damares (Alves) e membros da bancada evangélica no meu post. A bancada evangélica não me representa. Minha luta foi para alertar os pais sobre o conteúdo e a classificação. As pessoas estão me chamando de bolsonarista, o que é absurdo. Virou uma pauta política e o jeito de resolver o problema não é removendo o filme. Não acho que tem que retirar do ar — ressalta.

Embora Mariana tenha sido a primeira a levantar a discussão sobre o filme, o responsável por ampliar o alcance foi o deputado estadual do Ceará André Fernandes (PL). Bolsonarista, o deputado divulgou um vídeo, no último domingo, em que também mostra cenas do filme e defende que a Netflix deve retirar o conteúdo do ar por “apologia à pedofilia”. Fernandes diz ainda que vai encaminhar o caso ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e sugere que seus seguidores entrem em contato com a plataforma para cobrá-la. “Que nojeira. Isso é pedofilia, isso é abuso de menores. Não pode ficar impune”, afirma.

A publicação foi assistida mais de 6 milhões de vezes no Instagram e 1 milhão de vezes no Twitter, além de ter sido replicada por páginas bolsonaristas nas maiores redes. No mesmo dia, perfis pró-Bolsonaro passaram a compartilhar ataques ao filme e a Porchat e Gentili. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) foi uma das primeiras a se manifestar ao afirmar que o filme “naturaliza a pedofilia a fim de normalizá-la”. A deputada usou ainda a hashtag #PedofiliaÉCRIME.

A postagem do ministro da Justiça, Anderson Torres, em que diz que determinou imediatamente que os vários setores do ministério “adotem as providências cabíveis”, também ampliou a mobilização bolsonarista. Após o anúncio, entraram em cena o secretário de Cultura, Mario Frias, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.

Um levantamento da Arquimedes mostra que a base bolsonarista representou 45% das postagens e 56% das interações sobre o filme no Twitter. Ao todo, o tema mobilizou 160 mil publicações na rede social entre domingo e as 19h30m de ontem. Dois outros grupos participaram da discussão: perfis à esquerda (27,9% da mensagens) lembraram que Danilo Gentili foi apoiador de Bolsonaro e apontaram para a censura ao filme; enquanto simpatizantes do humorista (26,6% das postagens) saíram em defesa de Gentili e apontaram “hipocrisia” de bolsonaristas e sua suposta similaridade com petistas.

O Globo