Candidato de Bolsonaro em SP promete privatizar até o ar que paulistas respiram

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Foto: Jardiel Carvalho/Folhapress

O candidato do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao governo paulista, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), aposta nas desestatizações como ativo eleitoral.

Em cenário de baixo investimento no estado, a pasta de Infraestrutura argumenta que, pela característica de SP, os maiores aportes, na casa de R$ 54 bilhões, devem vir da iniciativa privada via desestatizações.

As marteladas de Tarcísio durante leilões, que fazem bolsonaristas vibrar nas redes e chamá-lo de Thorcísio, talvez não tenham o mesmo impacto em terras paulistas no ano eleitoral. Isso porque os principais projetos do ex-ministro nessa área para o estado sofrem entraves, atrasos e questionamentos.

O governo sustenta já ter concedido 81 ativos, com investimentos previstos em R$ 89 bilhões. Pretende fazer o mesmo com mais 56, com R$ 165,531 bilhões previstos.

A grande aposta para SP é a privatização do Porto de Santos. A expectativa é que o leilão seja realizado em novembro. O contrato de privatização por 35 anos envolveria gastos de R$ 18,5 bilhões pelo vencedor –do total, R$ 1,4 bilhão seria em investimentos no porto.

A primeira privatização de portos, da Companhia Docas do Espírito Santo, foi vista como teste positivo para Santos. Mas o processo no porto paulista é mais complexo e o prazo, apertado.

A consulta pública, prometida para 2021, só saiu neste ano. O processo ainda precisa ser analisado pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Caso se arraste até 2023, há dúvida se será levado adiante se Bolsonaro perder a eleição.

A corrida ocorre em meio a imbróglio jurídico e pressões. TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado pela direção anterior do porto e o MP (Ministério Público), em 2018, previa a revitalização dos armazéns históricos do Valongo. A atual gestão do porto não reconheceu a validade do termo e o judicializou.

Segundo a Promotoria, o TAC não foi cumprido e a gestão atual do porto fez um pedido de mudança no termo. “A proposta está sendo analisada pelo MP-SP. Caso não acolhida, o TAC deverá ser executado e aí sim a multa originalmente pactuada poderá incidir”, diz a Promotoria, que solicitou um parecer técnico sobre a proposta.

A SPA (Santos Port Authority), estatal gestora do porto, diz ter iniciado a revitalização ao lançar certame para um projeto e diz que o TAC não afeta a privatização.

“Se porventura o MP-SP mantiver o TAC de 2018, já está previsto na desestatização do porto de Santos que o futuro concessionário terá de arcar com a restauração dos armazéns”, diz o órgão.

O presidente do Settaport (sindicato que representa trabalhadores do porto), o vereador de Santos Chico Nogueira (PT), discorda e cita que a desestatização pode ser prejudicada se a Promotoria mantiver o TAC.

“Tem um erro gravíssimo judicial, porque eles omitiram um documento como esse [o TAC] do rol da audiência pública”, diz ele, acrescentando que a audiência poderia ser considerada nula.

Há ainda incerteza sobre o passivo para a gestão privada no caso da restauração.

 

​Settaport também ajuizou contra o novo zoneamento portuário, que, na visão do órgão, afrontaria ao TAC e aumentaria a concentração de nitrato de amônio (base para fertilizante) em pontos de grande circulação. No Líbano, um incêndio em área com a substância causou a explosão em Beirute, em 2020.

A ação foi extinta sem julgamento do mérito, mas houve apelação, em que a Procuradoria deu parecer em favor retomada, diz o sindicato. A SPA diz que adota medidas preventivas, e que “fertilizantes à base de nitrato de amônio são, em condições normais, estáveis e, por si só, não apresentam ameaça”.

Outra concessão tida como uma das joias da coroa é a do aeroporto de Congonhas, parte de lote de terminais aéreos que o governo prepara para leiloar.

Em 2021, como a Folha mostrou, o governo tinha a perspectiva de leiloar esses aeroportos até março, antes da saída de Tarcísio da pasta, o que ocorreu no começo de abril –quando ele deixou o cargo para ser pré-candidato.

A previsão atual, porém, é que o edital para o leilão pode ocorrer só no meio do ano. “A gente sempre vinha falando que a concessão ia acontecer no primeiro semestre. Talvez escorregue pro fim do mês de julho”, afirma o secretário nacional da Aviação Civil, Ronei Glanzmann.

Segundo Glanzmann, a postergação se deu por mudança nas minutas do edital da sétima rodada de concessão de aeroportos, que reúne 15 terminais em três blocos diferentes. Congonhas, no caso, integra um grupo que inclui outros dez aeroportos.

A alteração ocorreu porque o terminal Santos Dumont foi removido dessa leva depois que a proposta foi questionada, já que o aumento na oferta de voos no aeroporto localizado no centro da capital fluminense poderia prejudicar a viabilidade econômica do aeroporto Tom Jobim (Galeão).

A documentação do processo está no TCU. Glanzmann acredita que deve ser aprovada até meados de maio.

“Como a sétima é a última rodada, é normal que esse tipo de coisa aconteça. É o fechamento de um ciclo de projeto de infraestrutura. Ainda assim, a gente está muito próximo do que esperava”, diz ele.

O secretário da Aviação não acha que a discussão sobre concorrência entre terminais no Rio seja replicada a SP, que abriga o aeroporto internacional em Guarulhos –ainda que o projeto de concessão de Congonhas possibilite um aumento no número de voos internacionais executivos.

“O terminal de São Paulo é muito diferente do do Rio. É muito maior, mais pujante. O Rio é um caso particular, que vem de uma questão de problemas econômicos”, afirma ele. “Essa discussão de esvaziamento de um aeroporto porque o outro está crescendo, acho que para São Paulo não faz sentido falar nisso. Tem mercado de sobra para todos.”

​Ele ressalta que enquanto a concessão do aeroporto paulistano não sai, o governo tem feito investimentos e reformas no local.

Outro ativo paulista que enfrentou entrave no processo para concessão é o porto de São Sebastião, no litoral norte.

Em fevereiro, a Justiça Federal concedeu liminar suspendendo audiência para receber propostas da sociedade. A decisão acatou ação movida por trabalhadores, que apontavam falta de transparência. O Ministério da Infraestrutura reverteu a decisão.

Segundo o secretário nacional de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni e Silva, a expansão do prazo não teve relação com a crítica apontada na ação judicial. “É muito comum ter judicialização em processos nossos”, afirma Piloni e Silva.

“No cronograma macro, não saímos do trilho daquilo que foi programado [de conceder o porto de São Sebastião neste ano]. Esses pequenos atrasos também são resultantes de decisões para ter mais contribuição social”, diz ele.

Piloni e Silva afirma que a secretaria agora está compilando o relatório das sugestões e depois enviará o documento ao TCU. O leilão, estima, deve ocorrer até novembro.

Principal concessão entregue por Tarcísio em SP, a da rodovia presidente Dutra, prevê a duplicação da rodovia Rio-Santos somente no trecho fluminense, o que gerou críticas. O governo cita maior tráfego no trecho fluminense.

Tarcísio afirma em nota que houve uma curva de aprendizado nas concessões e que os questionamentos e adequações são importantes para se chegar ao projeto ideal, e que se chegou a projetos sofisticados e leilões bem-sucedidos.

“E quando falamos de uma estruturação inovadora como a do Porto de Santos, e que atinge tantos interesses, entraves e judicializações são comuns e esperados”, afirma Tarcísio, que diz acreditar que continua de pé o cronograma para o fim do ano. Sobre Congonhas, ele diz que o processo está em dia.

Folha