Maioria é a favor de medidas contra aplicativos de mensagens desobedientes
Metade (51%) das pessoas no Brasil é favorável à suspensão do funcionamento de aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram, caso eles não obedeçam a ordens da Justiça brasileira para evitar a divulgação de notícias falsas, segundo pesquisa Datafolha.
Outros 43% dos entrevistados se dizem contra o bloqueio; 3% são indiferentes e 3% afirmam não saber responder. O levantamento foi feito na terça (22) e quarta-feira (23), quatro dias após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes ordenar a suspensão do Telegram no Brasil.
A decisão, publicada no último dia 18, se baseou no que foi considerado como omissão do Telegram para impedir a disseminação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais. Moraes revogou a medida no domingo (20), por entender que o aplicativo cumpriu suas determinações.
Realizada em 181 cidades de todo o país e com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos, a pesquisa do instituto ouviu 2.556 pessoas acima de 16 anos e está registrada no TSE sob o número BR-08967/2022.
O Telegram, um dos principais meios de comunicação digital usados por Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores, terá papel crucial na campanha dele à reeleição, em outubro. O presidente reagiu à suspensão chamando-a de inadmissível e escalando a AGU (Advocacia-Geral da União) para contestá-la.
Com cerca de 50 milhões de usuários no Brasil, a plataforma abriga mais pessoas que declaram voto no atual mandatário do que as que preferem o principal adversário dele, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo o Datafolha, 27% dos usuários do app apoiam Bolsonaro e 16% optam pelo petista.
Entre os eleitores de Bolsonaro, 56% são contrários à obstrução de plataformas que não contribuam para o combate à fake news, de acordo com o instituto. Entre apoiadores de Lula, o índice é de 38%.
A posição favorável à suspensão é maior que a média entre pessoas com ensino superior (56% acham que deveria haver bloqueio, ante 40% contrários) e entre os que têm renda maior que dez salários mínimos (58% falam que deveria haver interrupção, ante 31% que discordam da medida).
Com alta capacidade de viralização e grupos que comportam até 200 mil membros, o Telegram possui dinâmica que se assemelha muito mais à de uma rede social como o Facebook do que ao WhatsApp. Apesar disso, não modera nem sinaliza conteúdo —a não ser em casos como de terrorismo.
Na prática, o sistema não chegou a ser suspenso em massa após a decisão de Moraes porque o ministro avaliou que a plataforma atendeu dentro do prazo de 24 horas às ordens dadas por ele, que incluíam, por exemplo, a indicação do representante no Brasil (pessoa física ou jurídica).
Além disso, ele mandou a empresa explicar suas providências para combater desinformação, excluir um link que levava a um inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre ataque hacker ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e bloquear o canal de um jornalista bolsonarista suspeito de espalhar fake news.
Moraes é relator do inquérito das fake news, que tem como alvos aliados do presidente da República. Ele já tinha ordenado em fevereiro o bloqueio de três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos, sob pena de suspensão e multa. A plataforma cumpriu a medida no dia seguinte.
O Telegram é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 em virtude da falta de controle na disseminação de fake news. O aplicativo se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE a respeito de possíveis restrições a seu funcionamento no Brasil.
Ele possui baixa intervenção e uma estrutura propícia à viralização, que facilita a circulação de discurso de ódio e de conteúdo antivacina, por exemplo. Estudos mostram que os grupos funcionam como um polo organizador dos materiais, agilizando o compartilhamento em outras plataformas.
Até a decisão de Moraes deste mês, as autoridades brasileiras não vinham conseguindo estabelecer contato com o Telegram. Sem representante legal no país, a empresa estava ausente das conversas da Justiça Eleitoral com as principais redes para esforços no enfrentamento à desinformação.
O aplicativo informou ao magistrado, após a ameaça de obstrução, que estaria disposto a colaborar com os Poderes locais.
Fundado em 2013 pelo empresário russo Pavel Durov, o Telegram tem sede em Dubai (Emirados Árabes) e também sofre represálias em outros lugares do mundo. A Alemanha passava pelo mesmo problema que o Brasil e conseguiu forçar o aplicativo a obedecer à legislação.
Em comunicado, Durov pediu desculpas ao Supremo, afirmou que um problema técnico impediu que a empresa recebesse as mensagens das autoridades locais e prometeu apresentar um preposto no Brasil.
Telegram já mantinha representante no Brasil, há sete anos, para atuar no âmbito do órgão federal encarregado do registro de marcas. Nesse período, contudo, chamados do STF e do TSE foram ignorados.
Thomaz se reuniu com técnicos da corte eleitoral na quinta-feira (24) e reforçou o compromisso da plataforma de contribuir no combate às fake news. O advogado disse que levaria aos executivos da plataforma a proposta de parceria com o tribunal para o cerco a fake news nas eleições.
O TSE criou o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação e firmou em fevereiro memorandos de entendimento com as plataformas Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai.
O Telegram deveria estar inserido no contexto dessas discussões desde o início, mas só aderiu ao programa nesta sexta-feira (25), após a ação do STF.
No passado, o WhatsApp também foi alvo de decisões judiciais que ordenaram sua suspensão no Brasil e chegou a ficar fora do ar no país. Foram quatro ações do tipo entre 2015 e 2016, sob o argumento de que aplicativo não estava colaborando com o envio de informações para investigações.