Governo tenta reverter criminalização da homofobia no STF

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Foto: Fellipe Sampaio/STF

Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo. Na ocasião, os magistrados entenderam que a legislação sobre racismo, em vigor no Brasil desde 1989, também deve ser aplicada nos casos de discriminação contra homossexuais, transexuais ou heterossexuais que eventualmente sejam identificados pelo agressor como LGBTs. O julgamento foi marcado pelo histórico voto de 155 páginas do relator do caso (e então decano da Corte), ministro Celso de Mello, com menções à obra da escritora Simone de Beauvoir, e críticas ao comentário da ministra Damares Alves de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”.

Celso de Mello se aposentou da Corte em 13 outubro de 2020. Um dia depois, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso em que tenta esvaziar o entendimento da Corte sobre a questão — a equiparação da homofobia ao crime de racismo contrariou os interesses do Palácio do Planalto, que viu no julgamento mais uma trincheira da chamada “pauta de costumes”.

Na prática, a ofensiva da AGU abriu um novo round tendo como pano de fundo o julgamento de 2019 – e com desfecho ainda em aberto. O recurso do órgão, tecnicamente chamado de “embargo de declaração” (um tipo de recurso que serve para esclarecer eventuais omissões ou dúvidas), ainda não foi apreciado pelo plenário da Corte, e segue sem previsão de julgamento. Com a aposentadoria de Celso de Mello, o processo foi herdado pelo ministro Kassio Nunes Marques, de perfil conservador e que costuma votar mais alinhado à visão do Planalto.

De lá pra cá, o ministro Marco Aurélio Mello também deixou o tribunal, sendo sucedido por André Mendonça – o recurso da AGU não tem as digitais de Mendonça, e sim do ex-AGU José Levi. Apesar das trocas na composição do STF, o placar a favor da criminalização da homofobia e da transfobia foi elástico em 2019 – 8 a 3 –, mostrando o apoio maciço do Supremo à causa e à defesa dos direitos de minorias.

No recurso da AGU, José Levi pediu que o Supremo esclarecesse alguns pontos, sob o argumento de proteger a “liberdade artística, científica e a de exercício profissional”. O órgão do governo quer saber se o julgamento atinge o controle de acesso a espaços de convivência pública (como banheiros e vestiários, por exemplo) e a aplicação de códigos de conduta por membros de organizações religiosas.

“A proteção dos cidadãos identificados com o grupo LGBTI+ não pode criminalizar a divulgação – seja em meios acadêmicos, midiáticos ou profissionais – de toda e qualquer ponderação acerca dos modos de exercício da sexualidade. Assim como a reflexão relativa a hábitos da sexualidade predominante deve ser garantida, também é necessário assegurar liberdade para a consideração de morais sexuais alternativas, sem receio de que tais manifestações sejam entendidas como incitação à discriminação”, ponderou o órgão.

Em petição enviada ao STF na semana passada, o advogado Paulo Iotti, que defende o Cidadania (autor da ação que levou à criminalização da homofobia e da transfobia), acusa a AGU de “absoluta má-fé” ao “fingir que o tema não está expressamente tratado pela decisão” – e pede ao tribunal que puna o órgão de Bolsonaro por isso. Para o partido, o tema da liberdade religiosa foi expressamente tratado pela decisão de 2019. Em suma, a guerra não acabou.

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