Doria tem fama de traidor no PSDB
Foto: Bruno Santos/Folhapress
João Doria (PSDB) desistiu nesta quinta-feira (31) do plano anunciado a aliados, renunciou ao governo de São Paulo e manteve sua pré-candidatura à Presidência.
A repentina mudança de rumos se soma a um histórico de controvérsias na trajetória do tucano na política, como promessas não cumpridas e embates com aliados de quem se manteve muito próximo.
Nos seis anos desde que disputou um cargo público pela primeira vez, o tucano se indispôs, por exemplo, com nomes como o ex-governador Geraldo Alckmin, fiador de sua primeira candidatura.
Dentro do PSDB, consolidou sua liderança nacionalmente a partir de 2019, mas se viu diante de um progressivo racha interno.
Nas prévias de 2021, foi cobrado pela aposta feita em 2018 na aproximação com o então presidenciável Jair Bolsonaro.
“Comprometo-me a cumprir integralmente meu mandato nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 caso seja eleito prefeito”, dizia carta assinada por João Doria em evento de campanha municipal de 2016. Foi apenas uma das diversas ocasiões em que o tucano rejeitou a hipótese de abreviar o período à frente do município para alçar outros voos políticos.
A promessa durou poucos meses. Ainda como pouco tempo como prefeito, Doria começou a articular sua pré-candidatura a presidente pelo PSDB para 2018. Não decolou nas pesquisas nem conseguiu apoio interno suficiente e decidiu disputar o governo do estado.
Deixou o cargo em 6 de abril de 2018, com pouco mais de 15 meses de mandato. Na disputa estadual, teve proporcionalmente mais votos no interior do que na capital.
Doria se projetou na política a partir de 2015 como protegido do então governador de São Paulo Geraldo Alckmin, à época em seu quarto mandato no estado. A força política do governador o impulsionou na vitória em prévias do PSDB, em 2016, e contribuiu para a eleição à prefeitura naquele ano.
Ao longo de 2017, porém, os dois entraram em choque por causa de articulação do então prefeito para se lançar candidato a presidente no ano seguinte. Doria passou a percorrer o país para se tornar mais conhecido, rivalizando dentro do PSDB com seu padrinho político.
Alckmin indiciou o rompimento em setembro de 2017. “Uma vez meu pai me falou: ‘Lembre-se de santo Antônio do Pádua. Quando não puder falar bem, não diga nada'”, disse, sobre o correligionário, em entrevista.
O então governador fez valer sua força dentro do partido, assumiu o comando nacional da legenda e garantiu a condição de presidenciável para 2018. Doria disputou o Governo de São Paulo.
Na reta final da campanha, quando a candidatura Alckmin naufragava nas intenções de voto, Doria tentou manter distância e flertava com o bolsonarismo. A dois dias do primeiro turno, por exemplo, desmarcou em cima da hora agenda com o correligionário em São Paulo.
Confirmada a derrota na eleição presidencial, Alckmin reclamou, dias depois, do aliado em reunião interna. “Traidor eu não sou”, disse na ocasião. Ele fez teve apenas 4,8% dos votos válidos e ficou em quarto lugar.
Encerrada a votação do primeiro turno em 2018, João Doria se apressou em declarar apoio ao à época presidenciável Jair Bolsonaro (então no PSL), que disputaria a segunda rodada contra o petista Fernando Haddad.
A iniciativa visava se aproximar de um eleitorado que tinha virado à direita naquela eleição e que não tinha um representante claro no segundo turno da eleição estadual. Doria concorria contra Márcio França, do PSB.
A declaração de apoio não teve respaldo no PSDB, que se manteve neutro no segundo turno presidencial. O movimento foi apelidado de voto “BolsoDoria” e virou mote em camisetas e materiais de campanha.
A estratégia de se vincular a Bolsonaro chegou ao ponto de Doria viajar ao Rio, sem agenda marcada, para tentar ser recebido pelo presidenciável e aparecer em fotos. Bolsonaro preferiu não recebê-lo.
Os dois foram eleitos. No início do mandato, em 2019, a convivência parecia que seria amigável, com fotos sorridentes em eventos.
Ainda naquele ano, Bolsonaro, porém, demonstrava contrariedade com a hipótese de o tucano se tornar adversário na eleição de 2022. Uma das razões iniciais para a desavença foi negociação para levar o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 de São Paulo para o Rio de Janeiro, que acabou não concretizada.
Os atritos mudaram de patamar com a eclosão da pandemia do coronavírus, em março de 2020. Doria liderava mobilização de governadores por medidas de restrição e passou a ser alvo do presidente e de seus apoiadores.
“Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente do Brasil. Não tem responsabilidade”, disse Bolsonaro ao governador, em reunião naquele mês.
Doria passou a chamá-lo de psicopata e a defender o impeachment.
Vencedor das prévias do PSDB em novembro passado, Doria não decolou nas pesquisas de intenção de voto à Presidência.
No Datafolha divulgado na semana passada, marcou apenas 2%. Para piorar, seu oponente nas prévias, Eduardo Leite, renunciou ao Governo do Rio Grande do Sul de olho na possibilidade de ainda assumir a candidatura tucana a presidente.
Nesta quarta-feira (30), nas vésperas do prazo para se desligar do governo, Doria avisou seu vice, Rodrigo Garcia, de que pretendia permanecer no posto.
A reviravolta deixou correligionários atônitos e abriu uma nova crise no PSDB. Garcia, também do PSDB, tinha acordo para assumir o governo e se lançar à reeleição com o apoio de Doria.
O apresentador de TV José Luiz Datena, que havia se filiado à União Brasil para disputar o Senado em São Paulo, criticou Doria e disse que não teria mais compromisso em aliança.
“Acho um movimento completamente equivocado do Doria se ele fizer isso, porque passa de traído a traidor do Garcia. Implode a candidatura dele [a governador]”, afirmou.
Em evento na tarde desta quinta (31), Doria recuou, anunciou sua saída do governo do estado e afirmou que vai manter a pré-candidatura à Presidência.