Chanceler bolsonarista quer intermediar guerra russo-ucraniana
Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo
O chanceler Carlos França afirmou nesta quarta-feira que o Brasil pode atuar como mediador para ajudar a acabar com o conflito entre Rússia e Ucrânia. Em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, França voltou a criticar as sanções econômicas aplicadas aos russos, defendeu o diálogo como saída para a obtenção de um acordo de paz e ressaltou que a diplomacia brasileira é conhecida como formadora de consensos e voz respeitada pela comunidade internacional.
— O Brasil tem credenciais para ser mediador. Somos membros do Brics [bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], somos um ator global, com tradição democrática, e temos uma diplomacia que se construiu ao longo de 200 anos como formadora de consensos e voz sempre respeitada na ONU —afirmou França aos senadores.
Segundo o ministro, o Brasil mantém boas relações com Rússia e Ucrânia e agiria facilmente como conciliador e facilitador de um consenso. França disse que colocará a diplomacia brasileira a serviço da paz e que conversará sobre o assunto ainda este mês, durante visita a Brasília do chanceler turco, Mevlut Cavusoglu. A Turquia tem atuado como mediadora das negociações entre russos e ucranianos.
Apesar de sua posição contrária às sanções, França reconheceu que a Rússia ultrapassou os limites ao invadir a Ucrânia. Em resposta à presidente da Comissão, senadora Kátia Abreu (PP-TO), que chamou a agressão de “inadmissível”, o chanceler afirmou:
— Vossa excelência tem razão. A agressão é inadmissível. No momento em que há conflito armado, invasão de território, nós entendemos que a Rússia cruzou uma linha vermelha. Quanto a isso não há dúvida.
Carlos França disse que as sanções econômicas aplicadas à Rússia são seletivas e já prejudicam países fornecedores de alimentos, como o Brasil, que tenta conseguir fertilizantes para o plantio da safra de grãos. Ele disse considerar “lamentável” que as retaliações contra os russos se estendam à cultura e aos esportes.
— Eu até entendo o uso de sanções pela Europa e os EUA. No entanto, não posso deixar de estranhar a seletividade das sanções —afirmou França. — Sanções tendem a preservar interesses imediatos de um pequeno grupo de países e prejudicam quem mais depende de importação de alimentos e tem menor capacidade financeira — completou.
Em entrevista GLOBO, o embaixador da União Europeia no Brasil, Ignacio Ybañez, havia dito que, quanto mais países aderirem às sanções, inclusive o Brasil, mais rápido termina o conflito. França questionou esse argumento. Disse que a Alemanha, por exemplo, está precisando de combustíveis.
— Se até esses países têm dificuldades, o que dirá um país como o Brasil — disse o chanceler.
De acordo com o ministro das Relações Exteriores, a questão dos fertilizantes, que o Brasil tradicionalmente importa da Rússia, é “muito grave”. Ele afirmou que há um esforço diplomático no governo brasileiro para buscar o produto em países como Nigéria, Marrocos, Irã, Canadá e Arábia Saudita — cujo príncipe herdeiro, Mohammad bin Salman, chegou a conversar por telefone sobre o assunto com o presidente Jair Bolsonaro, recentemente.
No caso do Irã, também sob sanções americanas, França lembrou que pediu ao secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para que seja aberta uma exceção que permita o pagamento dos fertilizantes pelo sistema financeiro. Com a Rússia, ele disse que o governo brasileiro tenta vencer “dificuldades logísticas”.
—Os importadores brasileiros têm dificuldades para fazer negócios com o Irã. Pedi ao Blinken para que pudéssemos ter um “waiver” (permissão) do Departamento do Tesouro, para que não haja sanções a quem fizer negócios com empresas iranianas — explicou. — Com a Rússia, queremos garantir ao importador que não haverá problema. Assim como energia para Alemanha é fundamental, para o Brasil o fertilizante é fundamental.
O chanceler, que completa um ano no cargo nesta quarta-feira,disse que o Itamaraty conseguiu retirar 230 brasileiros da Ucrânia, dos quais 43 retornaram ao Brasil pela Polônia. Há ainda outros 17 nacionais em território ucraniano, dos quais 11 querem permanecer no país. O restante são jornalistas que cobrem o conflito. Ele acrescentou que, até a última segunda-feira, foram emitidos 81 vistos de acolhida humanitária para cidadãos ucranianos que fugiram da guerra.