Neonazistas usam Telegram para espalhar ideologia

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Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

A disseminação de discurso de ódio com viés antissemita aumentou no mês de janeiro em canais de extrema direita do Telegram, segundo uma pesquisa feita por professores das universidades federais da Bahia e de Santa Catarina.

O projeto “Ecossistema de desinformação e propaganda computacional do Telegram”, coordenado por Leonardo Nascimento, Letícia Cesarino e Paulo Fonseca, acompanha e monitora 69 grupos e 186 canais de extrema direita.

Em janeiro, segundo a pesquisa, chamou a atenção a presença de um número crescente, intensificado desde dezembro de 2021, de vídeos e áudios de conteúdos abertamente neonazista.

Os compartilhamentos sugerem uma oposição entre cristãos versus judeus, em que esse segundo grupo é retratado como “anticristão” e como uma força política e econômica que estaria agindo “em prol da vacinação em massa em contexto mundial” por meio de grandes corporações.

Os pesquisadores também mapearam o aumento de compartilhamentos principalmente em três temáticas: voto auditável, mobilização contrária à vacinação e de mensagens sobre as formas de burlar um possível banimento do Telegram.

Os conteúdos são compartilhados e os grupos estão ativos mesmo após a plataforma sinalizar que pode bloquear esses espaços em caso de pedido da Justiça.

Na prática, o Telegram bloqueou, por ordem de Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), páginas do influenciador bolsonarista Allan dos Santos, enquanto mantém canais e grupos de extrema direita, muitos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, que disseminam desinformação e discurso de ódio.

As mensagens sobre a vacinação e a exigência de comprovação vacinal vêm, na maioria das vezes, cercadas de características conspiratórias. Elas sugerem uma suposta articulação mundial de farmacêuticas, governos e organizações internacionais que conspiravam contra a segurança e a liberdade dos cidadãos.

Há vídeos que apresentam supostos depoimentos sobre reações adversas da vacinação em crianças e adolescentes. O auge das discussões sobre a vacinação infantil no Brasil ocorreu em janeiro, mês em que foi feita a análise do estudo.

Um dos vídeos mais compartilhados é o do médico José Augusto Nasser, que tem posição contrária à imunização das crianças e defende o uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid, como a hidroxicloroquina.

A vacinação de crianças e adolescentes é tema sensível no governo Jair Bolsonaro, que chegou a distorcer dados e desestimular a imunização dos mais jovens. O presidente chegou a ameaçar expor nomes dos servidores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que aprovaram o uso de vacinas da Pfizer em crianças.

Servidores da Anvisa passaram a receber uma série de ameaças devido à aprovação do imunizante. Em entrevista à Folha, Antônio Barra Torres, presidente da agência reguladora, afirmou que a campanha do mandatário estimula grupos antivacina.

A pesquisa aponta ainda que continuam temas como os ataques ao STF, ao ex-presidente Lula, o descrédito das instituições públicas de saúde, meios de comunicação e jornalismo tradicionais.

O vídeo do YouTube mais compartilhado no Telegram foi nomeado como “Adv em reunião da Maçonaria chora! Descobriu plano que envolve morte de Bolsonaro para eleger Lula”.

A pessoa que fala no vídeo se apresenta como advogado Erick Carvalho. Relata a possibilidade da vitória do ex-presidente Lula nas eleições de 2022, diz que há fraude nas urnas eletrônicas e ataca o ministro Alexandre de Moraes.

A pesquisa aponta que o Telegram segue como uma plataforma estratégica de compartilhamento de informações de grupos de extrema-direita no Brasil. Links do YouTube são os mais compartilhados na plataforma.

Isso sugere o protagonismo que ambas as plataformas deverão apresentar nos fluxos comunicacionais dos debates eleitorais de 2022.

Por causa desse protagonismo, os debates sobre um possível bloqueio do Telegram também aumentaram em janeiro nos grupos. Em especial, o compartilhamento de instruções para como proceder para contornar possíveis mecanismos de impedimento de acesso à plataforma.

A Folha revelou que o Telegram, sediado em Dubai, nos Emirados Árabes, conta com representante no Brasil há sete anos para atuar em processo no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), encarregado do registro de marcas no país.

Ao mesmo tempo, a plataforma ignora alguns chamados da Justiça brasileira e do Ministério Público Federal engajados no enfrentamento à desinformação eleitoral.

O uso do Telegram na disseminação de fake news é alvo de preocupação para as eleições deste ano, após a plataforma ter escapado de algumas ordens e pedidos de autoridades brasileiras.

Um dos coordenadores da pesquisa, o professor Leonardo Nascimento, do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia, disse à Folha que o banimento da plataforma não é o caminho mais indicado e tecnicamente é inviável.

“A gente precisa levar o debate sobre o Telegram para além do bloqueio ou não. É preciso entendê-lo ao lado de outras plataformas como YouTube, Twitter, Parler, Gettr, Facebook e etc. Esses canais são todos inter-relacionados, eles compartilham audiência”, afirma.

Nascimento lembra que a pesquisa apontou para o YouTube como principal fornecedor de conteúdo para esses grupos. Segundo ele, cerca de 80% dos links compartilhados no Telegram vêm da plataforma.

“O epicentro da produção de desinformação, se for mensurar por plataforma, é muito mais o YouTube que o Telegram”, diz ele.

Nesse cenário, de inter-relação entre as plataformas e de possibilidade de pesquisas e acessos aos grupos e canais do Telegram, o pesquisador defende uma regulação e a atuação das polícias judiciárias, Federal e Civil, em investigações contra esses espaços que disseminam desinformação e ataques de ódio.​

“Se o aparato policial se debruçar sobre isso de maneira a descobrir quem são os agentes e o que falam não seria muito difícil. É muito mais fácil conduzir a investigação científica, policial e jornalística no Telegram”, afirma.

Folha