Ex-decano do STF vê Retrocesso democrático em censura a Lollapalooza

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Foto: STJ/Secom e Pedro Ladeira/Folhapress

A censura cerceia a liberdade de expressão e intimida o cidadão. Há uma escalada autoritária, estimulada por atos do presidente Jair Bolsonaro (PL), com o aparente objetivo de substituir a festa democrática das eleições pelo medo.

Coube, mais uma vez, ao ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello alertar para os riscos de retrocesso institucional, ao repudiar a decisão monocrática do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre o festival Lollapalooza.

Atendendo a advogados de Bolsonaro, Araújo vedou “a realização ou manifestação de propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival”.

Para o antigo decano, “o poder totalitário do Estado é sempre um poder cruel e cínico, que proíbe o cidadão de pensar e de livremente expressar o seu pensamento e que o submete a um regime de opressão, interditando o dissenso, vedando o debate e impedindo a livre circulação de ideias!!!!”

PRÁTICAS ESTRANHAS E LESIVAS
Em abril de 2018, Celso de Mello fez a defesa institucional do Supremo Tribunal Federal quando, às vésperas do julgamento do pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, afirmou que as Forças Armadas estavam atentas “às suas missões institucionais”.

“Em situações tão graves assim, costumam insinuar-se perigosamente pronunciamentos, ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada de todo inadmissível de práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir”, disse o então decano.

Em setembro daquele ano, Celso de Mello foi o único ministro a criticar o convite a um general para assessorar na presidência do Supremo o ministro Dias Toffoli, que pretendeu reescrever a história: “Hoje, não me refiro nem mais a golpe nem a revolução. Me refiro a movimento de 1964”, disse Toffoli.

O convite ao general aconteceu na campanha eleitoral que levou à Presidência um candidato que instigava membros da corporação militar, elogiava torturadores e pregava o armamento da população.

Como disse Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada do TJ de São Paulo, Celso de Mello, “em tempos mais recentes, foi a voz do STF que bradou a independência judicial e o Judiciário como guardião da ordem democrática e das liberdades. Não se calou diante dos sérios ataques à democracia e nominou o autoritarismo”.

TENTAÇÕES AUTORITÁRIAS
Há algo contraditório num dos fundamentos da decisão do ministro Raul Araújo: “Embora seja assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer agente público ou até mesmo um possível candidato, a garantia não parece contemplar a manifestação retratada na representação em exame, a qual caracteriza propaganda, em que artistas rejeitam candidato e enaltecem outro”.

Ao deferir parcialmente a liminar, Araújo decidiu “no sentido de prestigiar a proibição legal”, vedando o que considerou propaganda eleitoral.

“Vedar essa manifestação e buscar impor a um outro particular a obrigação por definir os limites do que pode ou não ser dito viola diretamente as liberdades individuais e em nada acresce ao processo político e ao debate eleitoral”, sustentaram, em artigo no UOL, Taís Gasparian, Mônica Galvão, Charlene Nagae, Clarissa Gross e Laura Tkcacz, fundadoras do Instituto Tornavoz.

Segundo elas, “às vésperas do início do ciclo eleitoral é essencial que se estabeleça um espaço seguro para as manifestações políticas, cabendo ao TSE resistir à tentação autoritária e buscar formas democráticas de garantir a legalidade do processo”.

Raul Araújo é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Cearense, foi procurador do estado. É um dos ministros próximos ao advogado e ex-presidente do STJ César Asfor Rocha, junto com Humberto Martins, Mauro Campbell e Napoleão Nunes Maia (aposentado).

Araújo foi corregedor-geral da Justiça Federal, cargo que assumiu em setembro de 2017 prometendo estar “sempre atento ao propósito de afastar do âmbito do nosso Poder as ameaças internas e externas”.

“As tentativas e ações daqueles agentes nocivos, que ficam a espreitar o contexto do Poder Judiciário, traçando tramoias, visando encontrar um ponto frágil e então corrompê-lo, serão rechaçadas com todo rigor”, afirmou.

Folha