TSE cria rede para combater a desinformação nas eleições
Em um de seus primeiros atos como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin determinou a criação de uma assessoria especial incumbida da gestão do Programa de Enfrentamento à Desinformação – lançado em 2019, mas que só ganhou status de permanente em agosto passado. A medida faz parte do esforço para coibir o que, hoje, são vistas por Cortes Superiores como as principais ameaças às eleições de outubro e à normalidade do processo democrático: as informações enganosas.
O grupo de trabalho é composto por sete integrantes de diferentes áreas, como direito, computação, ciência política e tecnologia de dados. A tarefa é tornar mais ativa a atuação do TSE contra mentiras, em vez de respondê-las depois que elas já tomaram a internet.
A iniciativa constituiu uma comunidade de mais de 70 organizações parceiras, como o Estadão Verifica – serviço de checagem de fatos do Estadão – e outros organismos que fazem trabalho semelhante. Empresas de telefonia, redes sociais, institutos de pesquisa e órgãos públicos também participam da coalizão. Desde dezembro, publicações no Facebook e no Instagram com conteúdo referente às eleições acompanham o “Rótulo Eleitoral”, um aviso por meio do qual internautas podem acessar as fontes oficiais com um clique.
Resultado de uma parceria do TSE com a Meta, empresa que administra as redes sociais, o projeto levou a um aumento de dez vezes no volume de acessos ao portal da Corte em janeiro e fevereiro em relação a outubro e novembro do ano passado, antes da implementação do rótulo. De acordo com levantamento do órgão, houve 1,4 milhão de visitas ao site no primeiro bimestre.
Parcerias
O TSE ainda busca ampliar o número de parcerias com empresas de tecnologia. O aplicativo de mensagens WhatsApp e as plataformas Google, Twitter e YouTube também aderiram ao projeto, assim como o TikTok, uma das novidades de 2022. Até o Telegram decidiu cooperar. No último dia 18, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes chegou a determinar o bloqueio da plataforma por descumprir decisões judiciais e ignorar contatos das autoridades brasileiras. A ordem de suspensão foi revogada após o Telegram cumprir as determinações do magistrado.
Na semana passada, Fachin havia enviado novo ofício ao CEO da companhia, o russo Pavel Durov, e ao escritório de advocacia Araripe & Associados, que tem procuração da empresa no Brasil, com convite de adesão ao Programa de Enfrentamento à Desinformação. Em pronunciamento público, no mesmo dia, o ministro fez um apelo para que fosse atendido.
“Os acordos em questão propiciam subjacentemente a abertura de canais para um diálogo direto e profícuo, necessário para garantir que a transgressão generalizada e sistemática dos limites da liberdade de expressão, notadamente na senda das práticas desinformativas e disseminadoras de ódio, não comprometa a eficácia do estado de direito, por meio da demissão do direito posto.”
O esforço da Corte resultou no anúncio do TSE, feito no dia 25: “O Telegram Messenger INC assinou termo de adesão ao Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no Âmbito da Justiça Eleitoral”. De acordo com o tribunal, a “parceria vai combater informações falsas sobre a Justiça Eleitoral, o sistema eletrônico de votação, o processo eleitoral e os atores nele envolvidos”.
Costurar acordos de cooperação como esse é fundamental para gerir o processo eleitoral, pois o TSE só pode implementar sanções ou medida judicial restritiva de direitos quando provocado, observou Christine Peter. “Oferecemos um incentivo à colaboração, porque ainda não temos legislação que permita atuação mais preventiva.”
Aprovado pelo Senado e em trâmite na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020) propõe medidas para coibir a disseminação de conteúdos de desinformação veiculados em plataformas com mais de 2 milhões de usuários. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), o texto prevê que redes sociais e aplicativos de mensagens devem excluir contas falsas, criadas “com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”.
A ação seria permitida apenas em casos de páginas de humor e paródias. A proposta ainda pede a limitação do número de mensagens enviadas e remoção de conteúdos que infrinjam as leis. Críticos da proposta, por outro lado, advertem sobre o caráter vago de alguns trechos e manifestam preocupação com a liberdade de expressão e a privacidade.
‘Opinão’
Para a coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Raquel Recuero, as táticas de desinformação evoluíram desde as eleições de 2018 também como uma reação às medidas tomadas pelas plataformas para reduzir o alcance desses conteúdos, incluindo a suspensão de contas.
Uma das estratégias mais comuns, hoje, é a de espalhar mentiras com o verniz da “opinião” ou do “humor”, segundo ela. “A pessoa começa a dizer ‘olha, eu acho que a vacina não presta’, porque esse tipo de conteúdo problemático é mais difícil de se reconhecer e marcar (como falso nas redes sociais)”, afirmou.
A pesquisadora entende que a atuação do TSE e o trabalho de verificação ajudam a reduzir o problema da desinformação, mas não dão conta de resolvê-lo. “É preciso colaboração das plataformas e atenção dos tribunais, mas também de educação: ensinar o que é desinformação nas escolas e a pesquisar sobre aquele assunto em lugares que tenham algum fundamento”, disse Raquel.
Produtores de material enganoso driblam restrições nas redes
Pesquisadores temem pelo aumento de volume e alcance de conteúdos enganosos nas eleições de outubro. Além da proliferação de canais com milhões de seguidores em diferentes plataformas com níveis distintos de moderação, a produção desse material está mais treinada para driblar restrições e ser mais efetiva no público-alvo.
“Quem produz desinformação tem as mesmas ferramentas de análise de audiência que um veículo de comunicação usa. Eles podem testar novos modelos e dinâmicas o tempo todo”, afirmou o editor-chefe do Projeto Comprova, Sérgio Lüdtke. O Comprova reúne jornalistas de 40 veículos, incluindo o Estadão, para monitorar e investigar conteúdos suspeitos sobre eleições, políticas públicas e covid-19.
Para Lüdtke, a pandemia serviu como “pós-graduação” para agentes de desinformação que polarizaram os discursos e investiram em temas que envolvem emocionalmente os seguidores. Entram nessa lista conteúdos sobre vacinas, máscaras e isolamento social. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a chamar de “infodemia” a elevada circulação de informações desencontradas sobre a covid-19.
“A desinformação começa com uma dúvida, geralmente a partir de algo que tenha certa verossimilhança. Depois, vem a fase do questionamento e a tentativa de destruir o crédito e a confiança nas fontes. Isso tudo leva a um isolamento, a um contato reduzido com o contraditório”, disse Lüdtke.
Algoritmos
Por influência, em parte, do algoritmo das plataformas, as pessoas passam a interagir em “bolhas”, onde recebem conteúdos semelhantes diariamente e formam “convicções”. A partir de certo ponto, segundo Lüdtke, não é mais necessário enviar conteúdo claramente falso para enganá-las. “Podem simplesmente lançar dúvidas, que vão servindo para confirmar crenças.”
Produtores de desinformação passaram, então, a adotar modelos simples, fáceis de se reproduzir. O “viés de confirmação”, definido pelo The Trust Project como a tendência natural das pessoas de lembrarem, interpretarem ou pesquisarem informações para confirmar hipóteses já internalizadas, ajuda a explicar o fenômeno. Para analistas, a motivação por trás da produção de ruídos passa pela perspectiva de obter lucro, via monetização de canais, mas influência política, domínio do debate e interesse em promover o caos também são apontados como incentivos à prática.
Estadão