Aras nomeia bolsonarista como vice-procuradora-geral da República

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Foto: MPF/Ascom – Divulgação

O segundo cargo mais importante no Ministério Público Federal mudou de mãos, na última segunda-feira (4), sem maior transparência. O procurador-geral da República, Augusto Aras, surpreendeu os membros do MPF ao antecipar a portaria de nomeação de Lindôra Araújo para o cargo de vice-procuradora-geral, em substituição a Humberto Jacques de Medeiros.

O ato só foi publicado no Diário Oficial da União no dia seguinte, quando Lindôra participou de sessão do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal) já na condição de vice-procuradora-geral designada.

Lindôra é considerada muito próxima da família Bolsonaro. Jacques deixou o posto a pedido, segundo informou o MPF. Ele se indispôs com várias pessoas dentro e fora da administração.

Aras nomeou o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos para atuar perante a Corte Especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ou seja, substituindo Lindôra. O PGR delegou a Santos a competência para oficiar nos processos de matéria criminal, “dispensada a aprovação prévia de suas manifestações”.

Santos foi promotor de Justiça no Amazonas, é mestre em Direito e especialista em Direito Público. Ele vai substituir Aras na ausência ou impedimento de Lindôra e de Paulo Gonet, vice-procurador geral eleitoral, substitutos naturais do PGR.

Carlos Frederico disputou o cargo de PGR na eleição do sucessor de Rodrigo Janot. Entre suas propostas, defendia “o equilíbrio orçamentário e fiscal do Ministério Público da União, de forma a evitar a solução de continuidade das atividades institucionais, o que inclui as diversas forças-tarefas em curso, como a Lava Jato”.

A atuação de Jacques deve ser avaliada sob, pelo menos, dois aspectos: o vice-PGR dos processos judiciais e o vice-PGR que, por delegação de Aras, começou a decidir questões administrativas de membros do MPF (pedidos de atuação conjunta, licenças). Muitas vezes decidia contra o membro requerente, gerando insatisfação. Ofereceu representação contra dois subprocuradores-gerais da República.

Jacques trancou a pauta do CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal) pedindo vista de inúmeros processos por vários meses. Prevê-se que as funções administrativas que estavam concentradas no gabinete do vice-PGR sejam dirigidas para a secretária-geral da PGR, Eliana Torelly, o que poderia trazer uma sensação de distensão interna.

Em outra portaria, Aras designou Jacques para exercer a titularidade do 18º Ofício da PGR (Direito Criminal), no STJ, a partir de 9 de maio. Pelo período de 30 dias, ele irá oficiar no STJ nos processos relativos à homologação de sentenças estrangeiras, concessão de execução de cartas rogatórias e incidentes de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

São atividades que não devem provocar embaraços ao PGR.

Aparentemente, Aras não quis tomar partido, arbitrar conflitos de Jacques com membros do MPF. O vice tinha o papel estratégico de bloquear propostas contra o PGR. Jacques blindou Aras, a quem protegeu atuando como substituto.

Não é a primeira vez que Aras promove mudanças na cúpula da PGR sem prestar maiores esclarecimentos.

Em março de 2020, o PGR dispensou do cargo o então vice-procurador geral José Bonifácio Borges de Andrada. Ele havia sido vice-procurador-geral na gestão do PGR Rodrigo Janot. Na ocasião, Aras disse se tratar de uma “movimentação normal”, e que tomou a decisão “a pedido”. Para o lugar de Andrada, ele nomeou Humberto Jacques de Medeiros, então vice-procurador-geral eleitoral.

Processo semelhante ocorreu em outubro de 2019, quando o subprocurador-geral José Adonis Callou de Araújo Sá pediu desligamento da coordenação do grupo de trabalho que auxiliava Aras nos desdobramentos das investigações da Lava Jato de Curitiba em tramitação no Supremo. Callou havia sido nomeado por Borges de Andrada. Foi substituído no dia seguinte por Lindôra Araújo, que era secretária da Função Penal Originária no STJ.

Aras determinou que Lindora fosse designada como sua substituta, na ausência ou impedimento do vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, ou do vice-procurador-geral eleitoral.

Humberto Jacques e Lindôra Araújo também tinham divergências, mas atuaram afinados no processo de desmontagem das forças-tarefas da Lava Jato.

A tentativa do PGR Augusto Aras de obter acesso a dados e informações –inclusive as que estavam sob sigilo judicial– foi o estopim da renúncia coletiva das forças-tarefas no Paraná, São Paulo e Distrito Federal (Operação Greenfield).

Os desdobramentos provocaram fortes divisões internas no MPF.

Em agosto de 2020, o ministro do STF Edson Fachin negou seguimento a uma reclamação da PGR contra os procuradores Deltan Dallagnol, Janice Ascari e Eduardo El Hage, coordenadores, respectivamente, das forças-tarefas do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Fachin desautorizou o intercâmbio de provas colhidas pelas forças-tarefas da Lava Jato com a cúpula da PGR.

Assinada por Jacques, a peça da PGR queixava-se das “negativas” dos procuradores em atender aos pedidos, o que seria uma “afronta ao princípio da unidade do Ministério Público”. A PGR entendia que as forças-tarefas “não podem ser compreendidas como órgãos estanques”.

Em relação à Greenfield, no Distrito Federal, Jacques, anotou a falta de candidatos ao posto de coordenador da operação. “Entre os integrantes da PR/DF não se ofereceram voluntários para assumir a condição de procurador natural do caso. Ao edital de consulta houve uma excepcional resposta e uma grave constatação: apenas um membro do MPF se ofereceu”. Referia-se ao procurador da República Celso Três, de Novo Hamburgo (RS), cuja indicação foi impugnada por um grupo de subprocuradores-gerais.

Folha