Ciro Nogueira está envolvido com pastores picaretas do MEC
Foto: Isac Nóbrega/PR
Desde que Ciro Nogueira (PP) assumiu como ministro, a Casa Civil do governo Jair Bolsonaro se tornou o único destino no Palácio do Planalto das visitas dos pastores acusados de cobrar pedágio em ouro para dar acesso a prefeitos ao multibilionário Fundo para o Desenvolvimento da Educação. Um ex-assessor de Nogueira, Marcelo Ponte, é o presidente do fundo, que banca a construção de escolas inacabadas, a compra de ônibus rurais com sobrepreço e kits de robótica superfaturados.
Entre 2019 e 2020, os pastores visitaram também a Secretaria de Governo, o Gabinete de Segurança Institucional, a Vice-Presidência, entre outros órgãos do Planalto, de acordo com dados divulgados pelo governo nesta quinta (14). Mas depois que o líder do centrão assumiu a função de primeiro-ministro de Jair Bolsonaro, em agosto de 2021, as seis visitas do pastor Arilton Moura e as três do pastor Gilmar Santos foram para a Casa Civil. Ou seja, encontraram um canal único de interlocução.
De acordo com dados do GSI, as últimas visitas de Arílton ao Planalto foram uma em 21 de setembro de 2021, uma em 2 de dezembro de 2021, duas em 8 de dezembro de 2021, uma em fevereiro de 2022 e outra em 16 de fevereiro de 2022. E as de Gilmar foram duas em 8 de fevereiro de 2021 e uma em 16 de fevereiro de 2022. Todas destinadas à Casa Civil e, portanto, autorizadas pelo ministério. Há imagens de reuniões de Ciro Nogueira com o pastor Arílton, que foram apagadas pela Casa Civil após o escândalo vir a público, como revelou o portal G1.
Isso não impede que eles tenham, a partir da autorização de entrada pela Casa Civil, ido também em outro gabinete do Palácio do Planalto. No áudio divulgado pela reportagem da Folha de S.Paulo que pavimentou à sua queda, Milton Ribeiro afirmou priorizar a liberação de recursos a amigos de Gilmar Santos a pedido de Jair Bolsonaro. Prefeitos acusaram os religiosos de cobrar em barra de ouro de um quilo, através da compra de bíblias ou em espécie o acesso a dinheiro público.
A relação do pastor com a família Bolsonaro, vale lembrar, é anterior à chegada de Milton Ribeiro ao Ministério da Educação, em julho de 2020, como pode se constatar por declarações de afeto da primeira-dama e do senador Flávio Bolsonaro. Abraham Weintraub, que chefiou o MEC, afirmou, nesta terça (12), que Bolsonaro mandou que ele entregasse o FNDE à sua base aliada no Congresso Nacional.
“Quem vai me dar uma ordem dessas? O meu chefe. Ele falou: ‘você vai ter que entregar o FNDE pro centrão’ e eu falei: ‘presidente, não faça isso’. ‘Mas eu preciso’. Daí eu fiquei adiando o máximo que eu podia. Por quê? Isso também dá pra checar. Eu subi toda a governança do processo decisório do FNDE”, disse em entrevista à CNN.
Ciro Nogueira é, hoje, alvo de dois requerimentos de convocação no parlamento. O primeiro, sobre o sobrepreço no processo de compra de ônibus rurais: o Tribunal de Contas da União viu indícios de sobrepreço na licitação de quatro mil ônibus rurais escolares, o que poderia fazer com que os veículos custassem até R$ 732 milhões a mais. O jornal O Estado de S.Paulo mostrou que pessoas ligadas a Ciro Nogueira (PP), ministro de Bolsonaro, e Valdemar da Costa Neto (PL), líder do partido de Bolsonaro, deram aval para a licitação bichada.
Outra convocação também diz respeito a uma denúncia revelada pelo mesmo jornal, um esquema de “escolas fake”, em que políticos aliados do ministro avisam à população que conseguiram recursos para construir escolas, mas sabem que o montante é suficiente apenas para 10% da obra. Ou seja, servem para erguer esqueletos inacabados e enganar cidadãos em ano de eleição.
Recursos do FNDE também estão envolvidos em um escândalo em que prefeituras de municípios com escolas sem água e internet de Alagoas compraram kits de robótica de uma empresa que lucrou 420% com cada unidade. Adquiriu por R$ 2,7 mil, vendeu por R$ 14 mil, retorno que boas zebras nos sites de aposta pagam.
Os donos da empresa são próximos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e os prefeitos beneficiados estão sob a esfera de influência dele. No total, a investigação da Folha de S.Paulo aponta que o Estado recebeu R$ 26 milhões para comprar o material. Há indícios de direcionamento na licitação, dificultando a entrada de concorrentes que poderiam cobrar mais barato.
Considerando todas as denúncias, há elementos mais do que suficientes para sustentar uma investigação que explique como a Casa Civil, sob o comando do centrão, funciona como um centro de desvios de recursos da educação, beneficiando tanto políticos atrás de voto e dinheiro quanto religiosos atrás de fiéis e dinheiro. É natural que a base do governo Bolsonaro, que pode estar envolvida no esquema, não queira entregar as assinaturas para uma CPI do MEC.
O que surpreende são os chamados parlamentares independentes que, sob a justificativa de que isso pode ser usado pela oposição nas eleições, ajuda a manter as denúncias de corrupção na penumbra.